As críticas do Marinho: “Caccia a Tiger Jack” e “Il veleno della zingara” (Maxi Tex 26)

Maxi Tex #26 – Caccia a Tiger Jack

Por Mário João Marques

Caccia a Tiger Jack

Argumento de Pasquale Ruju, desenhos de Ugolino Cossu.

História publicada em Itália no Maxi Tex #26 (“Caccia a Tiger Jack“), de Abril de 2020.

Il veleno della zingara

Argumento de Pasquale Ruju, desenhos de Felmang e Germano Ferri.

História publicada em Itália no Maxi Tex #26 (“Caccia a Tiger Jack“), de Abril de 2020.

Capa de Claudio Villa.

Como o leitor texiano certamente saberá, o Maxi Tex nasceu em 1991, fruto da necessidade da Sergio Bonelli Editore em albergar Oklahoma, uma aventura escrita por Giancarlo Berardi, inicialmente destinada à série mensal de Tex, mas considerada posteriormente como “diferente” para os cânones da publicação principal do ranger, acabando por encontrar espaço no mini-texone, como então foi apelidado o Maxi Tex, e destinado a ser um produto único. No entanto, o sucesso alcançado levou a que, seis anos mais tarde, a editora lançasse um segundo número, Il cacciatore di fossili, de Antonio Segura e José Ortiz, que veio inaugurar oficialmente a publicação dos Maxi Tex, apresentando, também pela primeira vez, o logótipo característico desta colecção. A filosofia do Maxi Tex era publicar anualmente uma história escrita por um autor exterior à série mensal, tendo-se então estreado nomes como o já citado Antonio Segura, que nunca encontrou espaço na série principal, eventualmente por força dos seus argumentos considerados mais violentos, Gianfranco Manfredi ou Luigi Mignacco. Ao Maxi Tex também se encontram ligados desenhadores que aqui encontraram o seu espaço na série, como por exemplo Roberto Diso, que Sergio Bonelli queria em Tex, ou Ugolino Cossu que, apesar de já ter tido honras de publicação na série mensal, tem sido presença regular no Maxi Tex. Ao longo das suas 27 edições, a publicação evoluiu, apresentando alguns números com mais de uma história e passando a semestral a partir de 2018, testemunhando aventuras de grande fôlego e qualidade como L’Oro del Sud, Nei Territori del Nord’Oest, Nueces Valley ou o recente I Tre Fratelli Bill, mas também outras menos conseguidas, se tivermos como exemplos Alaska, Fort Sahara ou Figlio del Vento.

Este primeiro Maxi Tex de 2020 traz-nos duas aventuras, ambas assinadas por Pasquale Ruju. A primeira, Caccia a Tiger Jack, desenhada por Ugolino Cossu, estende-se por mais de duzentas páginas e conta-nos a perseguição de Jack Tigre a um bando que raptou jovens índias da tribo Blackfoot. Embrenhando-se nas paisagens frias e agrestes das montanhas do Wyoming, o navajo depressa compreende que no meio de tudo encontra-se um lucrativo negócio de tráfico humano que movimenta interesses e poderes instalados, obrigando-o a enfrentar inúmeros perigos, o que suscita a preocupação de Tex que, regressado à aldeia navajo, depois de ter capturado um bando de assaltantes, decide ir ao encontro do seu pard índio. O tema da aventura de Ruju ancora-se nesta prática ilegal centrada no rapto das jovens índias que se destinam a ser vendidas para exploração e escravidão, incluindo sexual, um negócio muito lucrativo que, infelizmente, perdura nos nossos dias.

À semelhança de Mauro Boselli, Ruju insere a narração em duas vertentes (a perseguição de Jack Tigre aos raptores e a viagem de Tex ao encontro do navajo) que se encontram no final da história, deixando pelo meio um conjunto de personagens que servem para adensar a trama. Outro elemento que parece identificar Ruju com as premissas bosellianas encontra-se na presença da jovem índia Daanis, uma figura feminina positiva e de corpo inteiro, como Boselli tão bem tem vindo a fazer e não o estereótipo que Gianluigi Bonelli e, por vezes, também Claudio Nizzi construíram. Por fim, sublinhe-se alguma afinidade desta aventura com os acontecimentos narrados em Furia Rossa, quando Jack Tigre foi em busca da sua amada Taniah e sofreu a sua perda. Tudo somado, estamos em presença de um protagonismo solitário pouco habitual de Jack Tigre, o que poderá indiciar que Ruju, tal como Boselli tem vindo a fazer, também vê no navajo uma personagem com suficientes qualidades para assumir outra importância no contexto da série. Relativamente ao trabalho de Ugolino Cossu, em bom rigor aquilo que podemos sublinhar é que, sempre que folheamos uma aventura desenhada pelo autor romano, ficamos com uma certa sensação de que falta alguma chama. Não estão em causa as evidentes qualidades de Cossu enquanto desenhador, com o seu traço detalhado e contemplativo, mais saliente na construção de cenários e ambientes, apelando constantemente à atenção do leitor. Já nas personagens parece impor-se mais uma linha clara que não as inibe de uma expressividade real e perfeitamente de acordo com as circunstâncias, parecendo faltar, no entanto, uma certa linguagem corporal que se torna mais notória em Tex e Carson, personagens quase sempre desenhadas sem a altivez habitual nos dois pards, nomeadamente no ranger, onde escasseia a sua tão característica imponência.

Na segunda aventura, os acontecimentos passam para o Arizona, onde Tex e Carson estão na pista de um bando de assaltantes liderado pelo sanguinário Bill Gunning, autores de um roubo ao banco de Nogales, onde não hesitaram em cometer um verdadeiro massacre, abatendo a sangue frio muitos inocentes. O bando vai cruzar-se com a cigana cartomante Alithia que não prevê um futuro radioso para Bill Gunning, algo que as páginas seguintes da aventura apenas vêm confirmar. Trata-se de uma história que estava guardada na gaveta da editora desde há uns anos e que estava prevista para ser publicada num Almanacco del West com o título Abissi di Follia. Marca a estreia em Tex do veterano desenhador italiano Felmang, pseudónimo de Romano Felice Mangiarano, nascido em Roma em 1941 e que, apesar dos seus quase 80 anos, mantém um estilo preciso e elaborado, algo retro e que alguns podem associar a uma outra época. A verdade é que o desenhador, fundador do Cartoonstudio em 1968, conta com uma extensa carreira em diversos países, com trabalhos feitos para várias editoras e revistas, assim como em inúmeras séries e personagens, com destaque para o célebre Fantasma (The Phantom), criado por Lee Falk, ou para outro clássico das tiras americanas como Flash Gordon. Felmang conta aqui com a colaboração habitual de Germano Ferri, também ele desenhador de Fantasma, apresentando um trabalho com um contraste entre branco e negro bem preciso, mas cujo resultado final acaba prejudicado pela inconstância, uma vez que alterna desenhos detalhados e elaborados, nomeadamente as cenas desenhadas por Felmang onde intervém Alithia (a cigana inspirada na actriz italiana Gina Lollobrigida em jovem), com outros, da autoria de Ferri, onde o traço surge bem menos preciso e com uma composição das personagens muito estanque e datada, onde se notam evidentes falhas na sua ergonomia. Em resultado disso, também a face de Tex altera muitas vezes, sendo perceptível ao leitor a influência de desenhadores como Muzzi, mas sobretudo Giolitti, assim como o Tex ticciano do primeiro período do autor, simbolizado em Vendetta Indiana. Ao contrário da aventura anterior, o enredo desta parece mais linear e sem grandes acontecimentos que a exaltem, valendo a personagem de Alithia tão misteriosa quanto bela.

Resta-nos agora aguardar pelos próximos Maxi Tex, onde se perfilam trabalhos de Roberto Diso (quase 90 anos!), Sandro Scascitelli e Mauro de Luca, todos previstos para 2021, assim como de Giancarlo Alessandrini, Giuseppe Candita e Giacomo Danubio para 2022. Em resumo, desenhadores que, com excepção de Danubio, nunca trabalharam para a série mensal.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

Um comentário

  1. Também fico com a mesma sensação de “faltar algo” ao Cossu .

    Belíssima resenha mais uma vez.

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