Por Sandro Palmas*
A atual série mensal de Tex, com histórias inéditas que se publicam em Itália desde outubro de 1958 e, posteriormente, também em vários países na Europa e um pouco por todo o mundo, constitui a segunda Serie Gigante. Mas nem todos sabem que, na realidade, existiu uma primeira Serie Gigante, composta apenas por 29 números, e que foi publicada em Itália entre abril e junho de 1954 e dezembro de 1960. Vale então a pena dedicarmos algumas linhas para explicar o que é a Serie Gigante e quais foram os motivos que estiveram na sua génese e no seu considerável sucesso. Quer a primeira como a segunda Serie Gigante são as designações dadas aos volumes que apresentavam um formato, na altura conhecido por “caderno”, uma vez que tinham as mesmas dimensões destes e o seu número de páginas geralmente não era inferior a 100 páginas.
As primeiras histórias de Tex foram publicadas a partir de setembro de 1948 no formato de tiras, que tinha sido introduzido alguns meses antes em Itália por um outro editor, Torelli, com Il Piccolo Sceriffo. As dimensões das tiras, mais ou menos o tamanho de uma mão, representavam a solução ideal naqueles anos do pós-guerra por vários motivos. Antes de mais por razões económicas. Depois de cortada na gráfica, uma página no formato A4 permitia ser aproveitada em três tiras, o que significava uma poupança e, por conseguinte, preços mais baixos (os álbuns em tiras custavam apenas 15 Liras, cerca de 30 cêntimos aos preços de hoje). Uma outra razão, digamos educativa, e que não era de subvalorizar, é que os fumetti eram ostracizados pela Igreja, ignorados pela cultura, malvistos pelas famílias, motivos mais do que suficientes para que os rapazes pudessem escondê-los facilmente em qualquer lado.
Um outro formato foi introduzido quatro anos mais tarde, durante o período do boom económico de 1952. O Tex Albo d’Oro quinzenal que, por seu lado, já tinha maiores dimensões, adequado a apresentar três tiras por página, enquanto cada fascículo incluía três álbuns de tiras. Tratava-se, portanto, de uma reedição luxuosa das histórias de Tex já publicadas, enriquecidas com capas extraordinárias de Galep, provavelmente entre as mais belas que o autor desenhou para a série. Este formato foi copiado dos Albi d’Oro da Mondadori e foi pensado para um público adolescente que podia gastar um pouco mais (o preço de capa era de 50 Liras, aproximadamente um euro), enquanto os álbuns de tiras da V Serie, que se publicavam na mesma altura, continuavam a custar mais ou menos metade, cerca de 20 Liras.
A primeira Serie Gigante nasceu, como já vimos, dois anos mais tarde, em 1954.
Também neste caso o imperativo foi fazer da necessidade uma virtude (facere de necessitate virtuem), um ditado atribuído a São Jerónimo e que se adequava perfeitamente à atividade editorial da época. Se por um lado o formato “caderno” foi uma inovação da Editora Audace (nome da Sergio Bonelli Editore na altura), a nova publicação nasce da exigência em aproveitar as devoluções dos Albi d’Oro. Na verdade, cada álbum da primeira Serie Gigante contém seis Albi d’Oro (obviamente privados das respetivas capas originais), com exceção do primeiro número La Tragica Notte, que, por sua vez, incluía sete. Com esta nova edição de velhos episódios de Tex (a única a publicar aventuras inéditas eram os álbuns de tiras desde 1948), Tea Bonelli pretendia agora oferecer aos leitores volumes com 196 páginas, 192 das quais com banda desenhada. Chegou-se à conclusão que para alimentar o público já não bastavam as poucas páginas dos álbuns de tiras ou as das suas reedições. Um novo facto, até então impensável, é que os leitores já estavam dispostos a gastar as 150 Liras do preço de capa, que aumentará para 200 Liras com o sétimo número, La Disperata Impresa, apenas um ano mais tarde, em junho de 1955, o que significava um desembolso de cerca de 4 euros.
Esta nova proposta editorial nasce sob o signo da mais completa incerteza, uma vez que a primeira Serie Gigante pode considerar-se mais como uma experiência do que propriamente uma aposta. Antes de mais, não há certeza de que o seu elevado preço seduza os jovens leitores a adquirir a nova publicação. Depois, a periodicidade irregular, mais ou menos trimestral, e a sua tiragem incerta, cerca de 1500 cópias para os primeiros números, mas sempre dependente dos Albi d’Oro que não foram vendidos. Esta nova publicação, sublinhamos mais uma vez, não era uma reedição. O número exíguo de cópias colocado à venda nos primeiros anos, obriga a que a distribuição seja local e geograficamente identificada com a área milanesa, e só posteriormente acessível aos leitores das outras grandes cidades italianas. Tudo somado, esta primeira Serie Gigante tornou-se extremamente rara, conhecendo-se menos de três dezenas de coleções completas. Alguns números, entre os quais o 17 (La Città Morta), o 13 (Pista di Morte), mesmo o 2 (L’Agguatto), são praticamente impossíveis de encontrar, chegando-se a pagar quantias que vão dos 800 aos 2000 euros.
O primeiro número não contém a histórica aventura inicial de Tex Il Totem Misterioso de 1948, mas sim os Albi d’Oro do número 20 (março de 1953) ao número 26 (junho de 1953) da primeira série, ou seja, os últimos três álbuns de tiras da I Serie, a que se juntam os primeiros dezoito da II Serie de tiras. Este facto indicia que, pelo menos numa fase inicial, os Albi d’Oro vendiam-se bastante bem, ou seja, não houve grandes devoluções, tornando-se praticamente impossível iniciar a primeira Serie Gigante a partir do primeiro Albi d’Oro.
Os Albi d’Oro continuarão a ter bons índices de venda ao longo dos anos cinquenta até novembro de 1960, quando terminou a sua publicação. A primeira Serie Gigante, que dependia totalmente desta coleção, encerrará no número 29 (Sangue sui Pascoli), pouco tempo depois, em dezembro de 1960 ou nos primeiros meses do ano seguinte. A principal razão para o cancelamento das duas publicações reside no lançamento da segunda Serie Gigante, em outubro de 1958, a primeira verdadeira reedição das aventuras de Tex no formato “caderno” com publicações regulares bimestrais e depois mensais, com um preço que se mantinha nas 200 Liras (e assim se manterá até junho de 1970).
Como publicação, a segunda Serie Gigante começa por ser apenas uma simples reedição para atender os pedidos de um material publicado num formato, o do caderno, que agora já chegava a todo o país e que já não se conseguia encontrar com os álbuns da primeira Serie Gigante. Teremos que aguardar, pelo menos até 1964, pelo grande salto, quando Galep começa a desenhar capas originais, a primeira no número 44 (Un Audace Rapina), quando nascem os álbuns sem os clássicos agrafes que uniam os fascículos no interior dos volumes, com a introdução da página inicial (no número 47 Le Terre dell’Abisso) e sobretudo com o lançamento da primeira reedição da segunda Serie Gigante, numa coleção que vai adotar o nome de Tex Tre Stelle.
Em junho de 1967, o glorioso álbum de tiras cessa a sua publicação nas bancas italianas e durante cerca de quinze meses os leitores ficarão privados de histórias inéditas de Tex, que regressarão, doravante, na segunda Serie Gigante, apenas a partir do número 96 (La Caccia), em outubro de 1968. A passagem das séries de reedições a álbuns inéditos foi naturalmente planificada pela editora com o ingresso, em meados dos anos sessenta, de desenhadores mais velozes como Nicolò, Letteri e Ticci, enquanto Raschitelli saiu. O principal desafio, numa altura em que Tex vendia mensalmente centenas de milhar de cópias, era assegurar a publicação regular de um álbum de 114 páginas.
Na primeira Serie Gigante as capas, tal como aconteceu nas primeiras quarenta e três da segunda Serie Gigante, são retoques feitos pela editora a partir das capas das oito séries dos Albi d’Oro, de modo a aliviar a carga de trabalho de Galleppini. Nos primeiros doze números, o verso da capa apresenta histórias como La Teleferica Salvatrice de Franco Baglioni ou Il Vagabondo de Ginaluigi Bonelli, ou ainda algumas anedotas. Pouco interessante eram também as contracapas, para cujo estudo remeto o leitor para um artigo meu publicado num dos Tex Magazine italiano.
Os oito primeiros números apresentavam um quadro familiar com toda a família a ler atentamente as tiras de Tex, sem faltar o cão a olhar desconsoladamente para a sua tigela vazia. As restantes apresentavam publicidade de outras publicações da editora.
Só nos resta falar da escassa homogeneidade que apresentavam os volumes da 1/29, como era conhecida a primeira Serie Gigante. As dimensões eram as mesmas dos Albi d’Oro, ou seja 16,5 x 23,5 cm para os primeiros vinte e cinco números e 14,7 x 19,8 cm para os restantes quatro. Os títulos inseridos na lombada divergiam bastante no tamanho e no tipo de letra e estão mesmo ausentes nos números 22 a 24. Para concluir, em termos de curiosidade faltará referirmos os preenchimentos utilizados em algumas das páginas interiores para cobrir eventuais espaços em branco, um inconveniente que nunca se verificará na segunda Serie Gigante, mas que foi um expediente que a editora utilizou para inserir palavras cruzadas, biografias de futebolistas e mesmo desenhos de Tex feitos por leitores e fotos destes.
Tradução e adaptação de Mário João Marques, com a devida autorização do autor.
* Texto de Sandro Palmas publicado originalmente na Revista nº 12 do Clube Tex Portugal, de Junho de 2020.
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Muitas Palmas para o Sérgio.
Confesso que fiquei meio perdido com tanta Primeira Série com tanta Segunda Série. Mas ao final, li tudo novamente. Deu certo.
Não ficou bem claro, o ajuntamento de stricias. Não percebi o momento quando fizeram em 2 tiras (Foi só aqui no Brasil?).
Essa primeira série é realmente histórica. Alguém há de pedir para republicá-la, como fazem aqui no Brasil, com as 37 primeiras da Vecchi.
Prezado G. G. Carsan, grande pard,
Em Itália, ao contrário do Brasil, não houve passagem para 2 tiras por página. A mudança ocorreu em 1952, quando o novo formato foi introduzido com os Tex Albo d’Oro que juntava 3 striscias (tiras) por página. Tratava-se, como diz o texto “de uma reedição luxuosa das histórias de Tex já publicadas, enriquecidas com capas extraordinárias de Galep, provavelmente entre as mais belas que o autor desenhou para a série.” 🙂