“A morte de Lilyth/Juramento de vingança”– As Grandes Aventuras de Tex (da Mythos Editora) na análise de Rui Cunha

Por Rui Cunha (texto) e Margarida Cunha (fotografias)

A vingança é o modo mais conhecido de fazer justiça. A vingança costuma ser o modo mais rápido de se fazer justiça sobre alguma coisa que correu menos bem e causou danos, por vezes irreparáveis, em alguém ou alguma coisa.

No velho Oeste, a vingança, foi, durante muitas décadas a única forma de se obter justiça porque a Lei e os seus representantes ainda estavam numa fase de aprendizagem ou simplesmente não existiam! Muitos foram os exemplos desses tempos sem lei nem ordem em que a única solução para resolver o conflito era a lei da bala.

A literatura (nas suas várias formas), o cinema e até a televisão souberam, melhor que ninguém, dar voz a esses tempos ao longo de quase dois séculos. Mas, outros houve, que sem se referirem directamente ao velho Oeste, souberam, e bem, juntar a vingança e a justiça num só plano.

No século XIX, Alexandre Dumas, Pai, escritor francês de romances de aventuras e  históricos, escreveu, entre 1844 e 1846, o romance “O Conde de Monte-Cristo”, talvez a história de  vingança mais perfeita que existe. O romance conta a história do jovem marinheiro Edmond Dantès que é vítima de um plano levado a cabo pelo Barão Eugène Danglars, Fernand Mondego, Gaspard Caderousse e o Juiz Gérard de Villefort, que o leva a ser atirado para  a prisão no temível Castelo de If, ao largo de Marselha, sem culpa formada nem sentença atribuída. Dantès ficará preso durante catorze anos sem nada saber do que se passa no mundo exterior à sua prisão. Conhece o Abade Faria, prisioneiro na cela ao lado da sua de quem se torna amigo e o ajuda a sobreviver aquela provação, ensinando-lhe muitas coisas que o jovem desconhecia. Pouco tempo antes de morrer, Faria fala-lhe de um fabuloso tesouro escondido na ilha de Monte-Cristo, situada ao largo de Itália e que será dele se ele conseguir escapar da prisão. Dantès consegue escapar, encontra a ilha de Monte-Cristo e o seu tesouro. Depois de assumir a identidade de “O Conde de Monte-Cristo, Dantès, prepara, ao longo de algum tempo,  a sua vingança contra os seus três ex-amigos e o Juiz Villefort.

O livro de Alexandre Dumas, Pai, serviu de inspiração para muitos escritores desde a sua publicação e influenciou várias gerações de leitores e ainda hoje permanece como um clássico da literatura universal.

GianLuigi Bonelli e Aurelio “Galep” Galleppini, criaram em 1948 a  mítica figura de Tex Willer, Ranger do Texas e Homem da Lei, dotaram-no do senso da Justiça que ele defende com unhas e dentes nas suas inúmeras aventuras pelo Oeste fora. Também os seus autores foram tocados pelo senso de vingança que emana da obra de Dumas, Pai e como tal quiseram mostrar que Tex, o eterno justiceiro e Homem da Lei, também foi, um dia, tocado pela vontade de levar a cabo uma vingança pessoal. Aos dois autores, o famoso romance de Dumas, Pai também não passou despercebido.

Na aventura de Tex, “Il Giuramento” publicada em Itália em 1969, com os números 104 a 106, que é uma das mais famosas e longas histórias do Ranger, escrita por GianLuigi Bonelli e desenhada por Aurelio Galleppini, e que  no Brasil seria editada do número 43 com o título “Juramento de Vingança” em Outubro de 1980, aos números 44 e 45, respectivamente “Vingança com Dinamite” e “Um Carrasco para os Tubarões”, conhecemos  a faceta vingativa de Tex, altura em que por via do seu casamento com Lilyth, a filha de “Flecha Vermelha” chefe dos índios Navajo e se tornou “Águia da Noite”, ainda antes de se tornar Ranger do Texas.

Durante uma estadia em Forte Defiance, Tex e os seus companheiros lêem uma notícia no jornal que lhes traz à memória acontecimentos passados e trágicos, principalmente para Tex. A notícia dava conta do desaparecimento de um banqueiro, um tal Fred Brennan, com quem Tex já havia tido problemas e que lhe haviam causado a maior dor possível: Brennan e outros dois cowboys haviam planeado uma epidemia de cólera na reserva dos Navajo para tentar acabar com a vida de Tex. Acabaram por causar um morticínio nas tribos Navajo e, principalmente, a morte de Lilyth, sua esposa e mãe de Kit porque Águia da Noite não se encontrava na reserva. Depois de obter mais informações junto do comandante do forte, Tex decide ir no rasto do banqueiro desaparecido e assim completar a vingança que se havia proposto fazer quando sepultou Lilyth tantos anos antes.


Juramento de Vingança”, assim se chama a história que a Mythos Editora decidiu escolher para primeiro volume duma nova colecção a que chamou “As Grandes Aventuras de Tex – A Morte de Lilyth”, que viu a luz do dia há precisamente um ano, neste mês de Março. Talvez por dar a conhecer uma faceta de Tex que muitos, se calhar desconhecem, a de vingador, a editora brasileira tenha escolhido este título tão especial na bibliografia do Ranger e dos seus pards porque se trata também de uma história dramática e emocionante.

A história, pode-se dizer, divide-se em três partes: introdução, narrativa e obviamente, a conclusão. G.L. Bonelli e A. Galleppini respeitam a divisão e até nos indicam onde ela começa e acaba.

A introdução, que dá o mote à história, decorre entre as páginas 9 e metade da página 23 e é nela que Tex e os seus pards depois de verem uma notícia num jornal, resolvem mudar a sua ideia de irem fazer uma caçada tranquila para terminar um assunto que há muitos anos estava em suspenso. Kit, percebe que aquele assunto é doloroso para todos e questiona Kit Carson sobre o que aconteceu. Carson resume os acontecimentos, mas será Tex, depois de Kit lhe perguntar mais coisas sobre o assunto, quem lhe diz que o Brennan em questão foi directamente responsável pela morte de Lilyth, sua mãe e de muitos índios Navajo. Aqui, Bonelli apresenta-nos alguns factos que serão importantes no desenvolvimento da história, bem ilustrados pelo desenho de Galleppini.

 

Numa noite no deserto, com direito a luar e o uivar dos lobos, ao redor de uma fogueira, na companhia dum bom café quente, numa cena tipicamente de western (belíssimo aproveitamento de Galleppini), os quatro pards ouvem Tex e relembram os acontecimentos que levaram John Teller a idealizar uma vingança contra Tex, Fred Brennan a aprovar e Tucker, o executor a levar a cabo a terrível ideia de Teller (muito bem ilustrada no primeiro quadro da página 36) com que termina a parte inicial da vingança de Tex. Narrada em “flashback” desde o meio da página 23 até à página 242, é a parte mais importante de toda a história já que estabelece os factos que levam o Ranger a deixar de lado o seu papel  de Homem da Lei para ser um Vingador, cuja faceta desconhecíamos e é perfeitamente ilustrada nas páginas 87 a 90, com Tex a pronunciar, aos ventos que se levantam junto do túmulo de Lilyth, o seu terrível juramento de vingança que só cessará quando a lança cravada no túmulo (pelo próprio Tex como seja um compromisso onde se joga a honra dele), se quebrar  (pelo meio temos um belíssimo quadro onde se vê o rosto de Lilyth infinitamente triste a despedir-se de Tex). A partir deste momento Tex deixa de ser o Ranger e, sem olhar aos meios, terá que completar a sua vingança, ou parte dela.

Com a ajuda dos seus pards e dos seus fieis índios Navajo e seus companheiros, o Ranger parte no encalço dos seus inimigos e começa a apanhá-los um a um, começando no mais baixo (Tucker, o executor) e mais fácil de apanhar porque é a mão que executa e quer ver o seu plano resultar até ao fim para ganhar o dinheiro prometido pelos dois mandatários, até chegar a Teller (que morre atingido por um tiro) e Brennan, que, no último momento, consegue escapar deixando Tex algo desconcertado e com a sensação de missão meio cumprida (último quadro da página 241). Aqui a história assume claramente o papel de história de vingança e G.L. Bonelli não se poupa a esforços para nos dar essa dimensão, plenamente secundada pelo desenho de Aurelio Galleppini.

Como curiosidade e para fundamentar de certa maneira a comparação que faço com a obra de Alexandre Dumas, Pai, Bonelli e Galleppini também o fazem no episódio que decorre na estalagem em Natchez (páginas 252 a 278) cuja acção é muito parecida com o episódio em que o Conde de Monte Cristo, disfarçado de Abade Busoni visita o seu ex-vizinho em Marselha, o invejoso Gaspard Caderousse que, com medo de represálias, deixou que Edmond fosse preso e que  é dono de um albergue de estrada, ao qual o abade oferece um diamante em troca da sua confissão que, na verdade, será o seu último erro. Coincidência? Ou não? Fica a questão no ar.

 


Finalmente, a conclusão, na qual Tex e os seus pards, juntamente com alguns homens procurados pela justiça a quem poupam a vida em troca de colaboração (uma vez mais a sombra de “O Conde de Monte-Cristo” paira sobre esta aventura de Tex) na execução do capítulo final da vingança de Tex (embora os homens não saibam disso, o que, para eles não é importante). É aqui que se percebe como o Ranger consegue ser implacável com os seus inimigos (já o demonstrara na altura em que é feita a perseguição a Tucker, a Paul e a Higgins ou quando mata Teller), mas também extremamente imaginativo na maneira como condena Brennan a uma morte atroz nas últimas páginas da história em que o carrasco se torna vítima e finalmente a lança há tantos anos espetada no túmulo de Lilyth se parte com o vento e o uivo de um lobo dá indicação de que a morte da bonita índia foi finalmente vingada.

Sobre a edição desta história e desta nova colecção de Tex nada a dizer. Está dentro dos “standards” a que a “Editora Bonelli” e a sua congénere brasileira, a “Editora Mythos” já nos habituaram. São 312 páginas que incluem alguns desenhos  coloridos de Tex e de Lilyth, um texto introdutório escrito por Júlio Schneider, um dos tradutores brasileiros de Tex, muito bem escrito e que situa o leitor no âmbito desta história de vingança.



Esta edição, para mim, só tem um senão: a sua colorização. Nunca fui grande defensor da colorização das aventuras de Tex, porque acho que estando o leitor habituado ao desenho das aventuras num preto e branco bastante bem definido (deixando à imaginação de cada um como é que esta ou aquela cena, aquela ou outra sequência ficaria a cores, o que, no meu entender, é o mais correcto), quando vemos essas mesmas cenas e/ou sequência colorida, o impacto já não é o mesmo e não conseguimos (falo por mim) evitar  alguma decepção com o resultado.

Seja como for, goste-se ou não da edição, uma vez mais a “Bonelli” e a “Mythos estão de parabéns por mais esta iniciativa em prol de Tex e dos seus fãs em todo o mundo… excepto, claro está, este jardim à beira-mar plantado e que se chama Portugal, onde, infelizmente, Tex parece ter sido esquecido!
Melhores dias virão!!

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

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