Em recordação de um mestre…

Por Lucio Cascavilla [1]

G. L. Bonelli no ArizonaEra 1908, e a Internet ainda não existia. O mundo era diferente. Mas naqueles dias nasceu um dos maiores escritores de todos os tempos. Alguém poderá rir sarcasticamente desta minha afirmação, mas não estou a exagerar. Eu penso nele como um gigante da literatura. Quem duvidar e quiser saber mais sobre ele pode pesquisar na Internet: Recordações mais ou menos pessoais, entrevistas e muito mais. Na rede encontra-se tudo. Gostaria de recordá-lo em privado e na minha faceta de leitor, já que o conheci somente através das páginas que ele escreveu.

Como os mais abalizados já terão intuído (espero que pelo menos a minha irmã) eu estou a referir-me ao escritor e argumentista de Tex, que em Dezembro de 2008 teria comemorado cem anos de vida, e que ao invés, há alguns anos atrás, num dia de Janeiro, em silêncio nos deixou.

Eu quero lembrar, porque ainda hoje, a anos de distância, eu releio as suas páginas, que não parecem muito afectadas pela passagem do tempo, da inexorável passagem das estações do ano, das modas passageiras e de tudo o mais que acompanha a nossa vida.  As palavras daquele Tex, estão esculpidas no tempo, e parecem, como dizia Virgílio, “um monumento mais indestrutível do que o bronze“.

Tex e o seu criador superaram incólumes, tudo aquilo que se opunha contra eles: o comité de garantia moral e todos aqueles que quiseram puxar o casaco (perdão, a camisa amarela) nos anos 70, fossem da direita ou da esquerda, estando-se nas tintas para a censura  e indo em frente no seu caminho, criando a sua própria linguagem que se foi endurecendo com o passar do tempo para se tornar clássica.

Tex por GalepPaciência se nos primeiros Tex, em vez de dizer “cazzo“, se dissesse “caso” e, em vez de “merda“, se pôde simplesmente dizer “peste“, mas foram e são este tipo de coisas que também me fizeram enamorar por aquele incorrigível Tex Willer. Por ele e pelo seu “infernal bando de mastins”.

Foi o primeiro a tornar a banda desenhada italiana adulta. O herói não era um miúdo. Não era um bom samaritano como muitos outros. A violência estava presente. Opositores perversos e um herói sempre decidido e sempre no centro da acção. Um herói intrépido, que tinha do seu lado a razão para se opor ao mal.  Um herói que não aplicava a lei, mas a justiça, no seu significado mais intrínseco. Um que alinhava ao lado dos índios, enquanto John Wayne no cinema, em “Sentieri Selvaggi” (no original The Searchers; em Portugal, A Desaparecida; no Brasil, Rastros de Ódio), matava os bisontes, para que os Cheyennes não tivessem que comer.

E foram também aqueles Tex’s que me fizeram compreender algumas coisas antes de atingir a idade adulta. E também graças à moral desembaraçada e maniqueísta em que Tex sempre se inspirou:  Que não são as raças a fazer a diferença entre os homens, mas aquilo que existe nos seus corações.

G. L. BonelliApraz portanto que após tantos anos, esquecido pela história oficial (em Itália não existe sequer um prémio que tenha o seu nome, mas apenas uma estrada em Roma), alguns autores dos fumetti continuem a referir-se a ele.  Para citar os seus ensinamentos e tentar modernizá-lo e trazê-lo para os leitores de hoje.

Além naturalmente de Mauro Boselli que continua a tradição, gostaria de mencionar um outro par de argumentistas que embora de maneiras diversas, o tomaram por exemplo. O primeiro é Tito Faraci (argumentista do Rato Mickey, Diabolik, Dylan Dog e Brad Barron, que recentemente entrou no mundo texiano), que no seu blogue fez uma recolha de frases famosas do ranger. Cada uma mais bela que a outra. Toda dignas de representar a arte de escrever e de contar histórias que GL Bonelli conhecia bem.

O segundo que por sua vez homenageia Bonelli e Tex, é Roberto Recchioni (argumentista de John Doe, Dylan Dog e Garrett) e fá-lo no blogue da revista em que está escrevendo. Roberto fala do herói, das técnicas de roteiro e muito mais. Leiam os seus textos, e compreenderão que não só eu o considero um génio. Leiam os seus textos, e compreenderão que ainda há tanto sobre ele para aprender.
Obrigado a eles, aos discípulos, que se recordam ainda do seu mestre. Obrigado Tito, obrigado Roberto.

*O desenho que ilustra este post é obviamente de Aurelio Galleppini em arte Galep (co-criador do mito).

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)
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[1] (Texto publicado originalmente no Impresentabile blog, em 14 de Julho de 2008)

Um comentário

  1. Parabéns, já estava na hora de alguém falar de Bonelli, um nome que pra mim significa BD de alta qualidade, coisa rara nos dias de hoje.
    Foi Bonelli que me acostumou mal. Pois ele deixou-me fascinado pelas histórias longas, sagas de aventuras, ações ineterruptas… Enfim falo que não houve outro argumentista / escritor que tenha contribuído tanto para os textos de BD quanto ele. É bem propósito o comentário sobre não ter nenhum prêmio que leve o nome do mesmo. Nos EUA seria um PAPA ou um deus das BDs. O pior texto de Bonelli dá de 10 a 0 no melhor dos dias de hoje.
    A meu ver acho que o Bonelli filho é que deveria partir para a criação de um evento/prêmio à la Bonelli, para agraciar os melhores da Itália no que tange a BD. Precisamente no mês em que o escitor Bonelli faria anos.
    Um homem só é completo como dizem, quando ele tem um filho, escreve um livro e planta uma árvore. Creio que Bonelli deva ter plantado muitas árvores… Olhemos para este blog e os demais existentes…
    Abs,
    J Rios

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