A homenagem aos 70 anos de Mauro Boselli e à sua extensa carreira de enorme sucesso

Septuagésimo aniversário de Mauro Boselli – 30 de Agosto de 2023

No dia do septuagésimo aniversário de Mauro Boselli, argumentista, guionista, editor e curador de Tex, 30 de Agosto de 2023, o Tex Willer Blog, através de Mário João Marques, apresenta (como forma de homenagem) uma biografia completa e detalhada, que nos permite conhecer de forma mais profunda o autor (e a sua trajectória de sucesso) mais prolífico dos mais de oitenta anos de história da Sergio Bonelli Editore, o primeiro e único escritor a ter escrito mais de 50 mil páginas de banda desenhada.

Mauro Boselli e o bolo do seu septuagésimo aniversário

Quis o destino que o nome Bonelli estaria para sempre ligado ao de Mauro Boselli, quando, ainda em tenra idade, o agora editor de Tex conheceu o seu colega de escola Giorgio Bonelli, irmão de Sergio. Sabendo que o jovem Boselli cultivava a mesma paixão pelo cinema, pela literatura de aventuras e pela banda desenhada, Gianluigi Bonelli vai ajudá-lo a encontrar trabalho, tornando-o seu assistente, uma experiência que durou pouco mais de um ano e que se revelou inolvidável do ponto de vista humano, mas frustrante a nível profissional, uma vez que a personalidade livre e de anárquico pensador de Gianluigi Bonelli deixava pouco espaço às propostas e ideias de Boselli.

Mauro Boselli e Giorgio Bonelli

Os primeiros passos de Mauro Boselli como argumentista serão dados com River Bill, Mister No (apenas uma aventura, Capitan vendetta, desenhada por Civitelli) e Zagor, série da qual será mais tarde editor responsável. A primeira experiência com Tex surge quando colabora com Gianluigi Bonelli no argumento de La tragedia della “Shanghai Lady, uma história escrita por Giorgio Bonelli onde aparece pela primeira vez a personagem do Mestre. Mas é em 1994, com a crise criativa que assolou Claudio Nizzi, que chega definitivamente a Tex, ao assinar a sua primeira aventura na série como autor de corpo inteiro, Il passato di Carson, uma das mais apreciadas de sempre. Vinte anos mais tarde, torna-se no editor responsável da série, cargo que atualmente ainda ocupa e que acumula com o de argumentista. De então para cá assinou um conjunto extenso de inolvidáveis trabalhos, sendo já o autor mais prolífico a escrever para Tex.

G.L. Bonelli (à esquerda) e Mauro Boselli (à direita) no selvagem Oeste

Il passato di Carson, traz-nos uma história de amor e paixão focada na personagem de Kit Carson. Uma viagem ao passado, cuja ação vai deambular entre épocas diferentes, um dos instrumentos narrativos mais caros ao autor, e que desde logo ficou como uma das suas imagens de marca. Ao longo da sua carreira, Boselli assinou trabalhos épicos e marcantes como Gli invencibili, Sulla pista di Forte Apache, I sette assassini, Nei territori del NordOvest, La grande invasione, Colorado Belle, Buffalo Soldiers, Terre maledette, Morte nella nebia, I pionieri, Patagonia ou La mano del morto, aventuras que revelam um autor de enormes recursos criativos e narrativos, e que tem vindo a construir uma perspetiva do ranger por vezes audaciosa, fruto de uma natural evolução, não só da série, mas sobretudo da sensibilidade e das influências do próprio autor.

Mauro Boselli exibe o livro G. L. Bonelli – Tex sono io

De Gianluigi Bonelli, Boselli retirou o ensinamento de que, na base de uma boa história, não há técnica literária, não há qualquer truque, apenas o exemplo inimitável da sua personalidade de livre e anárquico pensador Boselli em entrevista a Luigi Marcianò publicada na revista Fumetto (ed. Anafi), 2016. Mas a perspetiva de Boselli é mais audaciosa, patente nas aventuras iniciais quando apresenta um Tex não excessivamente protagonista, que permite deixar espaço suficiente para que outras personagens possam desempenhar um papel mais ou menos preponderante. Assumido herdeiro da escola franco-belga e de Jean-Michel Charlier, Boselli mostra ser um eficaz e competente narrador, capaz de uma gestão perfeita dos tempos, dos espaços e dos atores, estes com papéis diversos, em tramas que vão evoluindo sem que o autor perca o fio à meada e onde consegue, com uma notável capacidade, gerir e resolver todas as relações. Como tal, as características das suas aventuras encontram-se bem definidas: muitas personagens, todas densamente construídas, que se vão conhecendo e interligando ao longo dos acontecimentos; diálogos extensos mas ricos de informação; inícios perfeitamente calibrados, com ritmos que rapidamente captam a atenção do leitor; e um crescendo dramático que culmina em momentos intensos.

Mauro Boselli e o brinde aos seus 70 anos

O Tex de Boselli é talvez o mais inovador de sempre, sem que isso represente um afastamento do Tex bonelliano. O Tex de Boselli mantém-se no centro dos acontecimentos, mas é mais humano e atua dentro de um espaço onde pululam numerosas personagens. Em seu redor existe um mundo, permitindo assim ao autor desenvolver a personalidade e as características de outras personagens, o que levou Boselli a ser alvo de algumas críticas, que o acusaram de deixar menos espaço para Tex. No entanto, para Boselli é fundamental que uma história tenha personagens fortes, não apenas os protagonistas, mas também as secundárias, personagens nem sempre maniqueístas, mas também lapidadas e, por vezes, ambíguas, sendo de realçar o seu trabalho em La grande invasione, onde Boselli vai apresentar um conjunto de homens condenados pela lei, mas ao mesmo tempo revelar gradualmente os reais motivos dos crimes pelos quais foram julgados e condenados. Outro exemplo surge em Mondego il killer, onde Tex e Carson deparam-se com duas personagens que, em lados opostos da lei, adotam éticas bem diferentes. De um lado Xavier Mondego, um assassino profissional que combate por causas justas e que se revela como um vilão que infringe a lei com a sua própria ética; por outro lado Luther Wagoman, que aproveita o seu trabalho como homem da lei para, ele sim, assumir-se como um verdadeiro assassino sem piedade e sem qualquer ética.

Mauro Boselli, Gianluigi Bonelli e Giorgio Bonelli

Foi Decio Canzio que introduziu nas aventuras de Tex este tipo de inimigo, personagens dotadas de características dignas da simpatia e de alguma admiração por parte do ranger. No entanto, será Boselli a explorar esta novidade, uma vez que, se nas aventuras bonellianas Tex poderia admirar as qualidades e a inteligência de alguns criminosos (por exemplo Mefisto), o Tex de Boselli nutrirá simpatia por algumas das personagens que enfrenta, evidenciando uma maior consciência da complexidade humana. O Tex boselliano sabe quanto importante podem ser a formação, a educação, as oportunidades, as influências, os incidentes e os percursos de uma vida na personalidade de cada um, e que entre o bem e o mal a linha é por vezes demasiado ténue. É esta a melhor forma de dar enfoque a uma aventura e exaltar o lado épico e humano do ranger, acentuando a sua própria personalidade e o seu carisma. Como tal, se retirarmos esta panóplia de personagens, umas mais protagonistas que outras, o Tex de Boselli identifica-se mais com o de Gianluigi Bonelli do que propriamente com o de qualquer outro autor, porque as suas histórias tendem sempre a realçar decisivamente as qualidades do herói. Boselli não trai as regras impostas por Bonelli, antes as desenvolve e dá-lhes continuidade com outra espessura.

Mauro Boselli

Naturalmente, nem todos os trabalhos de Boselli podem ser considerados como obras-primas, mas são todos muito ricos e interessantes do ponto de vista narrativo e do desenvolvimento da ação, reforçado pelo facto de, nos últimos anos, assistirmos a uma evolução, cujas características importam aqui realçar. Uma primeira pode ser apelidada de continuidade, representada na capacidade em apresentar um conjunto de personagens facilmente identificadas pelo leitor, estratégia que passa por recuperar algumas personagens do passado da série, sobretudo bonellianas como Yama, Proteus ou Lupe Velasco, mas também criando as suas próprias personagens, capazes de se cimentarem em mais do que uma aventura, como Lena e a sua filha Donna, Laredo, Kid Rodelo, Bronco Lane ou Kathy Dawn, sem esquecer um inimigo como o Mestre. Esta estratégia de continuidade passa também por interligar acontecimentos entre várias aventuras. Repare-se, por exemplo, que logo no início de Terra di confine surge o jovem John Torrence, que mais não é do que o filho do sargento Will Torrence, personagem primordial em Tulac e que agora vive nas terras da reserva Navajo. Outra característica reside no papel de Kit Willer e Jack Tigre na economia das aventuras, duas personagens muitas vezes ausentes ou com papéis residuais, mas que com Boselli assumem outro protagonismo e uma atuação mais vincada, sendo disso exemplo a participação que o filho de Tex acaba por ter em aventuras como I sette assassini, Colorado Belle ou Terre maledette, sem esquecermos Patagonia ou em I rangers di Finnegan.

Mauro Boselli no Monument Valley

O relacionamento dos pards com as mulheres também parece marcar uma certa evolução, característica desde logo evidenciada em Il passato di Carson e que continuou em I sette assassini, quando Carson e Kit Willer envolvem-se em momentos mais íntimos com Lena e Donna, se bem que com a distância e os limites que uma série como Tex permite. Neste quesito, parece existir uma liberdade inovadora, política que, no entanto, ainda não se estende ao herói, permanecendo a dúvida se algum dia isso virá a acontecer. Recentemente, Luna insaguinata deu alguns passos, se repararmos na personagem de Ada Stark, mulher de caráter forte e com uma enorme vontade interior, capaz de lutar contra as adversidades, uma personagem que não deixa o leitor indiferente, tal como acontece com Tex. Um episódio dramático, ocorrido no passado, parece unir Tex e Ada, numa época em que o herói estava sentimentalmente enfraquecido pela perda de Lilyth, deixando em Tex sentimentos há muito esquecidos. Finalmente, outra das características evolutivas impostas por Boselli, reside no facto de, ao apresentar na mesma aventura uma plenitude de situações e ambientes (de que são exemplos Gli assassini ou Il supremo), acabar por abranger diversos géneros na mesma.

Mauro Boselli num momento de descontração

Os mais conservadores forçosamente observam o trabalho de Boselli com alguma relutância, não tanto pelo valor absoluto das aventuras, mas por algum afastamento do Tex bonelliano. Nizzi nunca teve pejo em afirmar que o caminho seguido por Boselli era perigoso, no sentido em que, se os cânones narrativos de Gianluigi Bonelli são muito evidentes e precisos, com uma caracterização de Tex e dos seus adversários bem definida, Boselli, com o seu estilo, mudou a forma e o conteúdo, roubando carisma ao herói. Além disso, em Gianluigi Bonelli havia uma linguagem específica e própria que se exaltava com o insulto. A verdade é que os tempos mudaram e o estilo do autor é outro, levando a que, por exemplo, o Tex de Mauro Boselli não utilize muitas vezes o insulto para enfrentar um adversário. Não tem essa necessidade, porque no fundo o Tex de Boselli acaba sempre por reservar aos seus inimigos o mesmo tratamento e o mesmo destino do Tex bonelliano. Por outro lado, ao nível da estrutura das suas histórias, Boselli tem vindo a inserir naturais alterações, acabando por gradualmente esvaziar as críticas de que foi alvo. Sobretudo porque, se numa primeira fase as suas aventuras caracterizavam-se por apresentar muitas personagens colaterais reunidas em várias tramas que se interligavam, deixando menos espaço para Tex, Boselli tem vindo a construir um Tex épico, mais clássico, sem descurar toda a panóplia de atores e sem descurar os géneros que Gianluigi Bonelli tanta apreciava, como o histórico e o fantástico. Nesse sentido, podemos até afirmar que Boselli é porventura o argumentista mais completo em Tex, porque consegue escrever histórias de narração mais linear, puramente Bonellianas, como por exemplo A sangue freddo, histórias com múltiplas situações e personagens que se vão interligando inteligentemente com o decorrer da ação, veja-se Morte nella nebia, Terre maledette ou Il passato di Carson, ou frescos épicos como Patagonia ou I rangers di Lost Valley, sem esquecer Il killer, uma aventura onde surge um Tex que duvida, muito ao estilo de Guido Nolitta.

José Carlos Francisco e Mauro Boselli

Quando começou a trabalhar para Tex, o próprio Boselli assume a influência de um autor como Berardi da primeira fase das aventuras de Ken Parker e da mítica história Oklahoma, construindo um Tex mais livre e menos tradicional, contudo sem deixar de ser épico. Mas nessa época o autor desejava fazer algo de novo, conseguindo, desde então, percorrer um caminho que o conduziu a uma certa normalização e que levou Tex rumo à modernização, nunca renegando os fundamentos da série. Tal como o Tex de Gianluigi Bonelli, o Tex boselliano também age e pensa rápido, é uma personagem racional, no sentido em que se precisar de sofrer fá-lo interiormente. É uma personagem fascinante, porque é algo maior do que nós. Entrevista de Mauro Boselli ao blogue português de Tex Afinal de contas, o leitor texiano saberá que, conservando-se fiel à tradição, Mauro Boselli procurará sempre novos esquemas narrativos, podendo ser incluído no patamar dos melhores argumentistas italianos de sempre da banda desenhada italiana.

Longa vida a Mauro Boselli! O Tex precisa da sua enorme sapiência, sabedoria, conhecimento e experiência.

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