As críticas do Marinho: Oro nero – “Ouro negro” (Tex italiano 654 e 655)

Por Mário João Marques

Tex no país do ouro negro, bem poderia ser o título desta história assinada por Manfredi e Leomacs, parafraseando uma célebre aventura de Tintin, na qual Hergé leva o seu célebre repórter até terras do Médio-Oriente. Tex no entanto não viaja até tão longínquas paragens, mas sim até à cidade de Hellsfire no Texas, disposto a lutar contra os irmãos Braddock, Bob que domina a cidade a seu belo prazer, e Jonas, dono de vários poços de petróleo e que tudo tem feito para impedir a afirmação de quem ali se queira instalar na sua exploração.

Esta é uma aventura historicamente documentada, porque na realidade o interesse pela comercialização do petróleo começa quando Samuel Kier, um empresário de Pittsburgh na Pensilvânia, patenteou um produto denominado azeite de rocha ou petróleo, inicialmente destinado a fins medicinais, mas que rapidamente teve sucesso. Este facto chamou a atenção de George Bissel, que reuniu um grupo de investidores com o objectivo de descobrir petróleo suficiente que pudesse ser explorado em larga escala, permitindo a sua utilização como combustível. Naquela altura, as lâmpadas de iluminação doméstica funcionavam devido à combustão do azeite de baleia, um componente caro e cada vez mais difícil de obter, porque conduzia à rápida diminuição dos mamíferos. O químico Benjamim Silliman confirmou a Bissel poder transformar o petróleo num combustível que pudesse substituir o azeite de baleia, mas para ser rentável a sua exploração tinha que se feita em grandes quantidades. Em vez dos métodos tradicionais da mineração, Bissell pensou em perfurar os terrenos para encontrar jazidas, o que veio a acontecer em 1859, quando Edwin Laurentine Drake (conhecido por coronel Drake) perfurou com êxito o primeiro poço de petróleo, inaugurando assim a era moderna do ouro negro, a busca incessante e generalizada de novos poços de petróleo e a criação de cidades em pleno deserto nos EUA.

O objectivo social de Kier foi assim rapidamente ultrapassado pelos intentos comerciais e mais lucrativos de Bissell, facto que Manfredi parece querer sublinhar nesta aventura, quando contrapõe um Tex mais interventivo do ponto de vista social aos intentos dos irmãos Braddock, sobretudo de Jonas, que pretende dominar a extracção do petróleo que parece abundar junto à cidade de Hellsfire. Manifestamente, aquilo que Manfredi faz é uma crítica social de um modelo fundamentado no lucro e é nesse sentido que deve ser compreendido todo o discurso que Tex faz, logo na cena inicial, preparando desta forma o leitor para uma interpretação atípica de uma aventura do ranger. Na realidade, perante toda uma plateia que o aplaude (onde se distinguem Aurelio Galleppini, Gianluigi Boneli e Guido Nolitta) durante a cerimónia de entrega da Rosa Amarela do Texas, um galardão de simbologia iminente maçónica (já que a rosa é um símbolo da maçonaria nos EUA), por parte do Governador do Texas, Tex não se coíbe de manifestar as suas preocupações sociais para com os colegas, levando o próprio Governador a questioná-lo ironicamente, no sentido de saber se o ranger tem intenções de se candidatar ao seu posto. Conhecendo os valores e a personalidade texiana, nada de mais errado, já que Tex, sendo um homem político no sentido em que defende muitas causas, mantém-se distante da política como de um ninho de cascavéis, segundo o próprio. Sabendo quanto Tex é avesso a estas manifestações públicas de reconhecimento, poderemos ser levados a concluir estarmos em presença de uma cena completamente falhada. No entanto, e sem discordar do facto de realmente toda a cena não corresponder à lógica texiana, a verdade é que, com esta introdução, Manfredi não só prepara o leitor para o que aí vem, como já referimos, mas também sublinha os valores e a ética texiana por uma maior justiça, em defesa dos mais desfavorecidos e de luta contra o poder corrupto, exaltando desta forma o herói bonelliano de natureza anti-conformista que se vai opor a dois irmãos, perfeitamente representativos de tudo o que Tex abomina. Dois irmãos que Manfredi caracteriza de forma sarcástica, porque se Bob nos é apresentado como um imbecil cruel, que se ri desalmadamente de quase tudo, mas que não hesita em matar de modo violento, escudado no poder do dinheiro e do irmão Jonas, este vai revelar-se sempre mais astuto e racional, vai exibindo uma aparente calma, muitas vezes irónica e fora de contexto, mas que se explica apenas pelo poder que sabe ter nas suas mãos e que lhe permitirá alcançar os seus intentos mais cedo ou mais tarde.

Tex e o petróleo na maravilhosa arte de Leomacs

Oro Nero não primará pela originalidade do seu argumento, mas distingue-se na forma como Manfredi o desenvolve. Há aqui algo que é pouco comum, há aqui qualquer coisa que nos parece inédito, uma ironia que funciona, porque Manfredi sabe sempre encontrar o toque e o tom certo, sabe construir uma galeria de personagens, qual feira de vaidades perfeitamente caracterizada e representativa da fina flor de uma cidade do velho oeste: os irmãos Braddock que dominam e que se encontram rodeados de perfeitos capangas e duros pistoleiros, o velho Randy Nelson, homem de um só braço, eterno bêbado e longe das capacidades para exercer o cargo de xerife para o qual fora eleito por Bob Braddock, o advogado Timothy Wilson, o juiz Felsen, o frade ou ainda Rachel, a prostituta, encontrando-se no meio desta galeria duas autênticas lendas, verdadeiros mitos como são Tex e Carson, que Manfredi objectivamente vai exaltando ao longo da aventura, quer na já referida cena inicial, mas também quando Jonas Braddock afirma saber muito bem quem são Tex e Carson, ou o caloroso cumprimento do juiz Felsen a ambos quando chega a Hellsfire.

Tex em acção na arte de Leomacs

Estamos em presença de uma aventura que traz algo de novo, porque mais do que um clássico conflito entre partes, Oro Nero é sobretudo uma visão do autor sobre modelos diferentes de sociedade, uma crítica aos senhores poderosos que ao longo da História e munidos dos instrumentos (leia-se investimentos) necessários souberam sempre lucrar com os seus negócios, não hesitando em ultrapassar tudo e todos, muitas vezes de formas pouco legítimas. Numa série de aventuras que sempre sublinhou o seu conservadorismo, encontraremos aqui um campo amplo de discussão, mas para já o que nos move é entender que há aqui uma nova abordagem, restando saber até que ponto ela nos poderá conduzir. Porque do petróleo, esse todos nós sabemos ao que historicamente nos conduziu, e Tex não andará muito longe da verdade quando, no final da aventura, refere a Carson que “O petróleo poderá ser o futuro do Texas, mas para mim é só imundice”, afinal de contas um expoente da porcaria que muitas vezes grassa, quando é o poder do dinheiro a mover as sociedades e o mundo.

Tex e a bela Rachel na arte de Leomacs

No desenho de Oro Nero encontramos Leomacs (Leonardo Massimiliano), cuja carreira começou em 1993, chegando à Sergio Bonelli Editore uma década depois, onde vai desenhar sucessivamente para Nick Raider, Magico Vento e Volto Nascosto, estas duas últimas de Gianfranco Manfredi, com quem agora volta a trabalhar. Com uma composição de Tex influenciada pelo modelo de Claudio Villa, Oro Nero é o seu terceiro trabalho na série, depois de ter substituído Manfred Sommer nas últimas vinte páginas da aventura Capitan Blanco de Claudio Nizzi e desenhado Mondego Killer de Mauro Boselli. A apreciação global é positiva, pelo facto de estarmos em presença de um desenhador muito dinâmico nos enquadramentos, no desenvolvimento imprimido à narração e no facto de querer ultrapassar graficamente os limites impostos pelos quadrados, sobretudo quando estamos em presença de uma série com os seus limites impostos editorialmente. Encontramos ainda um evidente cuidado na construção das personagens e dos cenários, mas o estilo realista de Leomacs não tende a ser polido, muito pelo facto de uma passagem a tinta assumidamente pouco incisiva.

Arte de Leomacs na série Tex

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

Um comentário

  1. Leomacs… sensacional!
    Não adianta uma boa história, bom roteiro se o artista não consegue demonstrar isso em sua arte.
    Leomacs é excelente!

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