Aurelio «Galep» Galleppini, o mistério do pai de Tex Willer enterrado duas vezes e a lápide deixada em Mezzano Scotti

Jornal Corriere della Sera, de Milão, Itália
16 de Agosto de 2024
* Artigo de Giangiacomo Schiavi

Em Mezzano Scotti, perto de Bobbio, está o túmulo (agora vazio) do desenhador de Tex. Existe apenas uma placa que lhe dedica a rua do cemitério. Milão e o seu Famedio (Cemitério Monumental de Milão) esqueceram o seu nome. E assim a sua memória mudou-se para Chiavari, cidade onde viveu “Galep” e que lhe dedica um prémio.

No túmulo de Tex brilham as estrelas de um vale que fala de outro Oeste, num cemitério que guarda a memória quase sem sabê-lo. Não há aldeias para desinfestar com a lei do Colt, não há ladrões de gado e nem traficantes de whisky, não passam diligências como nos filmes de John Ford, também não há ladrões de cavalos nem senhores dos demónios como o malvado Mefisto. Aqui só há uma sinalização rodoviária, deixada junto aos caixotes do lixo por desleixo culposo: via Galleppini. As aspas especificam melhor um pseudónimo que se tornou famoso: Galep.

Tinha vindo parar aqui Aurelio Galleppini, o desenhador que a Tex deu um rosto, um cinturão e uma pistola, além da companhia de um pard mal-humorado chamado Kit Carson, um filho chamado Kit e um irmão de sangue Navajo como Jack Tigre. Sepultado no cemitério da colina de Mezzano Scotti (Placência) a dois passos de Bobbio, no anonimato de um lugar que a imaginação pode fazer pensar em Tucson ou El Paso, com o rio Trebbia a fazer de  Spoon River. Aqui Galep era simplesmente o marido de Agnese Quattrini, o tio que oferecia desenhos de cowboys e cavalos aos sobrinhos Sergio e Lucia, o venerado ilustrador que saiu de Milão ou Chiavari com os filhos Paolo e Daniela para se isolar no oásis da família: Campo Frati, um recanto do paraíso onde a estrada termina e o vale se agiganta, casas de pedra e terra dura de onde no pós-guerra as pessoas fugiram em busca de trabalho talvez em Milão, como fizera a sua mulher Agnese. A tumba de Galep é como Tex gostaria: simples, humilde, igual entre iguais. Mas agora está vazia. Há trinta anos, em 1994, quando Galep partiu com uma despedida na capa número 400, teve o sentido de uma restituição a certos lugares condenados à marginalidade, como as terras indígenas dos Navajos: poderia significar novas aventuras, escolas de banda desenhada, um museu de desenho, ensino para jovens. Poderia ter sido um pecúlio para o futuro de um vale inteiro. Por trás de Galep existe uma bela história de ideais compartilhados com o seu lendário personagem, valores como anti-racismo e a legalidade, honra e amizade. Mais a filosofia simples do seu editor-escritor Gianluigi Bonelli: alguns socos e o uso infalível do colt.

Depois de alguns anos em Mezzano Scotti, a memória de Galep mudou-se para Chiavari, onde o desenhador morou e onde estão os seus filhos: a cidade dedica-lhe um prémio bienal, fez dele um ícone da banda desenhada, é um mestre venerado. A lápide porém permaneceu em Valtrebbia. Sepultado duas vezes. Caso único e raro. Poderia ser o título de uma edição especial do Tex. Talvez desenhado por Gianni Freghieri, talento puro destas bandas, que é um digno herdeiro de Galep depois de uma vida entre Dylan Dog e Martin Mystère. «Galleppini ainda tem muito a ensinar», afirma.

Em Mezzano permaneceu a rua. «O pároco Don Francesco lutou para que algo levasse o nome do seu tio», recorda o seu sobrinho Gianluigi. Deram-lhe a estrada que leva ao cemitério. Melhor que nada, certamente melhor que Milão, que noutro cemitério chamado Famedio, esqueceu o nome de Aurelio Galleppini, nascido em Casal di Pari, província de Grosseto, filho de pais sardos, criado nas editoras ambrosianas, da Audace, à Intrepido, à Bonelli. Duas mil capas com Tex, roubando o rosto ao Gary Cooper do «Mezzogiorno di Fuoco» («High Noon»; 1952 Brasil: «Matar ou Morrer»; Portugal: «O Comboio Apitou Três Vezes»), imitando as montanhas do Nevada e do Arizona sem nunca tê-las visto com as paisagens da Sardenha e os desfiladeiros das Dolomitas: da «Mano rossa» de 1948 ao adeus de 1994. Se Tex tem um pai, deve-se a ele e a Gianluigi Bonelli. Se chama-se Willer e não Killer, é apenas devido a Galep. «Tinha amor pelos jovens e pelas crianças – recorda a filha Daniela -. Quando conseguia roubar tempo ao seu trabalho, ele desenhava para todos». A imaginação faz milagres. A memória pode fazer outros. Mesmo no Oeste contemporâneo, onde o coração de ouro e a alma de ferro de Tex representam, para usar as palavras do filósofo Giulio Giorello «a justiça como equidade», para salvar alguém ou mesmo um lugar como aquele onde está sepultado sem lá estar, um vale onde permaneceu sem avisar ninguém. Ontem levaram uma flor ao túmulo vazio onde paira o seu espírito. É um pequeno Famedio, que ofusca o vazio deixado no Cemitério Monumental de Milão para um príncipe da banda desenhada, um gigante chamado Aurelio Galleppini, conhecido como Galep, vulgo Tex Willer.

* Copyright: © 2024 Giangiacomo Schiavi & Corriere della Sera, Milão, Itália

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