As Resenhas de Rafael: Tex Willer Especial nº 2 (Mythos Editora) – Um Homem Pacato

As Resenhas de Rafael*

Tex Willer Especial nº 2: Um Homem Pacato
Roteiro: Roberto Recchioni
Arte: Stefano Andreucci
130 páginas
Editora: Mythos

Por longos anos, o nome de Sam Willer ocupou uma simples nota de rodapé na história contada de seu irmão mais velho, Tex. Ainda que o passado do ranger mais famoso do Oeste tenha sido contado pelo próprio Gianluigi Bonelli em tempos pretéritos, o foco narrativo voltado para as origens de Tex só ganharia relevância em 2017, quando foi lançado o já mítico Maxi Tex nº 21 na Itália, publicado pela Mythos Editora no mesmo ano com o título apropriado “O nascimento de um herói“.

Desde então, sob a batuta de Mauro Boselli, diversos autores se ocupam em remontar os anos de formação do lendário personagem italiano, num esforço centrado no título “Tex Willer“, mas que perpassa outras publicações, como Tex Gigante (a exemplo dos volumes “O Magnífico Fora da Lei” e o recente “Pela Honra do Texas“), Tex Graphic Novel (como “Justiça em Corpus Christi” e “O Vingador“) e o próprio Maxi Tex mencionado. Nesse mosaico de grandes e pequenas tramas reveladas, a série “Tex Willer Especial” acabou também incluída, sendo um complemento ao título mensal.

E se Sam Willer já vinha tendo maior destaque nessa era voltada às raízes texianas, é no segundo volume de “Tex Willer Especial” que ele finalmente ganha o merecido protagonismo e desenvolvimento adequado, provando que mesmo os homens simples podem estar destinados aos grandes feitos. Há, por sinal, uma humanidade singular em Sam: como crescer à sombra de alguém perfeito em tudo? Tex crescera valente, destemido perante os desafios, corajoso quando posto diante do perigo, impiedoso na defesa da justiça. Uma lenda viva, forjada no berço.

Sam, por outro lado, carecia do ímpeto tão característico de seu irmão. Era ruim de mira, temia tirar a vida do outro, preferia o sossego dos pastos à vida errante pelo Oeste. Não por acaso, cada um segue um rumo diferente. Enquanto Tex parte para o destino que conhecemos, resta a Sam Willer cuidar do rancho da família, honrando a memória e o esforço de seus pais, pioneiros no vale Nueces. É sobre esse trecho de sua vida que Roberto Recchioni se debruça em “Um homem pacato“, em roteiro ilustrado por um Stefano Andreucci em grande forma.

A história poderia ser descrita como uma crônica sobre o trabalho árduo de um homem, em tempos de desbravamento da fronteira no Texas. Sam trabalha com esmero, auxiliado por Clancy, um caubói leal, mas que também sonha em fazer sua própria fortuna. Ao se ver sozinho na função, nosso protagonista acaba aceitando a oferta de John McQuarrie, um rival da juventude, que trilhara o caminho da bandidagem, mas que buscava uma segunda chance na vida, compensando os erros cometidos.

Sam e John partilham jornadas exaustivas de trabalho, testemunhadas pela viúva Susan Harris, levada pelo interesse naquele fazendeiro honesto (e muito zeloso no modo como fazia a corte). Mas sua dedicação à lida no pasto também era percebida pelos outros criadores da região, que, representados na figura de Lonny Nelson, o convidam a fazer uma viagem com a manada até Brownsville, onde a venda do gado seria feita. A princípio reticente, Sam Willer aceita o desafio, partindo na companhia do próprio Lonny, além de McQuarrie, dois caubóis contratados e Clancy, agora dono de algumas cabeças de boi. Uma dura jornada, que reservará surpresas ao irmão de Tex, pondo em prova não só suas convicções, mas também sua coragem.

Recchioni propõe uma trama vagarosa, que se constrói como o tempo que não se prende ao relógio, mas segue o passo do gado, ruminando sobre a pradaria. Vemos cenas prosaicas, como Sam trabalhando no chiqueiro dos porcos, como a testemunhar seu envolvimento nas tarefas diárias. Dias pacatos, sem grandes acontecimentos, que correm o risco de terem um fim quando John McQuarrie revela sua verdadeira face, dando a deixa para o ato final, quando o roteirista explora novas camadas do nosso protagonista.

É quando percebemos que Sam não é um simples contraponto à personalidade do irmão, ou mero arquétipo explorado nas aventuras ambientadas na fronteira. Ele carrega seus próprios medos, traumas e fardos. A certa altura, por exemplo, revela à viúva Harris que não se sentia o verdadeiro dono da fazenda, como se ainda vivesse sob o jugo dos pais, já falecidos. É instigado pelo senso de pertencimento, alimentado pelo brio de um homem que se entrega integralmente às tarefas executadas, que Sam Willer decide partir para o confronto contra quem ameaça sua vida. Quais consequências o batismo de sangue deixará em Sam?

O traço de Andreucci impressiona pelo detalhismo da paisagem árida do Texas. Entretanto, a luminosidade cegante do sol cede espaço ao uso preciso de sombras quando necessário, seja em enquadramentos que contemplam vários personagens em cena, seja na elaboração de cenas que nos colocam na perspectiva da vida modesta e tranquila de Sam, um homem com temperamento dócil, mas consciente do meio que o cerca e disposto a pagar o preço pelo seu quinhão de terra.

* Rafael Machado é professor, escritor e jornalista. Publica suas resenhas no perfil do instagram “Leituras do Exílio“, além de colaborar com o sítio “Quinta Capa”.

(Imagens – da versão original italiana) disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

3 Comentários

  1. Esta foi uma das melhores histórias do universo do Tex que li nos últimos anos. Ela até merecia uma edição mais caprichada, embora ele esteja muito acima de detalhes editoriais. O Rafael captou e, principalmente, soube externar de maneira soberba, o sentimento que essa história nos proporciona.

  2. Como me é prazeroso ler as Reviews do grande Rafa. Essa história eu não li ainda, mas, depois dessa análise e sabendo que o desenhador é o Andreucci, por certo a lerei.

  3. Ótima edição, em todos os sentidos, história e arte de primeira qualidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *