As Leituras do Pedro*
Harlem
Mikaël
Ala dos Livros
Portugal, Outubro de 2024
235 x 310 mm, 136 p., cor, capa dura
30,00 €
Tex: Minstrel Show
Mauro Boselli (argumento)
Marco Ghion (desenho)
A Seita
Portugal, Outubro de 2024
210 x 290 mm, 136 p., pb, capa dura
21,99 €
Conexões
O que pode unir, nesta partilha de impressões de leituras, Tex e Harlem, mesmo que acção decorra no mesmo país, embora em locais separados por mais de 1800 quilómetros e três quartos de século?
A resposta, que mantém triste actualidade nos nossos dias, está já a seguir.
Curiosamente, não desconhecia-o antes da leitura sequencial, por acaso, destas duas obras. Harlem, foi o álbum que levei para leitura na minha viagem para o Amadora BD; Minstrel Show, trazido do festival, acalmou, de alguma forma, a minha ‘sede’ de Tex, há meses ausente das minhas leituras. [E de alguma forma, apenas, porque prefiro o ranger adulto a esta sua versão jovem…]
Mas deixem-me então responder à questão que abriu este texto, entre Harlem, terceiro e último tomo da trilogia nova-iorquina assinada por Mikaël, e este Tex, o ponto comum é a denúncia do racismo. De formas diferenciadas, adequadas aos respectivos registos, mas nos dois casos como parte integrante e determinante dos relatos.
Mikaël volta a Nova Iorque para nos falar do bairro negro, das lotarias clandestinas que a protagonista, negra, Stéphanie St. Clair, conhecida por Queenie, organiza, e da cobiça que os seus grandes lucros provocam nos gangues de brancos e na Mafia em crescimento. Entre a tentativa de afirmação e de independência da primeira, alternada com flashbacks que explicam como se tornou quem é e chegou até ali, as guerras entre facções separadas pela nacionalidade e a cor, a prepotência da polícia – então como agora a fazer distinções de cor de pele – e a tentativa de sobrevivência de quem só não quer ser uma vítima colateral, o autor franco-canadiano apresenta-nos mais um retrato de época violento, credível e até chocante mas apaixonante, que complementa os dois anteriores, Giant e Bootblack – e até faz ligações com eles, se bem repararam.
Quanto a Minstrel Show, tem início antes da Guerra da Secessão que cavou ainda mais as diferenças entre Norte e Sul e entre negros e brancos – com os reflexos que (ainda) se vêem (também) em Harlem – e, decorrendo maioritariamente no pós-conflito, centra-se na actuação de grupos que tocavam músicas de negros e contavam piadas sobre eles, com a particularidade de serem formados por brancos com a cara suja de carvão.
Um batalhão de ex-soldados sulistas em busca de vingança, uma das primeiras parcerias entre Tex e Kit Carson, a situação periclitante dos Rangers, texanos de origem e em riscos de serem extintos devido a esse facto, e a presença entre os intervenientes de um certo Jesse James, são os ingredientes de mais uma história movimentada, em que o racismo – e a oposição a ele – são pontos fulcrais a par dos habituais ingredientes nas aventuras de Tex.
* Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro
(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros e A Seita; clicar nas imagens para as apreciar em toda a sua extensão)