Por Jesus Nabor Ferreira*
Não é segredo – e menos ainda para os que acompanham os meus textos nesta revista – que sou um fã incondicional da arte do saudoso desenhador Guglielmo Letteri e, sempre que posso, gosto de rever as suas grandes aventuras ao serviço do nosso ranger Tex Willer. Eis então que, mais uma vez, surge a oportunidade de nos debruçarmos sobre aqueles primeiros anos, na verdade os primeiros anos da Editora Vecchi com a personagem Tex, e com um olhar mais atento, descobrirmos curiosidades naquelas aventuras iniciais que talvez tenham passado despercebidas anteriormente. Neste caso em especial, trata-se de uma clássica aventura engendrada por Gianluigi Bonelli, cujo tema é a caça a um tesouro perdido no tempo.
Uma história de piratas com direito a traições, uma linda dama em perigo, um ingénuo comerciante iludido, bandidos cruéis dispostos a tudo para colocarem a mão no rico saque e o velho e clássico mapa do tesouro que poderia indicar o paradeiro dessa fabulosa fortuna perdida… tudo no melhor estilo e tradição das grandes obras da literatura infanto-juvenil, como “A Ilha do Tesouro”. Tex e Carson embarcam literalmente nesta que é a segunda participação de Letteri na saga do nosso ranger e, na sua companhia, vamos então com os nossos amigos à caça deste tesouro perdido e descobrir algumas curiosidades a respeito desta ótima aventura. Façamos uma rápida apresentação dos personagens principais:
Os Dawnsons – Bill e Laura Dawnson – pai e filha, fazendeiros que, por um golpe de sorte, descobrem um mapa que poderá levá-los a encontrar a famosa fortuna do pirata Jean Lafitte. Viajando pelo Rio Mississipi no barco Oregon, pai e filha estão a caminho da Flórida em busca do tesouro perdido. Jean Larrouse ou “Conde de La Ferrete”, veterano e conhecido jogador trapaceiro, conhecido de Tex e Carson. Jimmy Rocker, Da Silva e Clara Wrigley, tradicionais capangas que estão sempre ao lado dos malfeitores. Ressalva feita a Clara Wrigley, que se envolve com a armadilha feita a Tex e Carson de forma um tanto inocente e que, mais tarde, irá ajudar os rangers.
Daniel Tabor – primo de Bill Dawson – responsável direto por todos os problemas de pai e filha. A sua ganância leva-o a juntar-se à quadrilha de patifes para roubar o mapa dos Dawnson a qualquer custo. Fred Milton, o tradicional cacique da cidade, irmão de Tom Milton, outro fora da lei que anteriormente já se tinha cruzado no caminho de Tex e Carson. Tex suspeita imediatamente que Fred Milton seja o responsável direto pela morte do antigo Xerife Cass Hoper. Nat Mac Kennet, o jovem xerife de Nova Orleães, que aparece pela primeira vez e irá tornar-se num dos melhores amigos dos rangers. Nat é filho de um velho sargento que serviu em Forte Apache, Tom Cabeça Vermelha – “O Sargento Furacão” – e conhece a fama dos dois amigos através do seu pai, ajudando Tex e Carson a eliminar a quadrilha de Fred Milton.
Tex Willer e Kit Carson estão a bordo do navio Oregon, quando voltam a sua atenção para uma jovem dama que chorava discretamente os seus pesares. Galantes como sempre, os pards oferecem auxílio e pedem para que a jovem conte a sua história, ficando a saber da sorte dos Dawnson e também que o pai da jovem pode estar em vias de cair nas mãos de um patife chamado Jean Larrouse. Imediatamente, Tex coloca-se ao serviço da jovem Laura e confronta o patife “Conde” e os seus acólitos. Percebendo que o seu jogo já foi descoberto, o falso Conde prepara então o próximo passo.
Numa audaciosa e traiçoeira armadilha para colocar os pards fora de ação, Jean Larrouse, Rocker e Da Silva armam uma mortal emboscada no convés do Oregon, que se revela quase fatal para Tex Willer, surpreendido pela ação do bandido português que o atinge com um arpão na cabeça e atira Tex para as águas. Agindo rapidamente, Kit Carson consegue salvar o amigo da morte certa, mergulhando destemidamente nas águas frias e escuras do Mississipi, evitando assim que Tex acabe nas pás da roda do barco. Carson nada em direção às margens carregando o amigo desmaiado. Em seguida, assistimos ao mais jovem dos dois pards a recobrar os sentidos e, pela primeira vez, vemos um Kit Carson otimista e brincalhão, tirando o melhor de uma situação de perigo, diferente do velho camelo ranzinza de tantas outras aventuras. Nesta aventura, Carson ganha um protagonismo inesperado e, além de salvar Tex, também é ele que nos momentos finais encontra a solução para salvar os Dawnson, pai e filha, das mãos dos perigosos fora da lei.
Na esmagadora maioria das aventuras de Tex e seus pards, a figura do veterano ranger Kit Carson é caracterizada como o mais ranzinza e pessimista do grupo, mas cabe também a ele a missão de ser o mais cauteloso e prudente dos quatro. Ao longo de décadas, o velho Ranger foi ainda ganhando a “pinta” de ser ainda o mais galante e, nesta aventura, Letteri estampa um Carson muito bem apessoado, com ares de galã. Sobre essa especial apresentação do “Velho Camelo”, sublinhem-se as palavras de Nizzi a respeito do trabalho de Letteri:
“Achei o seu Carson acima de tudo insuperável, graças à extraordinária expressão de que Guglielmo era capaz de dotá-lo, com expressões faciais ora irónicas, ora brincalhonas, mas sempre irresistivelmente agradáveis, durante as “brigas” e discussões com o seu pard, quando, durante um passeio, um acampamento ou depois de um mergulho inesperado num rio, os dois amigos se permitiam aquelas pausas da vida real e diálogos brilhantes em que Gianluigi era um mestre. Letteri é dono de um traço inconfundível e pessoal. Letteri também domina aqueles cenários chamados “oeste urbano” como poucos.”
Nesta aventura de Tex temos a presença de um personagem português… a primeira, mas não a única vez, que Letteri desenhou um “gajo” da terra de Camões. Mas sobre isso falaremos noutra altura.
“O Tesouro do Pirata” é uma daquelas aventuras que podem ter passado muitas vezes despercebidas para a grande maioria dos leitores, mas ao a analisarmos um pouco mais profundamente, encontramos qualidades, tanto no texto quanto na arte, que a tornam inesquecível. Espero que com este pequeno artigo mais alguns colecionadores possam também reencontrar-se com esse belo trabalho de Bonelli / Letteri.
O título deste artigo homenageia aqueles nomes apelativos que a Editora Vecchi escolheu para apresentar as primeiras histórias, selecionadas criteriosamente para iniciar a sua coleção mensal. Com toda a certeza, a escolha de alguns desses títulos tinha por objetivo fazer com que os fãs de filmes de western pudessem também interessar-se pela leitura da revista. “Vingança de Índia”, “Forte Apache”, “A Batalha de Silver Bell”, “Fuga Dentro da Noite”, “O Vale do Terror”, “O Louco do Deserto”, “Horda Selvagem” e tantos outros. “O Signo da Serpente”! Que significado tinha este título? Que serpente? Qual signo? E o que teria isso a ver com uma aventura no Velho Oeste? Só lendo a aventura para descobrir, não é mesmo? Quem não ficaria curioso com um título destes? “Rivais na Guerra do Ouro” e “Luta Implacável contra os Falsificadores de Dólares” – ufa… que editor hoje ousaria colocar um título assim tão longo numa edição??? “A Ferro e a Fogo”, “A Resposta é Dinamite”, “O Mistério do Vale da Lua”, “O Massacre dos Búfalos”, “A Quadrilha do Ás de Espadas”, “Os Renegados de Virginia City”, “Tex Vingador e Justiceiro”, “O Desafio dos Pele Vermelhas”, “Tex Vence Búfalo Bill”, “O Cinco Fugitivos do Inferno” e “Dinamite na Guerra do Petróleo”. Percebam o poder de impacto de cada um desses títulos. Não havia possibilidade de o leitor escapar da força de cada uma destas “chamadas” de capa. Tínhamos que abrir a revista e descobrir quem seriam os falsificadores de dólares, qual seria o mistério do vale da lua, quem eram afinal os renegados de Virginia City. E como foi que Tex se tornou vingador e justiceiro, como foi que ele venceu Búfalo Bill e de que inferno, afinal, escaparam os cinco fugitivos. E quem lançou a dinamite na guerra do petróleo. Tínhamos simplesmente de saber, descobrir os mistérios e as aventuras que estavam dentro daqueles fantásticos volumes.
Mas a coisa não ficava por ali, já que, logo depois de enfrentar “O Caçador de Recompensas” e “O Homem de Quatro Dedos”, ver os “Navajos em Pé de Guerra”, encontrar a “Fabulosa Cidade de Ouro”, desafiar “O Temível Coyote Negro”, escapar da “Emboscada na Ilha Misteriosa” e presenciar “A Batalha dos Vingadores”, chegava a vez de encontrar o mítico “Bruxo Mouro” e desvendar “O Mistério das Pedras Venenosas” na “Caverna do Vale dos Gigantes” (que título fantástico)! Logo após fazer “Um Juramento de Vingança” e “Justiça com Dinamite” e entregar “Um Carrasco para os Tubarões”, chegava a hora de confrontar “O Grande Rei”, desfazer uma “Maldade Satânica” e enfrentar um terrível adversário no “Desfiladeiro da Morte” e na “Ponte Trágica”. Por fim, chegávamos até ás “Flechas Pretas Assassinas” que deram origem aos “Tambores de Guerra” e fizeram os nossos pards encontrar a polícia “Montada do Canadá”. Que grandes títulos, que remetiam imediatamente a cenários incríveis, repletos de ação e aventura. Com “Tambores de Guerra” sentíamo-nos como se estivéssemos no meio de um Western de John Ford, índios furiosos fazendo “A Dança da Morte” em redor de imensas fogueiras, com as suas pinturas de guerra reluzindo junto com o brilho dos seus punhais e machados. Com a “Policia Montada” fomos imediatamente transportados para o frio e selvagem Canadá, imaginando quem estaria lançando as fatais “Flechas Pretas Assassinas”.
Considero esses primeiros cinquenta títulos da série mensal os mais empolgantes e explosivos da coleção. Certamente, ao longo de mais de quinhentos exemplares, outros grandes títulos vieram a abrilhantar a série, mas estes iniciais permanecem marcados fortemente na minha memória.
* Texto de Jesus Nabor Ferreira publicado originalmente na Revista nº 11 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2019.
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