Por Sérgio Madeira de Sousa*
Nota introdutória
A aventura intitulada “Caçada humana[1]”, publicada em Itália em 1976, na coleção mensal de Tex, tornou-se um marco histórico na vida editorial da personagem. Pela primeira vez, foi publicada uma história de Tex Willer escrita por outro argumentista que não Gianluigi Bonelli que, até então, com 67 anos de idade, havia escrito a totalidade das narrativas publicadas nos 182 números da coleção.
Na verdade, não se tratou de uma situação planeada, mas sim de uma emergência! Um ano antes, o criador da personagem sofreu uma queda ao praticar esqui, facto que, associado à sua avançada idade, forçou-o a reduzir o volume de trabalho, pelo que houve necessidade de encontrar outro escritor que, numa primeira fase, o substituísse enquanto recuperava, e, posteriormente, com ele partilhasse a difícil tarefa de escrever as aventuras de Tex Willer.
Sergio Bonelli, o filho de Gianluigi, sob o pseudónimo de Guido Nolitta, foi o voluntário para suprir esta necessidade e responsável pela “heresia” de o substituir, e durante os 9 anos que se seguiram, pela criação de 16[2] histórias, em que procurou imitar a forma de contar histórias do progenitor para não descaracterizar a personagem e as suas aventuras. Todavia, apesar de contar com a preciosa ajuda do seu pai em determinadas cenas e diálogos, e dos seus esforços em esconder o seu estilo narrativo, a verdade é que obteve um relativo sucesso, pois o seu herói e as suas histórias são muito diferentes das escritas pelo seu pai, como poderemos constatar na análise que se segue a uma das suas narrativas.
A flecha quebrada
No forte Washakie, Wyoming, enquanto aguarda com Kit Carson a caravana que transporta os mantimentos para os seus Navajos, Tex é persuadido por este e pelo comandante do forte, o major Stanton, a liderar uma pequena expedição às Blue Hills, em pleno território Sioux, com o objetivo de recuperar os restos mortais do capitão Richard Larrimer, morto um ano antes, juntamente com os vinte e cinco soldados e dois oficiais que compunham um destacamento do 5º de cavalaria.
O exército, que tinha conseguido recuperar a maioria dos corpos dos militares falecidos pouco tempo após a batalha, graças à assinatura de um tratado apressado em que cedeu aos Sioux o território onde decorreu o confronto, já havia desistido de recuperar o corpo do capitão. No entanto, o surgimento de Tom Rampling – sargento que integrava o destacamento e tinha sido dado como morto – que recentemente recuperara a memória e que afirmava conhecer a exata localização do cadáver, bem como as pressões exercidas pelos familiares do capitão, forçaram o comandante do forte a autorizar a expedição e a efetuar o pedido a Tex para a liderar.
A entrada de qualquer expedição, sobre qualquer pretexto, no território dos Sioux, principalmente na zona das colinas, que passou a ser considerada sagrada para os índios após a batalha, já tinha sido recusada por Ongewa, chefe dos Sioux que os liderou na contenda com os soldados. Ainda assim, o major Stanton espera que Tex, devido ao seu prestígio junto dos povos indígenas devido ao facto de ser também Águia da Noite, o chefe dos Navajos, possa demover Ongewa dessa decisão. A expedição liderada por Tex e composta por Donald e Steve Larrimer, irmão e filho do capitão falecido, cinco soldados e o sargento Tom Rampling, desloca-se até à fronteira do território Sioux, onde encontra as primeiras dificuldades, e onde Tex começa a demonstrar aos restantes elementos do grupo os motivos por ter sido escolhido como líder.
Este é o ponto de partida de “A flecha quebrada[3]”, publicada pela primeira vez em Itália no verão de 1982, nos números 261 e 262 da coleção mensal de Tex, com os títulos “La freccia spezzata” e “Le colline della paura”. Nesta primeira fase da história, o autor utiliza um ritmo narrativo lento, com as pranchas sobrecarregadas de cartuchos e diálogos, procurando inserir o leitor na aventura. Apesar disso, já são visíveis marcas nolittianas, como a ironia que tanto aprecia e que está bem patente nas provocações entre Tex e Carson, e também nas que estes lançam ao major Stanton, quando este faz o convite a Tex para liderar a expedição, ou nas críticas que faz ao comportamento dos militares[4]. A destacar também a forma como o autor se “livra” de Carson! Em contraposição de ideias com o seu pai, Nolitta prefere, claramente, narrativas com o herói a solo ou apenas acompanhado por um dos seus parceiros. Neste caso, preferiu visivelmente a narrativa a solo, uma vez que coloca Carson fora da expedição logo nas páginas iniciais, sobre o pretexto de esperar pelas carroças de mantimentos.
Aparentemente, a grande dificuldade que esperava Águia da Noite nesta missão era a obtenção do Saken dos Sioux, de autorização para entrar nas Blue Hills. suposição que se revela completamente errada! Logo na fronteira do território dos Sioux, o espantalho com uma caveira humana envergando uma jaqueta do exército, que marca a entrada no território, despoleta a indignação e o nervosismo entre os integrantes do grupo, forçando Tex a usar a força para acalmar os soldados. Mostrando-se conhecedor dos hábitos e costumes indígenas, Tex interpreta corretamente o sinal e cumpre o ritual, impedindo, desta forma, o ataque à expedição pelos Sioux que se encontravam escondidos no bosque próximo, conseguindo que os índios o levem à presença de Ongewa. Falta, no entanto, convencer o Saken dos Sioux, o que não aparenta ser fácil: fruto da vitória sobre os soldados, outras tribos de guerreiros juntaram-se aos Sioux, pelo que as decisões são agora tomadas em conselho de chefes, e Mahonga, o chefe dos Tetons, recusa a entrada dos brancos nas Blue Hills, ofendendo Águia do Noite, apelidando-o de “falso amigo do povo vermelho”, arrancando-lhe do peito o símbolo da irmandade dos povos vermelhos. Como consequência desta ação violadora das leis da hospitalidade, Ongewa autoriza a realização de um duelo entre os dois no círculo da morte, que Tex, apesar da sabotagem da machadinha efetuada pelo feiticeiro Skinpah, vence, poupando, no entanto, a vida a Mahonga.
Este trecho da narrativa é muito mais intenso e repleto de ação, em que Nolitta apresenta um Tex que demonstra capacidades de liderança, duro, implacável, impulsivo e que não tem dúvidas. Vemo-lo na forma como impôs a disciplina aos integrantes do grupo quando se aproximaram da fronteira do território dos Sioux, mas também no modo como venceu o duelo e como castigou Skimpah pela “brincadeira” na preparação da machadinha para o duelo. O herói que nos é apresentado nestas cerca de quarenta páginas foge um pouco ao padrão nolittiano e está bem mais próximo do herói clássico idealizado pelo seu pai.
Após o duelo com Mahonga e, obtida a permissão para entrar nas Blue Hills, as dificuldades da missão pareciam novamente estar ultrapassadas, mas Nolitta decide “complicar” e introduz um novo elemento na narrativa: o elemento fantástico! É Ongewa quem alerta Tex sobre a existência de um espírito que provocou a morte de três guerreiros na zona para onde se dirige a expedição, tendo provocado ferimentos graves em outros dois, que o descreveram como um ser metade homem metade lobo, ágil, forte, cruel como uma besta, e que parece defender o território de qualquer intrusão. O Espírito Maligno das Blue Hills! A referência ao espírito é muito breve, limita-se a poucas vinhetas e o leitor, tal como o herói, rapidamente o esquecem.
A viagem para as colinas é marcada por duas trágicas mortes como consequência de dois incidentes, aparentemente acidentais. A queda fatal de Wood – um dos soldados – no trilho de acesso ao penhasco, onde o grupo tinha decidido passar a noite, e a morte de Douglas – outro dos soldados – vítima de picada de uma cascavel que se escondeu na sua sacola. Entre os dois incidentes, Douglas acusou Peters – um terceiro soldado – de ser o responsável pela morte de Wood, tendo sido forçado a calar-se por ação de Rampling, presumivelmente para impor a ordem. E tentou, sem sucesso, falar a sós com Tex. Nenhuma destas situações deixou Tex em alerta, nem mesmo quando, logo após ter sido picado pela cascavel, Douglas não permitiu que Rampling o tratasse, tendo-o apelidado de “maldito assassino”.
Tex só se apercebe que algo está errado quando Haig, um dos soldados sobreviventes, em conversa com Rampling, refere “… não vai demorar muito a achar sua maldita caixa!”. O único objetivo da expedição é recuperar os restos mortais do capitão Larrimer, pelo que Tex – tal como o leitor – são completamente surpreendidos ao ouvirem falar em caixa. “Que caixa?” Questiona Tex, ou “Ei, espere aí! De que diabo de caixa está falando, Haig?”. Mas é tarde, muito tarde! Rampling aproveita a estupefação de Tex e coloca-o sem sentidos com uma coronhada.
As duas mortes, as situações em que ocorreram, e o comportamento de Wood, não teriam passado despercebidos ao Tex de Gianluigi Bonelli. Mas o herói de Nolitta tem outras características, e este trecho da narrativa é bem demonstrativo do herói nolittiano: moderno, humano, que comete erros de avaliação e que se deixa surpreender. Ainda neste excerto podemos observar outra marca distinta do autor, esta no modo de contar histórias: a forma como “esconde” os eventos do leitor, só os revelando no momento em que o herói tem conhecimento dos mesmos – o complô orquestrado pelos soldados e a existência de uma caixa contendo o dinheiro das guarnições do norte que estes procuravam recuperar.
Com os Larrimer presos e o herói inconsciente, vítima da coronhada aplicada por Rampling, Nolitta decide, finalmente, revelar a verdade sobre os acontecimentos que culminaram no massacre das Blue Hills. Começa por nos apresentar a versão de Rampling, num flashback em que o próprio Rampling conta aos restantes elementos do grupo as razões que o motivaram a regressar ao local da chacina, o que realmente aconteceu na noite que antecedeu a batalha, e como e porquê o capitão Larrimer foi morto.
Já com Tex recuperado, Rampling termina a sua versão, explicando como tinha decidido executar, sem sucesso, o plano atribuído por ele ao capitão. Logo após esconder a caixa com o dinheiro fora surpreendido e ferido pelos Sioux que o deixaram como morto.
Após terminar o relato dos acontecimentos da fatídica noite, o sargento confessa, também, a utilização dos Larrimer e do Chefe dos Navajos como instrumentos para a recuperação do dinheiro. As revelações sucedem-se, com Rampling a desdizer a versão inicial, de ser conhecedor do local exato da localização do corpo do capitão, e a assumir a responsabilidade das mortes de Wood e Douglas por se recusarem a participar na intriga, assim como a intenção de não deixar testemunhas.
Desde que o grupo chegou ao local da batalha que se sente a tensão no ar, a paisagem é sinistra, tétrica, como se existisse algo sobrenatural no local, o uivo dos coiotes torna o local ainda mais assustador e Tex decide aproveitar esse ambiente para deixar os soldados ainda mais nervosos, revelando-lhes o que Ongewa lhe tinha dito quando autorizou a expedição: que algo muito estranho habita a região! Inclui na descrição palavras como “Fantasmas, espíritos malignos e feitiçarias” para potenciar o medo nos integrantes do grupo.
Nesta fase da aventura, Nolitta decide acelerar o ritmo narrativo, os acontecimentos sucedem-se agora uns a seguir aos outros, sem pausas, e os volte-faces também. Aproveitando a distração dos soldados provocada pela recuperação da caixa e pelo estado de nervosismo em que se encontravam, devido ao coiote que não pára de os atormentar com os seus uivos lamentosos, Tex consegue libertar-se e liquidar os dois soldados restantes, no entanto, quando parecia que ia retomar o controlo da situação, Rampling faz Steve refém, ameaçando-o com uma faca no pescoço e forçando Tex a render-se. Segue-se um novo volte-face, pois o sargento nem tem tempo de retomar o controlo da situação. Surgido de uma moita próxima, o Espírito das Blue Hills neutraliza Rampling com uma pancada de machadinha na cabeça e mantém Tex sobre ameaça de um revólver.
Afinal, não se tratava de uma superstição indígena! Armado com uma simples machadinha, trajando peles e envergando uma máscara de lobo, o Espírito das Blue Hills é bem real e surgiu no momento oportuno para retirar o protagonista de uma situação que parecia perdida, provocando o terceiro volte-face em pouquíssimas pranchas.
Nolitta parece querer continuar a “brincar” com o leitor! Mantendo Tex sob a ameaça do revólver, o Espírito das Blue Hills retira a máscara e revela a sua identidade, surpreendendo todos, inclusive o sargento Rampling, que se recusa a acreditar que o capitão Larrimer, que julgava ter morto, esteja vivo e seja o responsável pela destruição dos seus planos.
A entrada em cena do Espírito das Blue Hills, salvando o herói de uma situação, aparentemente, sem saída possível, e a forma como o autor “escondeu” a existência do “Espírito” até ao momento da sua aparição, levando o leitor a pensar que não passava de um mito, são claramente marcas nolittianas.
Perante as inúmeras questões de Donald, que não consegue compreender as atitudes do irmão, Richard conta a sua versão dos factos e o porquê de ter permanecido nas Blue Hills encarnando o “Espírito”, confirmando a versão de Rampling, que escondeu a caixa com o dinheiro dos pagamentos e que tencionava recuperá-la caso saísse vivo do local.

Ilustração da autoria de Claudio Villa onde podemos ver Tex Willer a observar com comoção, num verdejante vale situado nas Colinas Azuis, algumas já frágeis estruturas de “scaffold“, as sepulturas aéreas das vítimas indígenas, assim como as sepulturas de 25 afoitos soldados e 3 oficiais eficientes e ambiciosos mortos num combate ocorrido um ano antes entre o 5º de Cavalaria do Exército Americano e os índios Sioux do chefe Ongewa
Os familiares do capitão ouvem incrédulos a sua versão, recusando-se a acreditar que o honrado capitão Larrimer, afinal não é muito diferente do sargento Rampling, e que ambos não passam de dois canalhas dispostos a matar por dinheiro. Quem é Richard Larrimer? É esta a questão que o autor parece colocar ao leitor. Uma pessoa honesta, honrada, disposta a fazer sacrifícios uma vida inteira pela sua família e que, num momento de grande tensão, tem um momento de fraqueza; ou um canalha e assassino que, enquanto a vida lhe correu de feição, foi capaz de disfarçar a sua verdadeira natureza até ao momento em que lhe surgiu a oportunidade para enriquecer? As dúvidas são imediatamente dissipadas! Assim que o capitão termina a sua versão, dispara dois tiros sobre o sargento Rampling, matando-o a sangue-frio e preparando-se para fazer o mesmo a Tex, eliminando desta forma a única testemunha que o poderia incriminar. Todavia, os gritos e os pedidos dos familiares do capitão para não o fazer, permitiram a Tex aproveitar-se da distração momentânea do capitão, desarmá-lo e assumir o controlo da situação.
Com o herói com a situação controlada e com a verdade sobre o que aconteceu nas Blue Hills esclarecida, poder-se-ia pensar que o desfecho estava próximo. Nada mais errado! Nolitta ainda tem mais questões para colocar ao leitor, pelo que recupera para a ação um inimigo de Tex que o leitor, provavelmente, já havia esquecido – Mahonga – e acrescenta cerca de 35 pranchas à narrativa, que vão baralhar novamente a questão de quem foi o capitão Larrimer e quem é o verdadeiro protagonista desta aventura.
Sentindo-se humilhado por ter perdido o duelo com Águia da Noite, Mahonga lidera um numeroso grupo de guerreiros no ataque aos poucos sobreviventes da expedição às colinas. Apesar das inúmeras baixas provocadas pelos tiros certeiros de Tex, a situação é desesperante e tudo leva a crer que o chefe índio irá conseguir os seus intentos. Mas, eis que surge um novo volte-face com um protagonista inesperado: Richard Larrimer, o capitão ignóbil, ladrão e assassino.

Nesta ilustração de Claudio Villa, vemos Tex Willer lutando um combate de vida ou morte com tomahawks no círculo da morte (o combate era disputado no interior de um círculo em chamas e terminava com a morte de um dos dois oponentes se bem que quem ultrapassasse o círculo de fogo durante as fases da luta era abatido no acto por um dos guerreiros Sioux armados de arco e flecha que rodeavam o círculo) com Mahonga, o chefe dos índios Teton
O ataque liderado por Mahonga provoca dois feridos, Donald e Steve Larrimer, sendo que este é ferido com gravidade no ombro direito e necessita urgentemente de tratamento. Perante a necessidade de cuidados imediatos do seu filho, e percebendo que os índios se preparavam para atacar novamente, Richard é acometido pelo instinto paternal e decide envergar a máscara de lobo, interpretando, pela última vez, o papel do Espírito das Blue Hills, esperando que os supersticiosos índios se afastem das colinas e os deixem em paz. A ação heróica do homem, que pouco tempo antes assassinou o sargento Rampling a sangue-frio, permite salvar os poucos sobreviventes do grupo e matar Mahonga, numa luta corpo a corpo, uma vez que os índios reagem como esperado e fogem assustados.
O leitor fica novamente baralhado pelos acontecimentos e reformula novamente a questão. Quem é Richard Larrimer? Um canalha capaz de sacrificar a vida e tomar ações heróicas ou um herói que teve um momento de fraqueza?
O desfecho, tal como toda a aventura, é puramente nolittiano e muito diferente do “final feliz” clássico. A narrativa conclui-se com os sobreviventes a discutirem que versão dos acontecimentos deve ser revelada quando regressarem ao forte Washakie, e como esse conhecimento vai afetar a reputação do capitão, dos familiares, dos restantes militares falecidos na batalha e do exército. Revelar a verdade ou mentir? É Tex, como líder da expedição, que toma a decisão, no mínimo polémica, mas que visa favorecer o aspeto humano, e impõe a versão a revelar, não sem antes criticar fortemente os Larrimer pelas suas opiniões.

Desenho saído do génio criativo de Claudio Villa onde vislumbramos o preciso momento em que Tex Willer assiste em pleno cemitério indígena dos sioux, nas Blue Hills, chamado pelos índios como “a sagrada colina da glória”, ao gesto triunfal da vitória ocorrida momentos antes pelo capitão Richard Larrimer (nas vestes do “espírito mau das colinas“) contra Mahonga, o orgulhoso chefe dos sioux, que antes de morrer também acabou por ferir mortalmente o próprio capitão Richard Larrimer
“A flecha quebrada” ou “O preço da desonra[5]”, titulo com que a aventura foi publicada na Collezione Storica a Colori, tem apenas 172 pranchas e é a segunda aventura de Tex mais curta escrita por Sergio Bonelli. No entanto, apesar de ser uma história que pode ser considerada “pequena” para os padrões nolittianos, é uma narrativa que representa muito bem a típica aventura do autor, pois inclui a maioria das particularidades e recursos estilísticos utilizados pelo próprio, faltando, talvez, a utilização mais frequente da narração silenciosa e a inclusão de referências a factos ou a personalidades históricas para a imagem ficar completa.
Nota final
Guido Nolitta tinha um estilo narrativo e uma forma de contar histórias muito peculiar e que me agrada particularmente. A utilização frequente da ironia e comicidade, presente em quase todas as suas narrativas, a forma como misturava os diversos géneros literários, alguns aparentemente inconciliáveis, como o cómico e o terror, ou como criava suspense em torno de eventos ou dos responsáveis, mantendo o leitor e o herói na ignorância, eram algumas dessas características, porventura as mais marcantes.
Em minha opinião, não restam dúvidas de que o Tex bonelliano é muito diferente do nolittiano. Só pela análise de “A flecha quebrada” se percebe a maioria das diferenças existentes. Mas o facto de Sergio não ter conseguido recriar com êxito o estilo narrativo e o tipo de narrativas do seu pai não significa que o autor não tenha obtido sucesso ao escrever as aventuras de Tex Willer. Bem pelo contrário! Não obstante a pressão que sentia ao substituir o progenitor, como salientou numa entrevista publicada na obra “Tex, tra la legenda e il mito” ao declarar: “A personagem criada pelo meu pai representou para mim uma aflição (…) sentia-me extremamente emocionado perante o pesado fardo de ter que substituir um grande autor (…) ”; Não obstante as dificuldades em seguir o seu estilo, como confessou: “ (…) tive de trabalhar duramente na realização destas histórias, logo a partir daquele momento em que continuamente me questionava sobre a maneira em como elas seriam escritas pelo seu primeiro autor. Escrever Tex foi para mim muito difícil, seja pela dificuldade em reproduzir o carácter e o comportamento do protagonista, seja por ter que inventar aqueles diálogos (…)”. A verdade é que Sergio superou todas as expetativas, tendo criado algumas das mais belas histórias de sempre e uma versão alternativa da personagem que, ainda hoje, rivaliza com a versão do criador, pela melhor de sempre.
[1] “Caccia all`uomo”, edições 183 a 185 TEX mensal italiano, Jan-Mar 1976, com desenhos de Fernando Fusco. No Brasil, “Caçada humana” publicada em TEX 68 e 69, TEX 2ª Edição 68 e 69, TEX COLEÇÃO 235 a 237 e TEX ED. HISTÓRICA 92.
[2] Nolitta escreveu mais 3 histórias de Tex entre 1993 e 1999, totalizando 19 aventuras do herói.
[3] No Brasil foi publicada na coleção TEX 167 e 168 e no TEX COLEÇÃO 314 e 315.
[4] Primeiro por os militares classificarem os confrontos com os índios conforme obtêm a vitória (utilizam “batalha”) ou saem derrotados (“massacre”). Segundo, pela forma como o exército subjuga os povos indígenas à sua vontade, aproveitando-se das suas necessidades para, em troca de cobertores, carne seca e bugigangas, conseguir os seus intentos: neste caso, entrar em território considerado sagrado pelos índios.
[5] “Il prezo de disonore” Titulo com que foi publicado em Tex Collezione Storica a Colori Nº108
* Texto de Sérgio Madeira de Sousa publicado originalmente na Revista nº 11 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2019.
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