Por Júlio Schneider*

O Mocinho do Brasil – A História de Um fenômeno Editorial chamado Tex; Autor Gonçalo Júnior – Editora Laços – 2009 – Brasil
Quando o livro O Mocinho do Brasil – A História de Um Fenômeno Editorial Chamado Tex, do jornalista Gonçalo Júnior, chegou às mãos do editor italiano Sergio Bonelli, esse sentiu-se como se estivesse a viver uma viagem no tempo, de quando a personagem criada pelo seu pai, Gianluigi Bonelli, chegou à América do Sul na década de 1950, e depois quando, na década de 1960, o próprio editor conheceu as praias brasileiras, a caipirinha e aquela que se tornaria a sua grande paixão, a Amazónia. O livro brasileiro foi uma espécie de chave que abriu o baú das recordações, e as lembranças de Sergio Bonelli vieram à tona em dois editoriais da edição italiana de Tex Nuova Ristampa (o Tex Coleção italiano) em maio e junho de 2010. Ao ler esses editoriais, Gonçalo Júnior comentou que “essas informações da passagem de Bonelli no Brasil eram até então desconhecidas! Tomara que ele fale mais na próxima edição“. E, de facto, depois desses o editor milanês falou da epopeia brasiliana de Tex por mais três editoriais dos volumes italianos, que reproduziremos nesta e na próxima edição da Revista do Clube.
Tex Nuova Ristampa n° 256, maio de 2010
Caros amigos,
Quando eu falo do lento e inexorável desaparecimento do mercado europeu dos quadradinhos bonellianos, caracterizados por longas histórias em série no tradicional branco e preto, sempre indico o Brasil como uma das mais inexpugnáveis fortalezas dos comics da rua Buonarroti. Na verdade, nesse País enorme, habitado por mais de cento e noventa milhões de pessoas, a BD nunca pôde contar com um número particularmente elevado de leitores. Apenas para dar um exemplo, o nosso Tex, apesar de ser indicado como um dos líderes de mercado, sempre teve de contentar-se com cifras bem distantes daquelas atingidas na pátria mãe. Mesmo outras publicações, dos clássicos americanos dos anos de ouro (Fantasma, Mickey Mouse, Mandrake, Flash Gordon e outros) aos mais modernos super-heróis (é claro que me refiro às famosas personagens de editoras como Marvel e DC), jamais se constituíram em preocupante concorrência ao verdadeiro Rei nacional, aquele Maurício de Sousa que – graças a aventuras simples e locais de personagens como Mónica ou Cebolinha – conquistou o título de Walt Disney sul-americano. Os primeiros motivos que me vêm à mente para justificar a pouca difusão dos balões falantes naquela enorme nação devem ser procurados, não apenas na elevada taxa de analfabetismo que, até há pouco tempo, afligiu a sua população, mas também no atraso e na precariedade da rede de estradas que tornou problemática a distribuição de todo tipo de publicação. Não é de se espantar, então, se à pouca presença dos quadradinhos nas bancas (como lá são chamados os quiosques) corresponde uma quase total ausência de eventos análogos ao nosso Lucca Comics & Games, e uma raríssima presença de articulistas, críticos e historiadores de BD. Por isso, é com grande admiração que vi chegar às minhas mãos o volume cuja capa se vê abaixo. Ilustradíssimo e muito bem documentado, tem um título simpático e lisonjeiro que, em português, é O Mocinho do Brasil. História de um Fenômeno Editorial Chamado Tex. O autor, Gonçalo Júnior, é o mesmo aficionado a quem se deve uma poderosa obra de alguns anos atrás, A Guerra dos Gibis, dedicada ao nascimento e crescimento do mercado brasileiro de quadrinhos entre os anos 1933 e 1964. Entre as muitas curiosidades que emergem do livro em questão, apresento abaixo a capa de um Tex de 1951 ainda privado de sua verdadeira identidade e – porque não? – até da sua dignidade, visto que havia sido rebatizado como Texas Kid pelos editores de uma série intitulada Júnior. A história de Águia da Noite no Brasil é tão apaixonante (até para mim, que a vivi) que merece a frase ritual: “Continua a seguir…“
Sergio Bonelli
Tex Nuova Ristampa n° 257, junho de 2010
Caros amigos,
No editorial anterior eu falei da agradável e inesperada publicação de O Mocinho do Brasil, um livro brasileiro que propõe contar a história de cinquenta e sete anos de presença editorial do nosso Tex naquele País. O volume representa, sem dúvida, um evento particular, vista a pouca atenção reservada por lá aos quadradinhos (não por acaso, do livro foram impressas apenas mil cópias) e, justamente por isso, é muito útil para mim que, como jamais escondi, sempre tive alguns problemas com a memória. Então, graças a O Mocinho do Brasil, eu pude reconstruir (ao menos em parte) os eventos que levaram à famosa e complicada estreia brasileira de Tex, no distante 1951, quando o Oceano Atlântico constituía realmente uma barreira insuperável. Esse valioso ensaio histórico também me permitiu percorrer novamente aquelas aventuras que vivi na pele a partir do momento em que, em 1965, eu quis cuidar pessoalmente das nossas publicações em terra estrangeira, e decidi visitar as redações das editoras que haviam mirado a atenção para séries bonellianas. Como se pode ver na imagem ao lado, Águia da Noite era apresentado ao público brasileiro – com a confusão gerada pelo dúplice nome de Tex e de Texas Kid – a partir da edição argentina exportada pelo profissional da impressão Lotario Vecchi (nosso amigo de família que talvez alguns se recordem como editor de Jumbo, Primarosa, Rin-Tin-Tin e outras revistinhas dos anos Trinta). De minha parte não tenho grandes recordações dessa primeira fase, se excluirmos os copiões (na época não existiam fotocópias) que eu, como entregador, levava ao caro Vecchi. Apesar do seu discreto sucesso, Tex Willer desapareceu dos quiosques brasileiros em 1957, para regressar somente catorze anos depois, em 1971, pela Editora Vecchi. Antes dessa data, em 1968, com a mala cheia de revistas, eu desembarquei no Rio de Janeiro, se bem que com intenções mais turísticas do que profissionais, e, inevitavelmente, a minha primeira visita foi aos escritórios da importante editora administrada pela família inteira de Arturo Vecchi, irmão de Lotario. Família à qual, na verdade, eu devo o meu primeiro contacto com as praias do Rio e até com os locais onde, na época, ecoavam as notas da Bossa Nova, uma música que depois se espalhou pelo mundo todo. No mesmo período eu havia conseguido convencer um segundo editor, Adolfo Aizen, a propor aos leitores do seu país a nossa História do Oeste e também O Pequeno Ranger, mas a minha obra de comunicação (isso sim, eu lembro-me) não foi nada fácil. A EBAL, a empresa de Aizen, era conhecida por sempre apresentar personagens norte-americanas que podiam contar com a magia das cores e cujas histórias se desenvolviam em poucas páginas. Imaginem, então, com quanta dificuldade eu consegui ver nas bancas (como se chamam os quiosques no Brasil) as nossas edições que, apesar de ilustradas por grandes desenhadores, eram melancolicamente – segundo os leitores daquele país – em preto e branco. Na Vecchi, o nosso Tex sofreu uma série de mudanças de formato e de paginação que nem vos conto, mas – apesar de tantas indecisões – chegou a vender, em 1981, cento e cinquenta mil exemplares por edição, quantidade realmente impressionante. Aquele sucesso extraordinário encorajou os meus novos amigos a alargar a gama de quadradinhos italianos, ao apresentar tanto as fantasiosas histórias de Zagor quanto o rigor realístico de Ken Parker, enquanto uma pequena editora de São Paulo, a Noblet, fez uma tentativa tímida de publicar Mister No, iniciativa que infelizmente só durou uns poucos números. O citado império editorial (da Vecchi) dissolveu-se repentinamente em 1983 e desapareceu definitivamente do mercado. Como consequência, Tex de repente viu-se sem editor, e eu peguei a bola no ar para refazer as minhas malas e preparar-me para um trabalhoso encontro com eventuais novos editores, mas também – como já se entendeu – para planear junto aos meus amigos de sempre uma longa viagem à minha amada Amazónia. Eu os entediei? Espero que não e, como bom quadrinista, marco encontro para o próximo número, para contar o que aconteceu em seguida.
Sergio Bonelli

Almanaque do Bufalo Bill para 1956 – Rio Gráfica Editora – Brasil; Publicou uma história de Tex (Texas Kid) inteiramente produzida na Argentina
* Texto de Júlio Schneider publicado originalmente na Revista nº 11 do Clube Tex Portugal, de Dezembro de 2019.
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima clique nas mesmas)
Espetacular. Pard Zeca, imploro para que poste a última parte.
Publicarei em breve, pard Fábio Augusto! 🙂