As críticas do Marinho: “Netdahe!” (Tex italianos 716 a 719)

Tex #716 – Netdahe!

Por Mário João Marques

Netdahe!

Argumento de Mauro Boselli, desenhos de Ernesto García Seijas e capas de Claudio Villa.

História publicada em Itália nos nº 716 (“Netdahe!“), 717 (“Guardia rural“), 718 (“La signora di Rancho Verde“) e 719 (“Scontro finale“), de Junho a Setembro de 2020.

Se há desenhador em Tex que consegue recriar a aura dos seriados e dos filmes clássicos de um certo western romântico, alegre, musical, onde as personagens aparentam sempre mais a alegria da vida do que propriamente a violência patente no dia a dia próprio daqueles ambientes, ele dá pelo nome de Ernesto García Seijas. Não significa isto que o autor argentino não consiga recriar cabalmente a dureza do western ou as faces duras e vincadas de muitos dos seus actores. Aquilo que queremos sublinhar é que no desenho de García Seijas encontra-se sempre presente uma melodia ímpar, uma aura romântica que se sobrepõe ao carácter aventuroso da série, ambientes mais distendidos como se pretendessem atenuar a dura realidade do velho oeste, personagens que não hesitam em sorrir perante as adversidade impostas por um meio por si só duro e violento, aqui se incluindo o próprio Tex, que enfrenta as situações sempre com um sorriso estampado na face, transparecendo mais no herói bonelliano uma certa jovialidade do que propriamente o cinismo que o seu criador lhe emprestou.

Tex #717 – Guardia rural, Tex #718 – La signora di Rancho Verde e Tex #719 – Scontro finale

E esta aventura começa por nos dar razão, com a imagem exterior de uma “cantina” mexicana situada no pequeno povoado de Pedra Blanca, onde é possível ao leitor adivinhar o ambiente distendido, alegre e solto que reina no seu interior. Como se não houvesse um amanhã carregado de dificuldades, que as páginas seguintes efectivamente acabarão por comprovar.
Se a música que a personagem de Tonio toca e canta deve atingir o coração e arrancar lágrimas de comoção, a verdade é que ela acaba por ser mais um instrumento para a alegria e o divertimento que os restantes actores presentes desejam, depois de um duro dia de trabalho.

É esta alegria que transpira nas páginas de Seíjas, o que não impede que os ventos mudem e que, em breve, regresse a dura realidade do velho Oeste, quando um grupo de irredutíveis apaches Netdahe (um bando de rebeldes que existiu na realidade e que cometeu assaltos e atrocidades  entre os Estados Unidos e o México a partir da Sierra Madre, onde estavam instalados), chefiado por Yavakai, ataca o povoado mexicano, cometendo um conjunto de atrocidades que em tudo contraria o ambiente distendido que antes reinava por aquelas bandas, o que vai chamar a atenção de um velho conhecido de Tex, o tenente Castillo dos Rurales (surgido em Gli Schiavisti), que em Canaan reúne os seus poucos homens e escassos recursos para ir atrás dos assassinos.

Os acontecimentos rapidamente tomam outro rumo e mudam-se para outras paragens, deixando o México e centrando-se no Arizona, mais precisamente na cidade de Redemption, onde os quatro pards se encontram num saloon a aguardar a chegada de um prisioneiro, que o exército se prepara para entregar nas mãos dos rangers. Nada mais nada menos que Marton, o cúmplice do coronel Atwood, ambas personagens de uma outra aventura (L’Indomabile), onde também despontou a figura de Nantan, um guerreiro apache acusado injustamente de homicídio em seguimento de um complot elaborado por Atwood com a cumplicidade de Marton.

Desta vez, os rangers querem reabilitar Nantan e levar o militar à barra dos tribunais, mas para isso necessitam proteger Marton para que este possa testemunhar contra o coronel. Por outro lado, para Nantan voltar a endossar o uniforme da polícia apache, já não basta que lhe seja feita justiça, porque, de acordo com a revelação de um sonho, o índio terá de encontrar a glória ao lado de Tex e Carson e viajar até ao sul para enfrentar inimigos perigosos, nada mais nada menos que os apaches Netdahe. O destino tem caminhos estranhos e assim Nantan e os pards vão percorrer juntos a mesma pista, permitindo que o guerreiro índio possa regressar aos trilhos da justiça.

É desta forma que as duas linhas narrativas se encontram, é assim que se unem as pontas que pareciam estar soltas. Aparentemente, porque quem está habituado a um autor dotado como Mauro Boselli conhece perfeitamente a sua habilidade em construir várias tramas ao mesmo tempo, que acabam por se interligar de forma coerente. E sabe que no meio dessas tramas pulula um conjunto extenso de personagens caracterizadas coerentemente, pelo que esta é uma daquelas aventuras muito articuladas e elaboradas que Boselli há muito não escrevia, com uma estrutura narrativa não linear, deixando a sensação errada de ser pouco objectiva, mesmo sabendo nós que tudo acabará por fazer sentido.

O autor é, na realidade, uma fonte inesgotável de ideias e de tramas, um manancial de imaginação sem fim, jogando e fazendo interagir personagens que continua a repescar de aventuras anteriores, construindo assim um todo uniforme na série, surgindo esta aventura como o culminar definitivo dos acontecimentos ocorridos em L’Indomabile (2014), e o regresso ao palco de várias personagens como Nantan, o capitão Webster, Marton, o coronel Atwood ou os rurales de Canaan liderados pelo tenente Castillo que, como acima referido, regressam de Gli Schiavisti (2012). Sem deixarmos de referir a bela viúva Ramona (sensualmente composta por Seijas), que, ou muito nos enganamos, ou se prepara para também voltar numa próxima aventura ao lado do seu belo tenente Castillo, de quem se enamorou.

Preparem-se, então, para dedicar a este autêntico fresco indiano umas boas horas de agradável leitura, não só pelas suas quase 400 páginas, mas sobretudo pela quantidade de acontecimentos e personagens que a caracterizam, tornando-a numa aventura complexa, variada, potente, cativante e perfeitamente representativa da tendência que parece vigorar na política imposta por Boselli na série: interacção e integração, o que demonstra que o universo de Tex não é eternamente imóvel.

Mauro Boselli exibe exemplares da primeira parte da sua história ‘Netdahe!’

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

Um comentário

  1. Mais uma excelente Crítica do Marinho!

    O Seijas realmente é um desenhista mais “solar”, digamos assim. Além disso, saber que é um roteiro de Boselli “como há muito tempo ele não faz” me faz criar grandes expectativas em relação a essa aventura!

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