As Leituras do Pedro*
J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga #112
Sonhos mortais
Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero (argumento)
Laura Zuccheri (desenho)
O homem que lia
Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero (argumento)
Enio (desenho)
Mythos Editora
Brasil, Setembro/Outubro de 2014
135 x 180 mm, 260 p., pb, capa mole, mensal
R$ 20,50 / 10,00 €
Mais duas histórias com a participação de Julia Kendall, numa edição actualmente distribuída em Portugal, que mostram a enorme capacidade de escrever que Berardi patenteia.
Sonhos mortais, que abre a edição, é um registo no limite do fantástico – para uma série claramente realista, que tem por base investigações relacionadas com o cérebro e a capacidade de sonhar.
Num relato em que Julia actua praticamente a solo – o que também não é habitual – Berardi explora a utilização de drogas e o seu efeito sobre o subconsciente, num registo entre o onírico e o fantástico que por mais de uma vez ameaça transformar-se em pesadelo.
Quanto a O Homem que Lia – título belíssimo para uma narrativa com uma belíssima abertura sobre o amor à leitura que – por coincidência mas muito a propósito – li no Dia Mundial do Livro (na passada quinta-feira, 23 de Abril), se volta ao registo habitual da criminóloga de Garden City, tem uma estrutura narrativa para a qual não posso deixar de chamar a atenção.
Começa pelo intróito, longo, pausado, ode (indirecta) à leitura e às suas potencialidades e virtudes, no qual aprendemos do desaparecimento de um homem – com evidentes necessidades económicas (e sociais…) – que tinha por hábito passar os seus dias a ler, numa livraria. O dono, que com ele estabeleceu uma relação de compreensão, ao sentir a sua falta decide solicitar a intervenção de Julia, também sua cliente.
O avanço da investigação, detalhado por Berardi, em pormenores como o traçar de um desenho robô que ocupa algumas páginas ocupa a ‘cena’ seguinte. A descoberta das suas rotinas, a visita aos locais que frequentava e a descoberta da sua casa, fazem aprofundar o tom sociológico da narrativa.
No entanto, quando tudo parecia indicar que o mote desta história era o envelhecimento, a perda de capacidades, a pobreza económica e o desenraizamento social, Berardi, num golpe de escrita, sem apagar ou negar o que até aí explanara, reorienta Julia (e o leitor) para um relato subitamente mais duro, onde prostituição, violência e vingança se vão combinar até ao desfecho trágico e distante do que apontavam os pressupostos iniciais.
Tudo isto é-nos contado sem quebras de ritmo, sem cortes nem saltos bruscos, ao longo de um trabalhoso passeio por algumas das zonas menos favorecidas de Garden City e pelas zonas mais sóbrias do ser humano e dos seus relacionamentos.
*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro.
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