Tex Série Normal: O Tesouro de Santa Cruz

O Tesouro de Santa CruzArgumento de G.L. Bonelli, desenhos de Giovanni Ticci e capas de Aurelio Galleppini. Com o título original Santa Cruz, a história foi publicada em Itália nos nº 215 a 217 e no Brasil pela Editora Vecchi nos nº 143 e 144.
 
Tex e Carson chegam ao povoado de San Domingo, onde o padre Marcos os acolhe, apesar da extrema pobreza que por ali reina. Durante o jantar, o padre pede aos dois rangers que tentem encontrar o padre Matias que, há um ano atrás, acompanhado de dois pastores mexicanos, partira do povoado em busca do lendário tesouro de Santa Cruz, não tendo nunca mais regressado nem dado notícias.
 
G.L.Bonelli, para além de muitas outras qualidades, conseguia emprestar às aventuras de Tex características que não eram parte obrigatória no âmbito do western. Aventuras com cariz fantástico ou místico, aventuras com feiticeiros e bruxos, aventuras em redor de tesouros lendários, aventuras na selva, tudo isso contribuiu para um sucesso ímpar que a série ainda hoje desfruta e cuja ausência poderá estar na base de uma actual perda de fôlego roteirística.

Arte de Ticci em O Tesouro de Santa CruzEm O Tesouro de Santa Cruz, Bonelli parece utilizar com êxito algumas das características acima, uma vez que, tendo um tesouro como pano de fundo, o autor italiano faz uso de pinceladas de elementos fantásticos para conferir à aventura um suspense que perdura ao longo de todas as páginas. Esta aura de sobrenatural funciona aqui mais como um artifício utilizado por Bonelli do que propriamente algo vivido pelo ranger. Para além disso, Bonelli situa todo o argumento num teatro propício, a fronteira entre os Estados Unidos e o México, com contrabandistas e bandidos mexicanos e, pelo meio, uma congregação religiosa.
 
Por aqui, mas não só, residia toda uma qualidade que Bonelli sempre soube planear na sua escrita. Não bastava construir algo que prendesse o leitor, era também necessário ambientar convenientemente toda a sua imaginação. Nesta aventura, Tex e Carson não estão ao serviço dos rangers, os dois pards surgem-nos mais como justiceiros isolados. Ambos chegam a um povoado e, ao escutarem uma história que lhes é relatada, resolvem agir e atender ao pedido que lhes é feito. Tex e Carson assumem o seu ideal de justiça, assumem que existem causas pelas quais há que lutar. Bonelli também explorou esta ideia através de inúmeras aventuras.
 
Tex disparandoAliás, toda a obra texiana perfila-se em redor destes ideais de justiça e de honra. Bonelli consegue então congregar na mesma aventura duas características ímpares em Tex: por um lado, determinados valores e um certo código de conduta e, por outro lado, todo um ambiente perfeitamente vincado e convincente. Por isso, O Tesouro da Santa Cruz é para nós um perfeito exemplo da arte bonelliana de tão bem apresentar e sobretudo desenvolver uma grande aventura. As personagens, tal como as situações, surgem-nos perfeitamente espaçadas e delineadas dentro da trama principal do argumento. Os vários cenários tal como as diversas personagens vão entrando em cena como um actor entra num palco. Por exemplo, a investigação de Tex e Carson leva-os numa primeira fase a descobrir o padre Matias morto e posteriormente Bonelli vai preparar a entrada em cena daqueles que o assassinaram, os irmãos Cardenas, primeiro Pepe e só mais tarde José.
 
Fantasmas do PassadoO autor pode utilizar artifícios, pode eventualmente conduzir o herói por caminhos exteriores à trama, mas no final é salutar reparar que afinal tudo se une e que todos esses fios soltos pertenciam à mesma meada, tudo se interligando em perfeita simbiose. Finalmente, a figura do ranger. Com Bonelli Tex é seguro de si, é consistente, é implacável e não recua diante de nada. Outra característica que Bonelli explorou exaustivamente com êxito, quando comparado com o caminho que o Tex actual tem vindo a trilhar.
 
O desenho de Ticci, mais uma vez no melhor da sua forma, adapta-se e enquadra-se perfeitamente neste espírito e neste ambiente bonelliano. O desenho ticciano não só é de uma imponência notável, mas todo ele respira oeste, todo ele respira poeira, todo ele cheira a pólvora.
 
Tex em acçãoAs personagens ticcianas são verdadeiramente maniqueístas, porque é fácil para o leitor distinguir as que estão com a lei e as que estão fora da lei. O seu traço é de tal modo vigoroso e vincado que consegue expor com uma realeza assombrosa o ambiente do velho oeste, o ambiente dos velhos clássicos de Hollywood protagonizados pelo imponente John Wayne. Porque o Tex ticciano goza dessa especial característica, o ser imponente, deixar-nos sem fôlego, deixar-nos mesmo sem margem de manobra perante a leitura. O desenho de Ticci não permite que o leitor refreie, não permite que façamos uma pausa (mesmo curta) na leitura. O desenho de Ticci como que obriga o leitor a ir sempre mais além, caminhar até ao desenlace final sem pestanejar. Se o Tex de Ticci serviu de referência e de modelo a uma plenitude de desenhadores, foi também porque o autor genovês soube captar na perfeição a personalidade e o carisma que Bonelli idealizou para o ranger.
 
Texto de Mário João Marques

3 Comentários

  1. Yudae,
    Nossa, muito obrigado pelos elogios. Fui mesmo agora ver a sua e, caramba, muito boa mesmo. Você tem mesmo muita aptidão para resumir em palavras certeiras as suas leituras. Por mim, a verdade é que sempre que leio as palavras não saiem. Nem queira saber o que por vezes me custa colocar no papel aquilo que sinto após as leituras. Mas esta do Tesouro de Santa Cruz é mesmo uma grandiosa aventura bonelliana, para mais servida pelo desenho do melhor desenhador texiano. Quanto à sua aventura, eu tive oportunidade de a ler no Tex Ouro e agora vou relê-la, porque se trata da mesma aventura que a Mondadori publicou este ano a cores: “Fiamme di Guerra”
    Um abraço

  2. Ah, então sei sim o que você passa. Comigo também é preciso de muito esforço pra fazer uma resenha. Ainda mais porque faço resenhas das duas revistas mensais do Zagor, então tento procurar sempre me repetir o mínimo possível.

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