BASEADO EM REFERÊNCIAS HISTÓRICAS: TEX E TIO PATINHAS PODEM TER SE ENCONTRADO!

Por THIAGO GARDINALI (jornalista – São Paulo / Brasil); Especial para o Clube Tex Portugal.

Como leitor e fã das histórias aos quadradinhos (quadrinhos no Brasil) Bonelli e Disney, sinto-me bem à vontade para escrever este texto, que só pelo seu título chama a atenção para uma possibilidade no mínimo insólita. Logicamente que eu não me atreveria a descrever uma ilação como essa se não houvesse referências históricas suficientes nas inúmeras páginas das revistas de ambas personagens que me permitissem estabelecer algumas conexões. Mas antes de descrever como poderia ter acontecido este encontro, quero discorrer a respeito dos fantásticos universos nos quais Tex e Tio Patinhas estão inseridos – e o que eles têm em comum.

A leitura de BDs (HQs no Brasil) me acompanha desde os cinco anos de idade, dando-me a possibilidade do primeiro contacto com as palavras. Acredito que como muitos dos que agora lêem este artigo, fui descobrindo novas personagens e publicações, ampliando o leque das minhas leituras. E dos inúmeros quadrinhos que passaram pelas minhas mãos, alguns permanecem até hoje. Das poucas personagens que resistiram ininterruptas nas últimas três décadas, Tex e Tio Patinhas estão nas primeiras colocações. Quando me pergunto o motivo destes terem sido preferidos, encontro a seguinte resposta: a História por trás da história em quadrinhos. Esta é uma área que sempre me fascinou – e tem o poder de fascinar cada vez mais. Então, quando me deparo com génios como Gian Luigi Bonelli, Carl Barks e Don Rosa, que conseguiram acrescentar ao já encantador universo da nona arte diversos factos e personagens da nossa História, minha satisfação na leitura é ainda maior.

Quando cito os autores – e agora vou começar a estabelecer as conexões entre eles – fico imaginando o trabalho de pesquisa que fizeram para inundar seus quadrinhos de preciosidades históricas. Hoje é muito fácil realizar uma pesquisa na internet que dura segundos ou transportar-se para qualquer região do mundo através de mapas virtuais. Mas e nos anos 50 quando o mestre Gian Luigi criava todos os cenários percorridos por Tex sem sequer ter viajado uma única vez aos Estados Unidos? O mesmo digo de Barks nas mais inóspitas excursões do Tio Patinhas pelo planeta (para não dizer situações que envolviam viagens no tempo e referências às eras medievais). E não foi diferente com Don Rosa, que criou toda a Saga do Tio Patinhas no início dos anos 90 sem sair de Kentucky (em uma época que a internet germinava). É facto que estes criadores – e suas respectivas equipas – beberam da mesma fonte e desta forma eu acho muito curioso observar as coincidências nos trabalhos que produziram.

Estabelecendo aqui uma primeira comparação entre Tex e Patinhas, sabemos que o primeiro teve uma actuação geográfica mais limitada que o segundo. E não é que o Ranger andou pouco… o velho muquirana é que andou demais! Partindo deste pressuposto, fica mais fácil então restringir o Universo Disney ao Universo Bonelli em termos de localizações no globo. Vamos directo para o Velho Oeste, a casa de nosso pard, onde o tio de Donald também circulou. E aí começamos a encontrar similaridades nas páginas, como estas que destaco abaixo. O desafiador Rio Mississippi e seus barcos a vapor estão presentes em BDs de ambos. Para Patinhas, como cenário de sua busca pela fortuna; para Tex, como ambiente para perigosas aventuras nas quais enfrentou quadrilhas que se escondiam em casinos flutuantes. Das cidades pelas quais ambos passaram, escolhi a então pujante Phoenix da segunda metade do século 19. E daqui a pouco, quando começar a esmiuçar a questão cronológica, veremos o quanto nossos heróis estiveram próximos nesta época.

Voltando um pouco ao meu fascínio por História, confesso que aprendi muito sobre questões indígenas lendo Tex. A curiosidade sempre me fez ir além das páginas dos gibis (revistas de banda desenhada) para buscar mais informações sobre as tribos que habitavam o território estadunidense. Que vontade de entrar em um dos quadrinhos para bater um papo com o chefe branco dos Navajos… imaginem o farto conhecimento que ele tem para nos passar. Bem, mas como isso só é possível na minha imaginação, vou buscar no Universo Disney as interacções com os indígenas. E elas são muitas. No exemplo que destaco, Patinhas se encontra com um Apache deslocado de sua tribo, enquanto Tex é chamado para apartar mais uma das inúmeras desavenças entre as tribos do Velho Oeste.

Sabemos bem que além de livros e mapas, nossos mestres roteiristas também se basearam bastante no cinema. E algumas fotografias são obrigatórias quando se trata de Velho Oeste. A clássica cena da observação feita do alto de um desfiladeiro não poderia faltar nos traços dos habilidosos desenhadores. E nas exaustivas incursões por áreas desérticas e intermináveis pradarias, a preocupação com as provisões sempre foi citada em Bonelli e Disney. As diferenças ficam por conta do génio e do comportamento de cada personagem!

As coincidências não param por aí. Aliás, vocês verão coincidências para valer quando eu chegar nos cálculos de datas… mas antes tenho mais alguns levantamentos curiosos! Como já citei, nosso velho Patinhas visitou mais pontos do globo do que Tex… mas o Ranger também foi longe. Até porque, enquanto o quaquilhonário sempre dispôs de helicópteros, aviões, foguetes e mais os inventos do Professor Pardal, Tex e seus pards esquentaram muito os lombos dos cavalos e tinham no máximo diligências e linhas férreas para locomovê-los. E é no Canadá que eu encontrei mais algumas situações similares. Para a biografia do Tio Patinhas, a região do Yukon tem um significado especial porque foi ali que ele fez a sua fortuna. Sua vida mudou completamente após o garimpo, fazendo com que ele “colonizasse” Patópolis. E Tex também andou pelas bandas canadianas em perigosas aventuras que envolveram até canibalismo. Além de ambos navegarem em direcção aos seus objectivos, é muito curioso notar a presença da emblemática Polícia Montada do Canadá. Os Jaquetas-Vermelhas são retratados com total fidelidade pelos ilustradores de ambas editoras.

Mas é quando começamos a caçar personagens históricas que a coisa começa a aquecer. Toda vez que li uma BD com essas figuras, o banho de conhecimento que recebi sempre foi enorme. E dá-lhe mais leituras e pesquisas, filmes e documentários. Falando de Velho Oeste, obviamente que Buffalo Bill não poderia faltar… e mais uma vez roteiristas e desenhadores foram a fundo nas pesquisas. Além disso, a presença da dupla Butch Cassidy e Sundance Kid traz muitos aspectos interessantes. Na vida de Patinhas, eles quase conseguiram roubar um dos bens mais preciosos de sua história: a pepita ovo de gansa, que representa sua vitória no garimpo. E ainda estiveram presentes em um dos raros momentos de significado emocional e afectivo para o pato: o período em que ele morou na cabana das montanhas do Klondike com Dora Cintilante, o grande amor de sua vida. Aliás, nisso Patinhas e Tex também têm em comum: depois de Dora e Lilyth, eles não perderam mais tempo com paixões e dedicaram-se às aventuras.

Mas voltando aos bandidos Cassidy & Kid, para Tex eles também têm um significado especial, pois foi a primeira viagem do Ranger à América do Sul. Na história, a dupla mata um xerife, foge para a Bolívia, Tex vai atrás e os elimina em um tiroteio. Bem, começamos por aqui a falar de datas. A morte do Xerife Hazen ocorreu em 1899 no roubo à Union Pacific. A fuga dos criminosos para a América do Sul foi em 1901. E o tiroteio que os matou foi em 1908. No caso de Patinhas, sua estada no Yukon se passa em 1897, exactamente no período do Yukon Gold Rush, quando 40 mil pessoas foram ao local em busca de fortuna com o garimpo. Esta febre do ouro durou de 1896 a 1899. Vale citar também que Butch Cassidy foi preso em 1894 e solto em 1896, saiu da cadeia e associou-se a outros criminosos. Portanto, é totalmente preciso e coerente ele roubar o Patinhas (na época com 30 anos de idade) em 1897. Mas no caso de Tex, não seria possível o Ranger tê-lo perseguido em 1908… pois neste ano teria quase 80 anos de idade! Mas antes que alguém se incomode com o que estou apontando, devo lembrar que as incoerências cronológicas do universo texiano são admitidas e comentadas pelos próprios editores. Se buscarmos nas revistas, encontraremos diversos textos que comentam estas incompatibilidades de datas. Mas aí cabe uma ponderação. Quando Don Rosa sentou-se para criar a Saga do Tio Patinhas, ele tinha à sua frente um Universo Disney que nunca deu importância para cronologia. O que Rosa fez foi juntar as diversas referências feitas por Barks a episódios da vida do Tio Patinhas em suas BDs e escrever algo praticamente do zero. Ou seja, ele montou uma “timeline” e incluiu nela todas as referências e personagens históricas dentro do período de interesse da biografia do pato, de 1867 a 1947.

No caso de Tex, nunca houve essa narrativa cronológica. As histórias foram simplesmente acontecendo e, quando da necessidade de contar situações passadas, isso foi feito em flashback. Eu particularmente não vejo problema nenhum nisso, muito pelo contrário. Não é por causa de uma margem de duas ou três décadas que estas referências históricas devessem ser excluídas das aventuras de Bonelli. Só tenho a parabenizar Gian Luigi pela ousadia de encaixar estes acontecimentos nas histórias de Tex mesmo não havendo total fidelidade às datas, pois isso somente enriqueceu o conteúdo das histórias. Mas se Tex tem histórias onde a cronologia não bate, também tem aquelas onde ela se encaixa perfeitamente… e é aí onde reside a possibilidade que intitula este artigo.

Os Estados Unidos pós-Guerra da Secessão tiveram um cenário bastante tumultuado. Após a derrota dos estados do sul, surgiram outros problemas: muitos daqueles que lutaram do lado dos Confederados seguiram por caminhos criminosos. Sabendo desta situação, vamos voltar a 1882 quando Patinhas, então com 15 anos, acabara de iniciar sua jornada de aventuras em busca da fortuna. A caminho do Colorado, o pato adolescente é abordado dentro do trem pelos famosos irmãos Jesse e Frank James. Eles que integraram a guerrilha sulista Quantrill´s Raiders nos anos 1860, com o fim da guerra mergulharam no mundo do crime. E decidiram assaltar justo o invocado Patinhas, logo após este ter enfrentado a Família Metralha pela primeira vez no Rio Mississippi. Foram expulsos do trem pelo pato. Alguns meses depois, ainda em 1882, Jesse morreu e Frank foi preso, tendo como sua testemunha no julgamento o Coronel Shelby, outro ex-Confederado.

Justamente neste momento que registo o encontro de Tex com Shelby em Prescott, em aventura que explora o famoso mistério do tesouro da Confederação que estaria com o presidente Davis e seus seguidores. Partindo do pressuposto que a história de Tex é narrativa presente (não é flashback), faço aqui algumas contas. Tex lutou na Secessão quando já era pai de Kit. Aliás, foi no início desta Guerra que o jovem entrou para os Rangers. Os episódios que envolvem estas figuras históricas se passam 17 anos após o fim da Guerra. Imaginando que Tex tenha sido pai bem jovem (seu rápido envolvimento com Lilyth remete às suas origens) e que em suas aventuras de narrativa presente ele esteja na casa dos 40 a 50 anos, é alta a probabilidade de que os encontros de Patinhas & Irmãos James e Tex & Coronel Shelby tenham ocorrido em datas muito próximas, senão idênticas, no início da década de 1880.

Enquanto o adolescente Patinhas iniciava suas expedições, o veterano Tex já acumulava grande bagagem, mas continuava na activa. Sendo assim, será que os dois nunca se encontraram em algum saloom ou hospedaria? Será que nunca se cruzaram em alguma pradaria e acenaram um para outro ao menos como um cordial cumprimento de cavalgada? Ou quando Patinhas parou em alguma estrebaria para alimentar sua égua Hortência pode ter dado de cara com Tex fazendo o mesmo com os cavalos de seus pards? Fico aqui imaginando os comentários de Carson sobre o petulante garoto Patinhas em um balcão de saloom: “Satanás, que pato invocado é esse!”. Ou quem sabe dentro das infinitas recordações do Tio Patinhas esteja algum aprendizado que teve na convivência com o mais famoso Ranger do Oeste. Bem, a imaginação não tem limites. Mas que a probabilidade do encontro ter acontecido é alta, isso é!

E para finalizar os apontamentos de coincidências entre os dois universos quadrinhísticos, vale citar uma que é circunstancial. Citei bastante durante este texto Gian Luigi Bonelli, Carl Barks e Keno Don Rosa. Mas devo fazer justiça com muitos outros roteiristas que fizeram e fazem parte das respectivas editoras. No caso de Bonelli, após muitos anos escrevendo tudo sozinho (e com o filho Sergio como colaborador que não aparecia), surgiu uma leva de excelentes profissionais que continuaram o legado do mestre, com igual profundidade nas pesquisas históricas e criatividade nos enredos.

E no caso da Disney, o maior produtor de BDs já há algum tempo é o estúdio italiano, responsável aliás por grandes sagas e aventuras que se valeram de componentes históricos. Sendo assim, a coincidência final é ter a Itália como berço das grandes ideias que tornam nossas leituras tão agradáveis e que me motivaram a escrever este texto. Obrigado a todos que compartilharam comigo estes momentos excepcionais das histórias em quadrinhos dos nossos grandes heróis e até a próxima!

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

6 Comentários

  1. Parabéns pelo fantástico texto, também sou leitor Disney e Bonelli e nunca havia pensado nesta possibilidade. E concordo com o jornalista, os autores são realmente geniais em acrescentar elementos históricos aos enredos. Espero que publiquem mais textos desta qualidade no blogue!

  2. O Tio Patinhas e Águia da Noite se encontrando? Bem, com roteiro de Guido Martina, perigava o Patinhas ir parar no xilindró…

  3. Adorei o texto – Principalmente por que na minha infância o que eu comecei a ler foi tio Patinhas, Mickey, Donald e os personagens da Disney com 07 anos – já era louco pelos quadrinhos. Com 10 anos entra na minha vida o que iria mudar a minha história – Um cowboy destemido, justo e companheiro, chamado Tex Willer, um amor incondicional, que já dura 34 anos. Mais que uma paixão, um amor verdadeiro pelo Tex e seus pards. João Batista da Cunha – 04/05/2015
    http://www.facebook.com/sebo.tempo

  4. Tex e Tio Patinhas, que encontro!
    Poderia ser numa velha mina abandonada.
    Hehehe.
    Parabéns pelo texto.

  5. Uma ótima pesquisa do Thiago Gardinali. Parabéns, pard! Lembrando que Tex e Tio Patinhas têm muita prata, o primeiro o próprio metal na Reserva Navajo e o segundo dinheiro em sua caixa-forte.

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