As Leituras do Pedro*
“No Oeste, se a lenda se encontra com a realidade, vence a lenda.”
In The Man Who Shot Liberty Valance, de John Ford
A questão é (cada vez mais) recorrente (nos tempos actuais): a sucessiva retoma de heróis por outros autores desvirtua-os ou torna-os maiores? A resposta será sempre dúbia – e depende muito do maior ou menor apego de cada um ao herói em causa – mas, no caso de O herói e a lenda, a contribuição de Serpieri para o universo ‘texiano’ fez jus à frase que abre este texto; contribui para ampliar a verdadeira lenda dos quadradinhos que Tex já é.
Como sempre, entrei nesta leitura de pé atrás. Já sabia que não ia ter mulheres voluptuosas, sensuais e pouco vestidas à imagem – limitativa – da imagem de marca do criador de Druuna – ainda é (muito) cedo para isso em Tex – mas também não sabia o que ia encontrar.
Entre críticas entusiásticas e outras arrasadoras, dispus-me a julgar por mim o regresso de Serpieri a um género que já conhecia bem e que durante anos cultivou. Em O herói e a lenda, o autor italiano fez de um envelhecido Kit Carson o narrador de uma aventura da juventude de Tex Willer, proporcionando-nos ao mesmo tempo o primeiro encontro entre os dois ‘pards’. Para isso, ignorou a ‘cronologia oficial de Tex’ (seja lá isso o que for!), introduziu alguns atropelos anacrónicos e desenhou o futuro ranger à sua maneira – possivelmente mais fiel à realidade da época – mas algo distante da imagem que lhe reconhecemos.
Com ele – para ele – narra uma história de ritmo lento, devido à quantidade de texto – aqui e ali excessiva – baseada numa perseguição de Tex a uns traficantes de armas, também raptores de uma mulher, e do confronto final entre o maior dos heróis Bonelli e o chefe comanche Lua Negra, a quem ambas – armas e mulher – se destinavam.
Com o traço que lhe reconhecemos e a planificação alargada, que ignora limites de vinhetas e (quase) da própria prancha, como elemento extra de dinamização da narrativa, Serpieri confirma a excelente representação da anatomia humana e o rigor extremo, baseado em ricas fontes documentais, na reprodução de elementos de época – visuais, armas, indumentárias…
Da união de todos estes elementos, com um extra de violência (pudicamente sugerida) invulgar mesmo nos mais duros Tex, resulta uma história (mais) credível que, com o inesperado mas bem conseguido remate final, consegue até justificar os anacronismos que (assumidamente) o autor italiano introduziu e contribuir assim para o alargar da lenda ‘texiana’, mesmo para aqueles que possam ter alguma dificuldade em reconhecerem no (jovem) Tex de Serpieri o ranger tradicional que cavalga e impõe a lei e a justiça há quase sete décadas.
Nota final
Volume inicial da colecção que a Mythos baptizou como Tex Graphic Novel, O herói a lenda não faz mais do que transportar Tex para o formato tradicional franco-belga – a que a editora brasileira retirou a capa dura… – de 48 páginas coloridas.
Se a diversificação de formato tem como objectivo chegar a leitores pouco familiarizados com os tradicionais formatos Bonelli, desta vez há algo mais em vista: conseguir cativar autores – com Hermann à cabeça? – a quem mais de duzentas pranchas de aventura sempre afastaram da rota de Tex…
O herói e a lenda
Colecção Tex Graphic Novel #1
Paolo Eleuteri Serpieri
Mythos Editora
Brasil, Maio de 2016
205 x 275 mm, 48 p., cor, capa mole
R$ 29,90 / 10,00 €
*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)
Tem imagens onde aparece o Carson?
Um pedido seu é uma ordem, pard Celso e assim sendo, já pode ver no texto uma página com o Kit Carson do Serpieri!
Não gosto deste estilo de desenhos de Tex. Parece mais a banda desenhada francesca, nomeadamente Blueberry.
Perdão, Zeca, mas eu me referia ao Carson idoso.
Isso é mais difícil, sobretudo porque o meu scanner está avariado 🙁
Serpieri (se me permitem ter este grau-de-amizade) liga-se direto a Druuna (conta a lenda que ele se inspirou na modelo brasileira Ana Lima; e vence a lenda!?).
No roteiro diz que o Tex & Kit Carson se encontraram desse jeito!? Equívoco!
O resto… Tex se ampliando de todas as formas em direção aos 70… 80anos! De fôlego. Tudo de Tex para TODOS!
Esse aí não é Tex Willer nem na China… jamais Bonelli pai e filho permitiriam tal afronta ao personagem.
Fugiu de toda a história rica e linda de Tex…
Papel aceita tudo, leitores e fãs não.
O nosso TEX não era assim, nem em pensamento.
Triste deixar Tex se submeter a isto.
Ou mostram sua arte seguindo a linha editorial de Tex, ou muito obrigado, continuaremos com nossos belos desinhistas…