As Leituras do Pedro*
J. Kendall #141 – Aventuras de uma criminóloga
Myhtos Editora
Brasil, Julho/Agosto de 2019
135 x 180 mm, 260 p., pb, capa mole, bimestral
R$ 24,90 / 8,00 €
Acidente de caça
Berardi e Mantero (argumento)
Federico Antinori (desenho)
Nos braços da noite
Berardi e L. Calza (argumento)
Marco Soldi (desenho)
Inevitavelmente.
Inevitavelmente, Julia Kendall voltou às minhas leituras.
Retomo o raciocínio inicial: Julia Kendall voltou às minhas leituras, da mesma forma que a noite sucede ao dia ou após a chuva regressa o sol. Mesmo que possa demorar. [Mas, confesso, no caso de Julia, luto contra mim próprio para dosear esses regressos, de forma a ter sempre – quase sempre – edições por ler…]
Em mais uma edição dupla da Mythos, são díspares os casos apresentados, tal como díspares são as artes das duas histórias, um traço mais limpo e luminoso, na primeira, mais sujo e sombrio na segunda.
O primeiro, Acidente de Caça, começa com a morte de um observador de aves, aparentemente por um caçador imprevidente. Aparentemente, escrevi, porque o que é demasiado óbvio nunca é verdade em qualquer relato policial e a investigação subsequente acabará por revelar um daqueles casos em que a floresta – a procura de grandezas – impede de ver a árvore à frente dos protagonistas.
Do relato, salienta-se ainda um final demasiado feliz e cor-de-rosa, quase à medida dos contos de fada infantis de outrora, que destoa numa série que espelha tanto o desencanto do mundo real.
Passando a Nos Braços da noite, o tom muda drasticamente, quando um desentendimento num lugar esconso, resulta num cadáver abandonado numa linha de metro desactivada. Cadáver que afinal se revelará ser um ferido em estado grave que lançará Julia numa cruzada pessoal. Tudo porque a vítima tem nome desde a primeira prancha: Leo Baxter, o detective particular com quem a criminóloga de Garden City já partilhou tantos casos. Desta forma, esta investigação foge à esfera profissional, e torna difícil traçar fronteiras que a jovem não esteja disposta a cruzar, desde arriscar-se pessoalmente até propor alianças pontuais com gente pouco recomendável.
É, na prática, uma daquelas situação-limite – que também surgem no nosso quotidiano, embora com contornos e fronteiras diferentes dos que são aqui apresentados – em que e emoção tolda a razão e nos leva a fazer o que nunca tínhamos imaginado.
Nesta narrativa – como às vezes na vida – em que tantas opções postas em causa, são os outros, aqueles a quem podemos chamar amigos, que surgem em auxílio de Julia e a fazem entender que ninguém está sozinho – mesmo que às vezes em desespero se procure a solidão.
*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro
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