As Leituras do Pedro: Face Oculta – Volumes 1 a 3

As Leituras do Pedro*

Face OcultaVolumes 1 a 3
Gianfranco Manfredi (argumento)
Goran Parlov, Massimo Rotundo, Alessandro Nespolino, Ersin Burak, Leomacs, Roberto Diso, Giovanni Freghieri, Giuseppe Matteoni, Gigi Simeoni (desenho)
Panini
Brasil, Setembro de 2016/Maio de 2018
160 x 210 mm, 386 p./482 p., pb, capa mole com badanas
R$ 39,90/R$ 51,90

O outro lado Bonelli

Sigo (algumas) edições Bonelli há anos mas, mesmo assim, a colecção que a Levoir e o Público disponibilizaram este ano (também) foi de descoberta para mim. E criou apetência para novas explorações, como este (aconselhável) Face Oculta.

Volto Nascosto no original italiano, publicado em 2007/2008, distingue-se da habitual produção Bonelli por dois aspectos principais. Em primeiro lugar, é uma mini-série em 14 volumes que – diga-se desde já – a Panini Brasil compilou (muito bem) em três tomos, no formato original, em edição (cuidada) de capa mole com badanas, que inclui as introduções do argumentista.

Depois, porque embora seja indiscutivelmente uma obra de ficção, está ancorada numa forte componente histórica.

Apesar destas diferenças – a duração limitada e a componente histórica – em relação às habituais edições Bonelli, à partida Face Oculta era uma aposta ganha, ou não tivesse a autoria, na escrita, de Gianfranco Manfredi, o autor da imensa saga de Mágico Vento. Com a qual Face Oculta também tem em comum a aposição da componente fantasista à realidade da época e um belo retrato dos nativos, os índios norte-americanos em Mágico Vento, os naturais da Etiópia em Face Oculta, mostrados de forma digna e respeitosa.

É verdade que a sua temática dirá, à partida, pouco aos leitores portugueses – como aos brasileiros – pois a acção decorre na Etiópia no final do século XIX, e interliga-se com as manobras do exército italiano nessa sua colónia. Apesar disso, a trama vai muito mais além do confronto – por via dos seus subordinados – entre o monarca italiano. Humberto I, e o soberano etíope, Menelik, ao lado do qual se encontram duas personagens marcantes e fundamentais no desenrolar do enredo, a rainha Taitú e a que dá título à série.

Mas, os jogos militares, que se transformam tantas vezes em massacres, são apenas uma das facetas da obra, que assenta, antes de mais, num (inevitável?) triângulo amoroso, embora de contornos nem sempre bem definidos. Os vértices deste triângulo – imperfeito… – são Ugu Pastore, que ama Matilde, que ama o tenente Vittorio de Cesari, que ama apenas o combate e o perigo.

Ugo, é um jovem inteligente e impulsivo; Matilde, uma mulher de elevada posição social, atormentada por fantasmas que lhe provocam um comportamento errante; Vittorio coloca-se sempre em primeiro lugar e é no campo de batalha que melhor se realiza.

Por sobre os três, mais acertadamente sobre os dois homens, paira a sombra de Face Oculta, guerreiro próximo do monarca etíope e o misterioso portador de uma máscara de prata, que cruza recorrentemente o seu caminho com os dos dois jovens e sobre eles exerce um estranho fascínio.

Tudo começa quando Ugo acompanha o seu pai numa missão comercial à Etiópia e é raptado pelo mascarado. A promessa de um reencontro, após a libertação e posterior regresso a Itália, fica-lhe na memória e há-de concretizar-se quando, anos mais tarde, regressa àquele país africano para libertar o tenente italiano, também ele prisioneiro de Face Oculta, para assim agradar a Matilde.

Com a acção a começar e a acabar em Itália, com um longo entreacto na Etiópia, esta extensa obra – sempre são quase umas suculentas 1400 pranchas de BD – é (muito bem) condimentada com outros encontros e desencontros, amores, paixões não correspondidas e vinganças, intrigas e violentos combates, jogos políticos e comerciais, e uma forte componente trágica, numa bem gerida combinação entre ficção e realidade, que proporciona ao leitor – qualquer que seja a sua nacionalidade – um aumento da cultura geral a par de umas quantas horas de leitura empenhada, sempre em busca da resposta primordial: quem se oculta por detrás da máscara prateada.

Graficamente, na senda da tradição Bonelli, Face Oculta – como os leitores portugueses descobriram na tal colecção Levoir/Público – apresenta um bom nível no que ao desenho diz respeito e, acima de tudo, um equilíbrio e consistência assinaláveis se pensarmos que esteve entregue a 9 desenhadores diferentes, para assegurar a sua periodicidade aquando da edição original italiana, que mantiveram os traços das personagens, o aturado retrato de época e o estilo realista, indispensáveis para dar coerência e credibilidade ao conjunto.


 

*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

3 Comentários

  1. Face Oculta, para mim, foi a melhor leitura de 2018! Simplesmente sensacional: Desenhos, textos, roteiros..

    Gostaria muito que esse tipo de publicação ganhasse força no Brasil. Eu compraria com toda certeza.

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