As críticas do Marinho: Tex – Edição Especial Colorida – nº 3 – “O Xamã Demoníaco”

Por Mário João Marques

A tribo dos Snakes, descendentes dos Shoshones, exterminados alguns anos atrás por mórmons, tem um novo feiticeiro. O mestiço Shenandoah, filho de uma índia e de um mórmon, abraçou a cultura materna e foi recebido de braços abertos pelo seu novo povo. Tex sabe que por detrás de Shenandoah encontra-se, no entanto, um assassino sem escrúpulos, com quem se cruzou num passado repleto de ilusões e muitos crimes. Por isso, juntamente com Jack Tigre, parte para terras selvagens e remotas, com o objectivo de vingar uma tragédia familiar.

Tex e Jack Tigre, aqui no lugar habitualmente de Carson, partem numa missão suicida em território inimigo. Boselli domina como poucos toda a esquemática e a planificação de um argumento, idealizando cenas capazes de agarrar o leitor, mostrando-se perfeitamente insuperável em compor uma trama convincente, sempre com ritmo equilibrado. O início é verdadeiramente triunfal, e se muitas vezes os argumentos são idealizados em função das características do desenhador, Boselli interpretou na perfeição as qualidades cinematográficas do desenho de Ticci.  Os primeiros planos convidam o leitor a localizar-se no cimo de um bosque, e de repente surgem flechas, perseguições, correrias, escarpas, tiros e eis que tudo se acalma. Chegou a hora de contar ao leitor porque é que Tex e Jack Tigre rumaram até aquelas paragens, surgindo o recurso ao flash-back, instrumento que Boselli privilegia em muitos dos seus argumentos e que aqui contribui não só para deixar pistas e explicações ao leitor, como para tornar toda a atmosfera ainda mais dramática.

No passado Tex cruzou-se com Shenandoah, na altura apenas Jack Harper, alguém que tentava conquistar a confiança daqueles que o rodeavam, no intuito e com objectivos sempre menos lícitos, criminosos a maior parte das vezes. Harper ou Shenandoah, é uma personagem tão carismática quanto bastarda, violenta, Boselli consegue transmitir ao leitor um profundo ódio pela personagem, acentuando-se essa faceta fundamentalmente nas cenas finais, quando o leitor se depara perante um Tex impotente perante o seu inimigo, entregue, mas nunca vergado. O autor arrisca aqui algo na gestão da personagem texiana, uma vez que ao deixar o Ranger de modo tão fragilizado perante os leitores, poderá constituir como uma “ofensa” às bases e à essência bonelliana, pelo menos junto dos mais “puristas”. Creio que Boselli, no entanto, constrói toda esta cena para sublinhar e exaltar de uma forma maniqueísta a firmeza de Tex, numa aventura onde a dicotomia Tex-vilão assume verdadeira importância como há muito não víamos em aventuras texianas.

Uma aventura que graficamente serve para, mais uma vez, Ticci denotar toda a força do seu desenho. Com uma carreira que já leva quase 50 anos, certamente que o passar dos anos trazem um traço mais sintético, mas mantendo todas as suas outras inúmeras grandes qualidades: a composição das personagens, um dinamismo ímpar e uma construção verdadeiramente cinematográfica. São vários os cenários (as montanhas, o bosque, a gruta, a atmosfera romântica que perpassa por todo o flash-back), são muitas as personagens, mas em tudo Ticci denota uma incrível capacidade de dar vida, uma ímpar potência descritiva, que a cor parece não desvirtuar.

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