As Leituras do Pedro*
Tex Edição Especial Colorida #14
Chuck Dixon, Gabriella Contu, Marcello Bondi, Luca Barbieri e Giovanni Gualdoni (argumento)
Fabio Civitelli, Lucio Filippucci, Mario Atzori, Andrea Venturi, Marco Santucci e Patrick Piazzalunga (desenho)
Fabio Civitelli, Oscar Celestini e Erika Bendazzoli (cor)
Raul e Gianluca Cestaro (capa)
Mythos Editora
Brasil, Fevereiro de 2020
160 x 210 mm, 160 p., cor, capa mole
R$ 29,90
O tamanho, o tamanho…
Regresso ao tema das histórias curtas, com duas afirmações que sei que podem ser polémicas:
– É possível uma história curta transmitir tanto prazer ao leitor quanto uma história longa;
– Uma história curta pode dar tanto ou mais trabalho (a escrever) que uma longa.
Justifico-me já a seguir.
[Antes de avançar, uma definição importante: se no universo franco-belga, por exemplo, se aplica a terminologia ‘história curta’ a narrativas com 2, 4, 10, 12 páginas, quando nos referimos ao contexto Bonelli em geral – e ao de Tex Willer em particular – aquele conceito estende-se (pelo menos até as 32 páginas); que são as que compõem cada um dos relatos desta edição, como acontece sempre nos números pares desta colecção.]
Começo pela segunda afirmação. Ao escrever uma história curta, é necessário uma maior contenção, um poder de síntese maior, uma atenção especial – se não mesmo única – ao que é realmente importante, em detrimento do acessório, de floreados ou de episódios complementares para ‘dourar’ e aumentar a narrativa.
Geralmente, uma história curta tem uma ideia central forte bem definida ou um final inesperado e contundente e tudo nela contribui para explanar a primeira ou conduzir o leitor (incauto) até ao tal desfecho.
E chegado aqui, ‘salto’ para a afirmação inicial: quando bem escrita, quando bem desenvolvida, uma boa história curta vale uma revista completa e pode satisfazer plenamente o leitor – embora eventualmente com uma satisfação diferente da proporcionada por um relato de outra dimensão.
Mas passemos a exemplos concretos nesta edição #14.
Um dos papéis desta colecção, é testar novos autores, novos temas, novos grafismos.
Neste último particular, o leitor que procura a diferença, poderá sentir alguma desilusão. O traço utilizado nos cinco relatos é similar – a excepção mais evidente é, claro, Civitelli, a abrir, com O Apache Branco – mas em todos eles impera um desenho clássico, competente, mas sem rasgos nem virtuosismo de maior. E em termos cromáticos, passa-se o mesmo, sendo fácil ‘confundir’ as histórias. [Ao contrário do que acontecia na edição portuguesa A Lenda de Tex, composto por histórias provenientes desta colecção.]
Curiosamente, a capa dos irmãos Raul e Gianluca Cestaro não o faria prever, uma vez que utiliza um estilo muito dinâmico – atrevo-me a escrever quase de cinema de animação – com o bandido que Tex baleia a ostentar até um aspecto semi-caricatural. Para além disso, a cena é-nos transmitida com uma tomada de vista invulgar, de baixo, ao nível do solo, para cima, muito bem conseguida.
Entrando na revista, O Apache Branco e Golden Queen, vêem-se bem como episódios de sagas mais longas, já que ambas pedem mais pormenores do que aqueles que nos são transmitidos. É possível lê-los fechados em si mesmos, mas não seria difícil aconchegá-los com um argumento mais extenso, que explicasse como o ranger chegou ali, qual a razão para aquelas acontecimentos... Se fosse esse o caso, a segunda narrativa surgiria num momento intermédio de um relato de maior dimensão, enquanto que a primeira serviria de desfecho para outro.
Mesmo assim, ambas apresentam questões distintivas. Em O Apache Branco, a tragédia de um menino branco que foge dos apaches obriga Tex a mostrar-se mais humano do que habitualmente.
Quanto a Golden Queen, prima por ter o protagonismo integral de Kit Carson, ainda no vigor da idade, por isso sem qualquer vislumbre de Tex. Nela prevalece a sua faceta de conquistador inveterado, embora me tenha custado a engolir que uma viúva tão recente se lance tão facilmente nos braços do primeiro que lhe aparece, bem como a forma expedita como Kit resolve a situação, assumindo sem hesitar o papel de carrasco, sem qualquer investigação ou audição da outra parte – e por aqui, com uma ligeira nuance esta ‘historinha’ poderia transformar-se numa bela história…
A Camisa Mágica centra-se num Kit Willer ainda criança e joga com as crenças dos navajos de uma forma curiosa, mas – porque não há regras sem excepção – é difícil classificá-la em qualquer das três categorias acima expostas…
A fechar a revista surge Revolta em Vicksburg, prisão onde Tex já esteve detido e que serve de cenário de uma revolta dos presos durante uma visita do ranger. O desconhecimento das razões profundas do ódio do chefe dos revoltosos em relação a Tex e a forma demasiado rápida – e até ridícula – como é resolvida a questão, aponta para o benefício que teria sido transformá-la num relato com duas centenas de páginas, bem compostas e recheadas de diversos pormenores e cenas de acção e que até poderia culminar com o mesmo pormenor utilizado aqui.
Os leitores mais atentos e que sabem contar, estarão a dizer – com toda a razão – que só falei de quatro histórias, quando afirmei que eram cinco. Na verdade, falta Juliet Payne, o relato que inspirou este longo texto (para os parâmetros habituais aqui de As Leituras do Pedro).
Duas questões surgem de imediato após a leitura: a primeira, o forte protagonismo de uma mulher, o que não é comum na vida editorial do ranger. Depois, ainda menos vulgar, a assumpção de uma temática – a violação – que foge aos cânones de Tex.
Os dois aspectos estão muito bem conciliados nas 32 páginas disponíveis, baseados numa ideia aparentemente muito simples – mas daquelas que soam próximas do genial – que funciona idealmente nesta curta extensão, mas que se iria perder se os autores tivessem utilizado mais páginas.
*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)
Essas histórias curtas e coloridas do Tex sempre me parecem falhas, mesmo as que funcionam. Parece que falta algo e não são o verdadeiro Tex.
Acho que elas existem por motivos editoriais, algo que o autor citou: explorar outro formato narrativo, buscando novos públicos, e testar ou dar experiência a pretendentes, especialmente no desenho.