A Opinião do Rui: “Terror na Floresta” e “Maria Pilar”, da Polvo Editora

Por Rui Cunha (texto) e Margarida Cunha (fotografias)


Apesar da fraca atenção que as editoras, em Portugal, dão às edições de livros e revistas de Banda Desenhada, como se aquela que é conhecida como a Nona Arte, fosse algo desprezível e nocivo para a saúde dos leitores e demais pessoas, ainda se consegue, por vezes, ter agradáveis surpresas. Mas já lá vamos.

Vetadas a uma espécie de ostracismo editorial nacional desde há algum tempo, as publicações da Editora Bonelli, nas quais se incluem “Martin Mystère”, “Júlia – Aventuras de uma Criminóloga”, “Dylan Dog”, “Dampyr”, “Mágico Vento”, “Zagor” ou o septuagenário Tex, só para citar alguns dos nomes maiores da editora, só conseguem chegar ao público via importação ou quando alguma pequena editora se prontifica a fazer a sua edição nacional e é deste último caso que se trata.


Falo, claro, da nova colecção que a Editora Polvo, de Rui Brito, começou a lançar em Dezembro de 2018 e que se intitula “Universo Tex”, de que foram lançados os dois primeiros números, “Maria Pilar” e “Terror na Floresta”, respectivamente números 1 e 2 desta colecção. A ideia, segundo os seus autores e o editor, é dar mais protagonismo aos companheiros de aventuras de Tex e, nestas duas aventuras, é mesmo disso que se trata, embora os resultados não sejam iguais em termos qualitativos. Por uma lógica de qualidade, começamos pelo segundo.

Em “Terror na Floresta” vemos Kit Willer, o filho de Tex, envolvido numa aventura que o leva, depois de um jogo de cartas azarado, a ser preso e obrigado a trabalhar como madeireiro nas florestas do Colorado sob o olhar atento dos seus carcereiros enquanto os perigos da natureza espreitam.


História curta que se lê de uma só vez, embora, neste caso particular, o texto de Chuck Dixon não consiga arrancar da mediania, apesar de nunca perder qualidade, não empolga o leitor como seria de esperar numa história de Tex em que este se relega para um segundo plano delegando toda a importância no seu filho, Kit.

O desenho de Michele Rubini tenta fazer o seu melhor para disfarçar a fraqueza do argumento, mas, apesar dum primeiro quadro de cortar a respiração (a imagem do comboio que parece querer sair da página), resvala para uma ligeira banalidade (nomeadamente alguns quadros onde Kit aparece com o rosto ligeiramente efeminado), mas depois recupera a qualidade e melhora do meio para o final (toda a sequência de acção final é exemplo disso).


Em relação à edição propriamente dita, pouco há a assinalar: são 32 páginas de história (mais uma de informação) em papel de boa qualidade, formato ideal para uma leitura cómoda, um texto informativo bastante interessante (da autoria de Mário Marques), uma capa pouco atractiva (que nada tem a ver com a história), uma balonagem cuidada mas que contém um erro grave que deve ter passado na revisão: desde quando é que Jack Tigre se passou a chamar Tiger Jack?! (página 13, quadro 2) e volta a aparecer algumas páginas mais à frente. Será que rebaptizaram a personagem e esqueceram-se de avisar os leitores?

No geral estamos perante mais uma boa ideia do editor Rui Brito e da sua Polvo Editora, a quem se tem de dar os parabéns por mais uma iniciativa com pernas para andar desde que lhe sejam dadas condições para tal.


Em relação a “Maria Pilar”, nº1 desta nova colecção, a história é completamente diferente e a diferença entre ambas as aventuras salta à vista. Maria Pilar é uma jovem que pretende vingar a morte de seu pai, levada a cabo por um grupo de bandidos que se dedica a assaltar caravanas que ligam a cidade de Indianola a San António, em pleno Texas para destruir o comércio dos mexicanos. O caminho da jovem vai cruzar-se com um Ranger do Texas que foi enviado para investigar os acontecimentos e que se propõe ajudá-la.

Maria Pilar” apresenta-nos um Kit Carson, jovem Ranger do Texas e onde as características mais marcantes da sua personalidade surgem ao de cima: o “bonvivant” corajoso, mulherengo e que gosta duma boa refeição regada com uma boa cerveja.


O argumento, da autoria de Mauro Boselli, revela, uma vez mais, porque é que o seu autor é um dos nomes grandes do staff texiano da Editora Bonelli, uma dedicação e grande conhecimento das coisas do Oeste, um bom texto que agarra o leitor desde o início, recheado de boas cenas de acção, a que também não é alheia a arte de Alessandro Bocci, ao pôr em desenhos as ideias de Boselli contribuindo ainda mais para que em escassas 32 páginas, desde o primeiro quadro (de uma caravana a atravessar um rio) até ao último (a porta de um saloon com o letreiro a dizer “closed”, implicando que a história de Maria Pilar e Kit Carson poderá não ter terminado), o interesse e a qualidade andem de braço dado.

Ao dar protagonismo a Carson (ainda que um jovem Kit Carson), compreende-se o objectivo desta nova colecção, situada no universo de Tex, mas sem ser ele o centro da atenção e assim contribuir para uma maior riqueza e compreensão duma personagem que já conta com mais de 70 anos de existência.


A Editora Polvo de Rui Brito continua destacada na divulgação de Tex e das aventuras no seu universo e “Maria Pilar” é mais um exemplo, plenamente conseguido, desse destaque: um cuidado muito particular na edição, enriquecida com uma semi-biografia do verdadeiro Kit Carson (novamente da autoria de Mário Marques), uma capa apelativa (embora, tal como “Terror na Floresta”, nada tenha a ver com a história, até porque Tex nem sequer aparece como personagem).

Em suma, ambas as obras e, apesar das diferenças que as caracterizam, acho que estamos perante uma nova realidade no que às edições das aventuras do Ranger diz respeito e será, sem dúvida, uma bela homenagem que se pode fazer a Gian Luigi Bonelli e a Aurelio “Galep” Galleppini e à personagem que criaram em 1948.


(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

6 Comentários

  1. Rui, agradeço o teu texto e aproveito para esclarecer algumas das questões que apontaste na tua opinião.

    A primeira diz respeito ao Tiger Jack. É o nome original do personagem, nas edições italianas, que eu optei por manter. Jack Tigre é o nome que adoptaram nas edições brasileiras.

    A segunda diz respeito às capas. As ilustrações utilizadas são as das edições originais. O Tex surge a enquadrar o Kit Carson e o Kit Willer apenas para lhes dar mais “força” enquanto personagens.

  2. Permitam que eu ingresse no debate e também manifeste minha opinião. E já antecipo: sou um leitor brasileiro de Tex, mas com acesso e muito interesse pelas edições da Polvo.
    a) Acho equivocado trocar o nome do Jack Tigre pelo original, considerando que, correta ou incorretamente, é assim que ele tem sido identificado em língua portuguesa há muitas décadas. Logo, concordo com a estranheza manifestada por Rui Cunha e discordo da justificativa do editor Rui Brito;
    b) O texto de Dixon, que eu já tinha lido na edição brasileira, pareceu-me demasiadamente “americano” e pouco eficiente, assim como o considerou Rui Cunha. Por “americano” eu quero dizer que reúne muitos acontecimentos condensados em poucas páginas, logo que é desenvolvido sem aprofundamento, muito apressado, sem o bom “cozimento” da narrativa e com boa dose de artificialismo. Sei que a proposta editorial envolve histórias curtas, mas Boselli mostra que, mesmo neste formato pouco comum ao universo texiano, é possível construir narrativas mais respeitosas com a liturgia desse universo. Por tudo isso, há razoável artificialismo no texto de Dixon;
    c) Por fim, afirmo que essas duas edições da Polvo são surpreendentes em vários sentidos. Primeiro, por ser uma joia rara no mundo de Tex em português, que é tão rico e longevo. São publicações em capa dura, excelente formato e tipo de papel etc. Só restam elogios. Segundo, por se tratar de uma coleção em que os protagonistas são os “pards” de Tex, que é o astro maior desse universo, nada mais razoável que ele estivesse na capa a acompanhar os coadjuvantes que, excepcionalmente, ganharam status de principais. E, de fato, a edição portuguesa reproduz as capas originais. Logo, concordo com a decisão do editor e não respaldo a crítica de Rui Cunha.
    Por outro lado, fico com dúvidas sobre a decisão de produzir essa coleção. É produto genuinamente português. E este é o mistério. Não existe equivalente na Itália. Nenhuma coleção é dedicada aos parceiros de Tex. Minha dúvida: diante dessas circunstâncias, haverá fôlego para fazer um recorte tão específico, que constrói um olhar sem precedentes e apresentá-lo a um público menos acostumado ao “universo Tex” (a própria expressão me parece muito americanizada)? Se o objetivo é a louvável intenção de editar em Portugal material de Tex, não seria possível investir em alternativas mais “normais” e seguras (ou menos arriscadas), ou seja, realizar edições/traduções portuguesas de propostas editoriais originais, especialmente frente a tantos formatos que a Bonelli está a produzir atualmente? A ousada proposta da Polvo não o é em demasia e edições mais “padrão” – como ocorreu com Patagônia, Capitão Jack etc. – não poderiam ter mais sucesso e contribuir para a maior difusão de Tex no país?
    Como leitor, deleito-me com essa ousadia, mas fico receoso que ela – ao eventualmente não produzir os resultados esperados – limite o fôlego da Polvo para continuar a trazer Tex aos leitores portugueses (e brasileiro, como eu).
    Um abraço a todos.

  3. Quanto ao mais que batido lamento de que a BD é um género pouco estimado ou valorizado cabe-nos a nós, consumidores de livros, onde se inclui a BD, respondermos de forma positiva a esta onda de edições como há muito não se via. O mercado nacional está ao rubro. A Banda Desenhada invade quiosques e livrarias. Não se justificam preconceitos ou pedidos de carta de alforria.

    https://www.dn.pt/artes/interior/mario-claudio-tintin-jamais-escreveria-as-suas-memorias-9352243.html

  4. A propósito de nomes adoptados em língua portuguesa de personagens da saga de Tex, não é a primeira vez que ocorre uma mudança de modo a usar-se o nome original… anteriormente tal já aconteceu no Brasil e por três vezes!
    Tal ocorreu com a esposa do Ranger, cujo nome inicial em língua portuguesa foi durante muitos anos Lírio Branco, tendo depois sido “rebaptizada” como Lilyth, seu nome original em Itália.
    O mesmo aconteceu com o Bruxo Mouro que mais tarde “recebeu” o seu nome original: El Morisco.
    Mais tarde ocorreu o mesmo também com Dick Furacão que foi também “rebaptizado” com o seu nome original: Damned Dick…

  5. Concordo plenamente com manter o nome original, nomes não se devem traduzir. Por alguma razão o nome original, dado por italianos, é em inglês. É bom não esquecer que o Tex apesar de criado por italianos é uma personagem americana, logo de língua inglesa, por isso pelo menos os nomes em inglês dão-lhe maior autenticidade.

  6. Eu discordo desse Post em uma coisa (com todo o respeito).
    Eu gostei da HQ escrita pelo Chuck Dixon, nem sempre o roteirista mantém o pique a mil.
    Teve muita HQ de Tex escritas por G. L. Bonelli e Claudio Nizzi que me deram sono durante a leitura, essa bajulação pra cima do Boselli que o autor fez me pareceu uma “puxada daquilo” talvez por ele ser o editor atual… mas pra mim pesa o fato de que esse mesmo Mauro Boselli escreveu “O Deus Canibal” (Aarrrgh, lembrei de novo), um robô gigante movido por 4 índios.. pelo amor dos deuses… alguns dirão (Boselli tem o direito de errar) concordo, mas penso que o Chuck Dixon também… contudo Dixon entrou no staff agora, enquanto Boselli já faz várias décadas, inclusive foi assistente do próprio Gianluigi Bonelli… mas, esta é apenas minha opinião.

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