Por Carlos Almeida (GICAV BD Viseu)
A todos os Texianos (e amantes da BD em geral) começo por esclarecer que não sou estudioso do universo Texiano em quadradinhos, antes um curioso desde sempre pelas histórias do “Faroeste”, desde os tempos distantes da descoberta das revistas de Banda Desenhada (Mundo de Aventuras; Falcão; Tex; …) pousadas sobre o passeio na vila onde estudava, eu pasmado perante o colorido e a exuberância dos cavaleiros e o desenho irreverente dos índios mostrados selvagens sempre, desejando ambiciosamente penetrar nesse universo fantástico de mundos distantes no espaço e no tempo. E por entre múltiplas e fascinantes aventuras gráficas, descobri também um dia o universo do ranger do Texas.
Fui desafiado pelo amigo e fervoroso Texiano José Carlos Francisco, depois que há uns anos atrás nos tornámos amigos, por vontade do Tex, partilhando as aventuras e a arte expressiva em preto e branco nas exposições realizadas em Viseu (através da acção do GICAV) histórias de arrepiar em redor deste generoso ranger aventureiro das pradarias do longínquo oeste selvagem. E esta amizade que nos liga foi tão forte quanto o maravilhoso universo das histórias em quadradinhos que nos mantêm vivas as memórias de um mundo recheado de mistérios e segredos, como este “O Segredo do Juiz Bean”, sobre o qual vou atrever-me a escrever um pouco.
Conheci Pasquale Frisenda e o seu agradável traço estético através da fantástica novela gráfica Patagónia, há uns dois anos atrás (“uma obra que merece o título de obra-prima do fumetto italiano e, por aditamento, da longa historiografia de Tex Willer, o famoso ranger do Texas, criado em 1948, no apogeu da BD infantojuvenil”), e depois ao vivo na festa Texiana na Anadia, pela mão do ZECA, depois da descoberta de outros generosos artistas do TEX, como o maravilhoso Fabio Civitelli (também presente em Viseu) ou o criterioso Maurizio Dotti.
Mais do que desenvolver aqui o importante percurso artístico de Pasquale Frisenda, considero oportuna uma apreciação pessoal desta obra em particular, lançada no mercado português de forma arrojada em formato de luxo pelas Edições Polvo. E desde logo realçar a persistência editorial do Rui Brito, personificação incontornável desta editora, num género como a Banda Desenhada que acarinhou depois de algumas experiências editoriais menos bem consolidadas.
A obra insere-se sem dúvida no percurso arrojado do Clube TEX Portugal, recentemente formado em redor do universo editorial do Ranger do Texas, pela mão fervorosa e ímpeto inquebrantável do ZECA, em permanente ligação com a Editora Bonelli. A obra parte de um argumento de Mauro Boselli, um experimentado escritor de histórias há mais de trinta anos. No prefácio à novela o Mário Marques apresenta um estudo aprofundado sobre a criação literária e a caracterização dos personagens, pelo que não me perderei por esses caminhos aqui. Irei reflectir um pouco sobre os ambientes artísticos e imaginários da mesma, em redor do traço e da arte de Frisenda.
Através de uma narrativa fluente e encorajadora, sustentada por uma caracterização convincente dos personagens e dos ambientes, a história instala-nos ora bem dentro da arquitectura saudosista das cidades do velho oeste (marcadas pela sonoridade do casco dos cavalos e do martelar dos pianos nas salas de vício) ora perdidos na imensidão das pradarias silenciosas. A história alimenta os cenários de vingança e recompensa, ao bom estilo das grandes aventuras do oeste violento, construído à força das armas e do carácter incontestável dos rangeres, completado pela inconstância e incapacidade humana de controlar os elementos, que persiste na figura do velho xerife, vigilante por vezes mais do que juiz em sua própria causa.
Na primeira prancha começamos logo por compreender e assimilar o lado horrível do oeste selvagem, o sol impiedoso anunciando-se por detrás do voo agitado das aves de rapina introduzindo a violência da morte pintada de negro. O traço singelo (mais livre do que em Civitelli, por exemplo) aproxima-se de um certo classicismo coerente em muitos desenhadores do TEX. Destaca-se uma cautelosa e afinada procura na colocação dos diálogos, não evitando que o olhar se concentre no pormenor do brilho do sol por entre os cactos erectos, ou o reflexo das águas por entre a escuridão profunda. Aliás, um dos maiores sortilégios ou encantamentos da arte de FRISENDA é a capacidade de destacar de forma magistral na imensa escuridão o contorno do pormenor essencial, o momento em que tudo se decide (como em algumas vinhetas representando o pôr do sol), como se de uma névoa profunda surja perante os nossos olhos apenas o que importa para a nossa satisfação.
Os rostos dos personagens são secos, como a secura da terra, rudes como o chão árido do velho oeste por vezes, mas bastante expressivos das emoções, do sofrimento, da dúvida ou da decisão tomada. Os sons das balas e dos rebentamentos, os gritos de dor fazem-nos correr atrás de um refúgio, acompanhando os heróis. E os corpos fazem-se reflexos vivos da luminosidade de uma pequena fogueira no meio do nada selvagem. E as linhas das balas abrem novos cenários através da escuridão profunda feita de sobressaltos. E o jogo do claro/escuro acentua-se nos rostos marcadamente viciados pela loucura ou pela violência, ajudando a recortar na paisagem ou no chão os instantes determinantes da acção e da história.
Enquanto apreciador do jogo do claro/escuro na narrativa aos quadradinhos, inscrevo decididamente esta obra/novela gráfica no conjunto das grandes epopeias ilustradas do fervoroso ranger do Texas, à boa maneira das tradicionais aventuras do misterioso Faroeste.
O livro “O segredo do juiz Bean“ encontra-se à venda nas Bertrand’s e FNAC’s espalhadas pelo país.
Há também sempre a possibilidade de poder enviar um e-mail ao editor Rui Brito para adquirir directamente o livro à Polvo Editora. O seu e-mail é ruibritobad@gmail.com
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