Tex no Jornal “Público”: 2 de Julho de 2005

Texto do Jornal “Público” de 02/07/2005
Por Nuno Franco

Terror de quiosque

* Edições brasileiras da linha Bonelli, “fumetti” populares vendidos nas bancas, a preços convidativos

Terror de quiosqueHá 50 anos, a Europa apercebia-se das possibilidades dos seus autores de BD. Estava-se no pós-guerra e as editoras queriam o seu espaço de evasão. Muitos foram os autores que trabalharam para um mercado em expansão, sobretudo o inglês, incluindo alguns portugueses como Vitor Péon e o recém-desaparecido Eduardo Teixeira Coelho.
É então que começa a falar-se em Gianluigi Bonelli. Ao serviço de várias editoras, este argumentista colaborou com alguns dos autores italianos mais importantes do seu tempo. Em 1948, lança um simples título de “cowboys” que se torna num fenómeno de culto em Itália, Tex Willer. Após a consequente internacionalização, o nome de Bonelli (dessa vez pelo seu filho, Sergio Bonelli) passa a estar associado a toda uma linha de “fumetti“, como é conhecida a BD italiana, e a um império editorial de vendas em quiosques.

Aos poucos, a Bonelli, com uma autenticidade que não pretende enganar ninguém, chegava a uma legião de fãs que seguiam de perto os seus títulos, sobretudo, do ranger Tex, também conhecido dos leitores portugueses. Em 1978, a Portugal Press editou Zagor e 12 fascículos de Mister No. São títulos que estão de regresso, editados pela brasileira Mythos e distribuídos em Portugal desde 2002. A meta continua a manter-se: álbuns de aventuras de pequeno formato a preços convidativos.

Muitos dos títulos – exceptuando os “westerns” Tex (com um grau de planificação histórica razoavelmente coerente, pese a exaustão esquemática de alguns dos seus desenhadores), Zagor e Ken Parker (este centrado brilhantemente em cenários mais meditativos e intimistas sobre o Oeste americano) – exploram as ambiências fantásticas e de terror.
Com uma lógica de rentabilização, operaram-se na Bonelli sínteses de heranças muitas vezes provenientes do seu país de origem, nomeadamente do “giallo” – livros policiais do pós-guerra e que teriam o apogeu no cinema de terror, também ele italiano, com a sua fetichização dos espaços claustrofóbicos e da arma branca.

Alguns dos títulos são laboriosas concretizações e outros um compêndio sobre almas do outro mundo. Atente-se em Dylan Dog, detective do pesadelo, onde tudo é levado para além da razoabilidade. No número 26 há um coelho saído dos desenhos animados que se diverte a esmagar cabeças com bigornas e com outros requintes; isto enquanto o ajudante de Dylan, Groucho (pela figura, supostamente Marx), se entrega a comentários paródicos e cabotinos.

Em Júlia, outro dos títulos disponíveis, conta-se a história de uma criminóloga americana que, na qualidade de psiquiatra, ajuda a polícia a desvendar crimes. Aqui, o trabalho na área do “suspense” é enfrentado de forma mais criativa. A história fala de uma América que simultaneamente foge da morte e que a procura, sem que com isso o cenário seja reduzido a estereótipos – embora a noção de “serial killer” a isso pudesse conduzir. No mínimo, é um exercício de apropriação da realidade que ganha contornos cinematográficos (a começar na fisionomia de Kendall, decalcada de Audrey Hepburn e na presença de inúmeras piscadelas de olho ao leitor). Destaque para as capas de Marco Soldi, onde as sugestões ganham contornos de pesadelo.

Copyright: © 2005 Jornal “Público”; Nuno Franco
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