Tex Gigante 14: Sombras na Noite

Tex Gigante 14 - Sombras na NoiteArgumento de Claudio Nizzi, desenhos e capa de Roberto De Angelis.
Com o título original Ombre nella Notte, a história foi publicada em Itália no Tex Albo Speciale nº 18 em Junho de 2004 e no Brasil pela Mythos Editora em Outubro de 2004.

Sombras na Noite representa mais uma incursão texiana no domínio do fantástico. Bonelli tinha conseguido, com sucesso, esta entrada do ranger por domínios que sempre cativaram o leitor. Lembramo-nos, assim de repente, de El Morisco, Mefisto, Yama, mas sobretudo de Diablero, em cuja criatura Nizzi parece ter sido inspirado ao assinar este argumento.

Arte de De AngelisA história é suficientemente cativante para o leitor, é mesmo uma das melhores que Nizzi nos apresenta desde há alguns tempos a esta parte, mas sofre de uma certa falta de equilíbrio. Sendo mais uma versão do clássico Dr. Jekyll e Mr Hide, Nizzi consegue, ainda assim, juntar-lhe o contraponto da eterna questão de se saber onde termina a ciência e começa a magia ou ainda laivos de uma certa moralidade cristã que nunca viu com bons olhos o subverter as leis naturais. Se Nizzi sempre se revelou maniqueísta, em Sombras na Noite o autor acaba por nunca defraudar o leitor neste particular aspecto, uma vez que o ideal patente é o do eterno conflito entre o bem e o mal, aqui apresentado com um carácter altruísta.

Quadradinho de De AngelisNo entanto, após apresentar toda a base do seu argumento, Nizzi acaba por revelar ao leitor toda a informação que lhe faltava, aquela que prendia a sua atenção e conferia um certo mistério do que estaria por detrás de toda a trama. Nizzi não soube guardar um pouco mais as expectativas, preferindo antes antecipar quase todas as explicações.
Não se trata de apontar fraquezas no argumento, na sua ideia geral, mas sim um certo desiquilíbrio no desenvolvimento do mesmo. As personagens, tal como as acções, vão surgindo de modo misterioso, para rapidamente tudo se desencadear sem percalços ao longo de uma aventura que acaba por se arrastar por um excessivo número de páginas.

TexTex surge em Sombras na Noite como um conhecedor da alma do oeste, um homem cujo faro raramente o engana, como ele próprio tem oportunidade de dizer. Tex pensa antes de agir, Tex joga psicologicamente com este seu conhecimento e só passa à acção física quando as condições assim o impõem. Para os puristas, este é um Tex medroso e estanque, um herói envelhecido. Nizzi tem sido duramente criticado por ultimamente adoptar esta postura para o ranger, conferindo a Tex uma maior espessura psicológica, esta sua faceta dialogante em detrimento da “conversa de mãos” que tanto sucesso fez com G.L. Bonelli. Em Sombras na Noite Tex só passa à acção física após decorridas mais de 180 páginas.

Vinheta com TexMas se o Tex bonelliano era sobretudo um duro, porque sustentado nesta acção física , o Tex nizziano, não descurando esta, é porventura mais maduro. Repare-se em toda a subtileza patente na página 187 onde Nizzi consegue congregar estas duas facetas do ranger. Após ter esmurrado Sammy no estábulo, na boa maneira bonelliana, Tex saca da sua arma e, através de um fabuloso jogo de mãos, o ranger passa a uma atitude de violência psicológica, esta mais do agrado de Nizzi. Se o Tex de Bonelli não perdia tempo, este “novo” Tex adopta uma outra atitude, tendo tempo para sacar a arma, tirar as balas, fechar o tambor e girar o canhão, sequência toda ela superiormente representada através de belas imagens de De Angelis.

Se Tex raras vezes se assume verdadeiramente ao longo de todas as páginas de Sombras na Noite, a verdade é que muito da culpa está nos seus adversários. O mentor de toda a tramóia não é verdadeiramente um adversário como Tex tem encontrado ao longo das suas aventuras. Por trás dos reais objectivos do Dr. Sommers está a  procura de algo de bom na espécie humana. Os verdadeiros adversários são então aqueles que aproveitaram as suas pesquisas  para subverter o ideal de um médico, mas nunca se assumindo como reais ameaças à investigação do ranger. A crítica que podemos certamente fazer a Nizzi é que o autor acaba por escolher adversários sem carisma, que nunca obrigam Tex a aplicar-se.

VinhetasUma nota final para os outros pards, simples figurantes nesta aventura. Carson surge-nos muito sério, sem aqueles deliciosos diálogos com Tex que tanto prazer nos dão. Kit não tem influência e Jack Tigre nunca se assume. Talvez aqui exista mais matéria de crítica a Nizzi do que propriamente saber que caminho Tex poderá vir a assumir no futuro.
Na entrevista que acompanha Sombras na Noite, De Angelis afirma ser um autor meticuloso e trabalhador e foi esta postura que pretendeu adoptar com Tex, mas por fim deixou-se levar pelo ambiente e pela personagem. Foi esta a impressão que, indubitavelmente, o autor italiano nos deixou.
Isso mesmo se nota na própria expressão adoptada para Tex.

Rostos do RangerFolheando Sombras na Noite, podemos ser levados a pensar que De Angelis vagueou entre Villa e Ticci na composição do ranger, mas com o desenrolar das páginas, a verdade é que o Tex de De Angelis é assumidamente e marcadamente ticciano. 
Não só na figura do ranger se nota uma influência de Ticci (como quase todos os desenhadores o têm feito), mas de igual modo na composição de cada página, procurando De Angelis oferecer muitas perspectivas de conjunto e conferir assim uma expressão global a cada cena.

Sombras na NoiteO autor mostra-se muito à vontade em ambientes nocturnos, onde o seu jogo de sombras e o seu domínio do claro e do escuro são bem evidentes, a que não é alheio o facto de De Angelis estar habituado a desenhar séries de ficção científica como Nathan Never. Também as cenas de interiores são muito ricas, cheias de detalhes.
Eventualmente, De Angelis assume-se em Sombras na Noite como um dos melhores desenhadores destas edições gigantes dos últimos anos. Não só o seu desenho é rico, como a composição do ranger nos parece conseguida e fiel aos parâmetros a que o leitor está habituado.

Texto de Mário João Marques

7 Comentários

  1. É muito bom ver tantas resenhas no Blog!

    Para alguém que também escreve resenhas, como eu, é sempre uma experiência interessante ler a opinião de outras pessoas.

  2. Yudae, o mérito destas resenhas é todo do nosso Amigo Mário Marques. É mais uma excelente secção do blogue na minha opinião.

    Já agora pard, o que acha de inserirmos vários desenhos das histórias nas resenhas e não somente a(s) capa(s)?
    A ideia é que como são histórias de Banda Desenhada, nada melhor que algumas imagens para ilustrar os textos…

  3. É uma boa idéia, mas fazer isso no meu blog seria difícil, pois teria que escanear imagens e meu scanner não é grande coisa. Além disso, ficaria difícil fazer a diagramação com as imagens, até porque as minhas resenhas contam ainda com uma ficha técnica da edição.

    E, realmente, a parte das resenhas são uma grande seção do blog – assim como todas as outras.

  4. Yudae, obrigado pelo seu comentário. Somente perguntei porque também gosto da forma como você insere as suas resenhas no seu blogue e como nós fazíamos no início aqui no blogue (só com as capas), só que tendo o scanner operacional, penso que é uma mais valia que podemos disponibilizar para todos que vierem ler a crítica.

  5. Amigo Yudae,as suas palavras são sempre bem vindas a este blogue. Os seus comentários, as suas dicas são sempre aguardadas e nós por aqui bem lhe agradecemos. Sempre que leio uma aventura do nosso Tex tento fazer uma resenha para que no futuro me possa ajudar a identificar e a relembrar a aventura. Quando idealizámos este blogue, eu e o José Carlos fomos recolhendo material e agora, conforme as nossas disponibilidades e seguindo uma política de não sobrecarregar o blogue com muito do mesmo, vamos inserindo o nosso material. Esta resenha já tem algum tempo, mas vai sempre a horas de poder ser publicada.

  6. Gostei imenso desta edição de Tex. A história apesar de uma certa “colagem” a “Diablero” consegue agarrar o leitor da primeira à última página e Nizzi mostra o seu génio incansável, dando vida a uma história que aborda algo já tão “batido” como a eterna luta entre o bem e o “dark side of the force”.

    Relativamente ao trabalho do artista De Angelis, sinceramente, não gostei muito. Com toda a sinceridade, penso que é um mestre no jogo dos contrastes escuro/claro, luz/penumbra, mas o seu traço é algo instável e até um pouco “infantil”, apesar de rico em termos de pormenores.

    Não pretendo com esta crítica desvalorizar o trabalho deste grande desenhador. Apenas quero dizer que esperava melhor.

  7. Pedro,
    Obrigado pelo comentário. Apesar de já ter lido esta aventura pouco depois da sua publicação pela Mythos Editora, recordo-me bem dessa dualidade apresentada pelo Nizzi entre o bem e o mal ou, como muito bem diz, o “dark side of the force”. Penso, no entanto, que o Nizzi cortou um pouco as expectativas do leitor ao apresentar tudo rapidamente.
    Já o desenho do De Angelis concordo inteiramente quando diz que ele domina bem os contrastes e os jogos de luz e sombra. O seu desenho poderá ter sido traído por uma composição texiana que vai melhorando com o decorrer da aventura e esse traço instável que refere poderá também ter sido influenciado por esse factor.
    Mesmo assim, eu gostei do resultado final e penso que se ele fizesse outro trabalho para o nosso amado ranger o resultado até poderia ser melhor.
    Um grande abraço e vá aparecendo.

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