Tex Anual 04: Em Território Selvagem

Em Território SelvagemArgumento de Mauro Boselli, desenhos de Alfonso Font e capa de Claudio Villa.
Com o título original Nei Territori del NordOvest, a história foi publicada em Itália no Maxi Tex nº 5 em Outubro de 2001 e no Brasil pela Mythos Editora em Dezembro de 2002.

Um dos temas que ultimamente tem vindo a ser largamente debatido dentro do universo texiano, prende-se com o caminho que Boselli poderá imprimir a Tex, mantendo-o como figura central dos seus argumentos, dando assim continuidade ao legado bonelliano ou, por outro lado, marcando uma ruptura, insistindo em aventuras onde o herói é remetido para um papel menos interveniente. A questão tem a sua pertinência, porque não raras vezes, Boselli submete Tex para uma lógica de menor protagonismo e constrói tramas onde outras personagens adquirem grande riqueza e densidade psicológica.

Estas palavras servem simplesmente para uma breve introdução a esta grande aventura que é Em Terra Selvagem, onde Boselli, afinal, opta por apresentar um Tex à boa maneira clássica, com pinceladas muito intensas de cariz bonelliano, descurando, deste modo, uma linha de argumentos que vinha sendo habitual no autor e vejamos porquê:
Jim BrandonEm primeiro lugar, o autor recupera personagens criadas por GL Bonelli, como Jim Brandon e Gros Jean, conferindo-lhes, no entanto, um cariz psicológico não antes tratado, uma vez que através de velados diálogos destas personagens, Boselli vem apresentar-nos algo sobre o passado de cada um.
Em segundo lugar, Tex e Carson assumem um real protagonismo ao longo da história: Boselli, habituado a legar esse protagonismo noutras personagens, que não nos nossos heróis, afirma-se desta vez como um revivalista à boa maneira do Tex de GL Bonelli. No entanto, em certas fases do argumento, Boselli dá a certas personagens uma importância central na trama, como por exemplo quando Dawn se assume como guia dos nossos heróis em busca de Jim Brandon. Aliás, a riqueza com que Boselli constrói as suas personagens caracteriza-se bem em Dawn, sendo impossível ao leitor não sentir uma certa empatia com a sua coragem, a sua determinação, a sua força e com a sua beleza.

Arte de Alfonso FontDawn vai evoluir num certo sentido ao longo da aventura, mas a sua personalidade mantém-se sempre constante. Sem ser original, Boselli ao conferir esta riqueza numa personagem feminina, este carácter tão marcante, acaba também aqui por legar um certo classicismo na aventura. Naturalmente, estamos sempre em presença de personagens bem construídas, mas a verdade é que, Em Terra Selvagem, Tex e Carson assumem-se como líderes, como estrategas, enfim como verdadeiros heróis no mais puro estilo clássico bonelliano.

Por fim, o misticismo índio que perpassa ao longo de todo o argumento, com a introdução de Wendigo, o devorador de almas (também tratado por Manfredi numa das aventuras de Mágico Vento) e com referências a todo um conjunto de elementos próprios da cultura índia, tão do agrado de GL Bonelli.

Vinheta de Alfonso FontBoselli constrói aqui um excelente argumento, prepara-o bem, apresenta as personagens com a fluidez que lhe é peculiar e consegue sempre prender o leitor, porque só muito lentamente vai levantando o véu da intriga. No fundo, Em Terra Selvagem, assume-se como uma epopeia, como uma grande aventura em duplo sentido: grande na sua extensão, mas grande também  pela sua riqueza; a aventura é imensa, como imenso é o cenário da paisagem canadiana, como imensa é a neve branca e natural, como imenso é ainda o drama latente, sempre presente no sub-consciente de cada personagem, mas também quase sempre ausente, porque só se vai revelando há medida que a acção se desenvolve.

Mas Em Terra Selvagem é também uma história de vingança, tendo como pano de fundo uma luta pessoal entre dois inimigos de longa data e cujo preparação o leitor acaba por acompanhar.

TexAlfonso Font não se celebrizou, ou pelo menos, não o conhecemos sobretudo por aventuras de western. Na verdade, o autor espanhol foi sim um verdadeiro obreiro de boas obras de ficção científica ou de aventuras mais contemporâneas. Mas é notória e sempre presente a maior desenvoltura e o maior prazer que Font nos apresenta o seu desenho aqui Em Terra Selvagem. Font vem revelar um à vontade que não lhe vimos por exemplo em Os Assassinos, onde o autor se ia ultrapassando apenas com o desenrolar da história.
Desta vez, Font imprime à figura texiana as características que tornaram o nosso herói tão apreciado, a sua imponência, o seu vigor, a sua força interior. Font consegue sempre compor um Tex de aço, de olhar penetrante, qualidades permanentemente presentes.

Tex WillerO tipo de enredo, uma busca por terras inóspitas, permite ao desenhador explanar toda a sua riqueza na composição magistral das paisagens canadianas, agrestes e tão naturais.
As cenas de acção são antológicas, sempre com a imensidão da neve como obstáculo: repare-se na emboscada no Passo Chilkoot, onde a neve vem mergulhar sobre os nossos heróis; atente-se em toda a envolvência da cena que decorre no Lago Lindeman; finalmente toda a cena do resgate de Jim Brandon.

Em Terra Selvagem marca uma das melhores aventuras no universo texiano e, em jeito de conclusão,  atente-se na riqueza subjacente ao título: uma terra selvagem, porque Tex não está no seu habitat natural, mas uma terra selvagem também na natureza agreste onde toda a acção se desenrola.

Texto de Mário João Marques

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