Romanzi a Fumetti Bonelli

Romanzi a Fumetti BonelliNo blogue do Tex, damos hoje espaço para a rubrica Outras personagens Bonelli, a uma colecção recente da Sergio Bonelli Editore, intitulada Romanzi a Fumetti Bonelli, apresentando a crítica de Mário João Marques aos dois números já existentes: Dragonero e Gli occhi e il buio.

Trata-se de uma colecção especial, já que são romances em forma de banda desenhada e cada número traz um romance novo, nada tendo a ver com o anterior. Em cada álbum desta colecção estarão presentes histórias de personagens diversas não estando excluído o retorno de algumas personagens que tiveram sucesso no passado e cada romance terá 200 a 300 páginas e a periodicidade será sensivelmente semestral.

Segundo apuramos os próximos romances, embora desconhecendo a sequência devem ser:

Hit Moll Pulp“, texto de Enoch, desenhos de Andrea Accardi;
Fanta-thriller“, texto de Paola Barbato;
Serial-killer“, texto e desenhos de Gigi Simeoni

Dragonero
Romanzi a Fumetti Bonelli nº 1, editado em Junho de 2007;

DragoneroArgumento e roteiro: Luca Enoch e Stefano Vietti
Desenhos: Giuseppe Matteoni
Capa: Giuseppe Matteoni

Ian, antigo soldado do Império, agora dedicado a missões de inteligência nos territórios do Império, um homem relutante que prefere não enfrentar o seu passado; Gmor, um orgue com uma força enorme e que vive junto com os humanos; Alben um mago cheio de energia e de carisma e que sofre de vertigens; Myrva, irmã de Ian, pertence à casta dos tecnocratas, de carácter bem vincado e que usa as armas de fogo de modo letal; Ecuba, uma guerreira que tem a missão de proteger Alben; Sera, pequena e pacífica, complementar a Gmor. Estes são os protagonistas deste space-opera escrito em moldes de filme de grande acção, com excelentes efeitos especiais e de elevado orçamento. Enoch e Vietti idealizaram um mundo de fantasia num futuro em ambiente medieval, um mundo onde os dragões e as forças obscuras encontram-se dominados pelas forças do bem representadas pelo Império. Mas a ameaça paira no ar, estranhos acontecimentos parecem poder vir a alterar o equilíbrio existente. E só este grupo de heróis pode combater a ameaça.

DragoneroDragonero é um projecto já com alguns anos de Enoch (Gea, Morgana) e Vietti (Martyn Mystère, Nathan Never). Juntos amadureceram a ideia, implementaram algumas alterações e trouxeram Matteoti, um desconhecido, para dar vida gráfica à aventura. Uma aventura que respira o ambiente tolkieano por todo o lado: no grupo dos protagonistas, representado por um soldado, um mago, um orgue, uma guerreira, mas também na construção de todo um universo que bebe muito da sua inspiração na eterna luta entre o bem e o mal, entre um mago maléfico com um passado obscuro e que tenta conquistar o mundo e um outro, muito ligado aos métodos tradicionais e que representa um baluarte contra as forças do mal. Chegados aqui, a aventura afirma-se sempre muito linear, mas vai buscar grande parte da sua qualidade ao modo sempre enérgico e ritmado como é conduzida.

DragoneroOu seja, o leitor, apesar das suas quase 300 páginas, acaba por nunca relaxar, porque, após delinear muito bem os campos opostos, Enoch e Vietti oferecem um argumento grandioso na forma e no modo como tudo é conduzido. Dois campos que se opõem na eterna luta pelo poder mundial, mas também duas formas de ver o progresso e o combate às forças do mal. Aos métodos clássicos e que se inspiram em rituais antigos de Alben, contrapõe-se Myrva que representa o lado progressista e tecnológico da magia, nem sempre com os melhores resultados. São pontos a mais que os autores não descosem por completo, levando a crer que esta aventura completa pode muito bem vir a ter continuidade.

Matteoti faz aqui também um belo trabalho, mercê de um desenho preciso e detalhado e especialmente conseguido na interpretação dos ambientes arquitectónicos e naturais. Realce também para as várias sequências de acção, de que é perfeito exemplo toda a batalha final, e a construção de planos e enquadramentos.

Gli occhi e il buio
Romanzi a Fumetti Bonelli nº 2, editado em Novembro de 2007;

Gli occhi e il buioArgumento, roteiro, desenhos e capa: Gigi Simeoni

Tudo começa em Paris em 1907.
Alessandro Simonetti é um jovem pintor que teve uma infância difícil, mas que agora se prepara para casar com Luísa, uma jovem vinda da alta sociedade milanesa. Um dia acontece o drama e tudo muda quando Luísa morre num acidente de automóvel e Alessandro entra num estado de alucinação, interpretado como um sinal: no momento da morte da sua noiva, o jovem pintor vê nos olhos de Luísa a inspiração que buscava para aceder à arte pura. Um ano mais tarde, já depois de regressar a Milão, Alessandro continua a debater-se com o trágico passado que não lhe dá tréguas, atravessando um período de estagnação e acima de tudo recordando o que viu nos olhos de Luísa naquele fatídico dia. Um sinal, uma forma, algo de arte pura que o inspira a deixar a pintura clássica e a dedicar-se a outras experiências. Mas para isso Alessandro terá que buscar a mesma inspiração, terá que ver a morte nos olhos, terá que matar para procurar essa forma, esse sinal, essa arte pura.

Milão começa a ser atormentada por uma série de assassinatos sem que se saiba quem é o culpado. E é num perfeito clima de terror que o comissário Matteo De Vitalis e o jornalista Sante Ferrari começam a indagar e a investigar numa autêntica caça ao homem.
Escrito e desenhado por Gigi Simeoni (conhecido por Sime), “Gli Occhi e il Buio” custou dois anos de trabalho e é uma viagem alucinante entre razão e loucura, entre génio e raciocínio, entre liberdade expressiva e condicionamentos morais ou mais simplesmente, entre o bem e o mal. Em resumo, trata-se de uma bela surpresa, seguramente uma das melhores histórias que já li.

Gli occhi e il buioO argumento de Sime está cheio de pontos fortes, superiormente apresentados e desenvolvidos que lhe conferem uma qualidade que, mais do registar, importa pormenorizar. Toda a grandeza da obra começa no período escolhido, início do século XX, a Belle Époque, quando a Europa fervilhava de expansão e crescimento, um dinamismo que se estendia em todos os ângulos e que resultava num optimismo crescente. Sime oferece este retrato histórico, transpondo tudo para a realidade italiana da época, quando os periódicos “Il Secolo” e “Corriere della Sera” disputavam entre si a popularidade, quando o Futurismo preparava-se para trazer novos rumos e novas ideias a todos os campos da expressão artística ou quando a Itália orgulhosamente estava na vanguarda dos métodos científicos da investigação criminal. É neste cenário, neste ambiente e neste tempo que convincentemente Sime apresenta o seu argumento, feito de bases sólidas onde tudo é convincente, ritmado, com uma total ausência de cenas e diálogos gratuitos, que vem explorar o génio e a loucura de um pintor, mas também a razão e a inteligência de um comissário.

Tudo começa acidentalmente, quando Alessandro descobre uma forma nos olhos de Luísa no momento da morte desta. A transformação de Alessandro, um jovem pintor sensível e idealista num assassino compulsivo, frio e obcecado é então outro dos pontos fortes da obra. Esta descoberta vem inspirar o crivo artístico que Alessandro tanto almejava e procurava, levando-o a procurar novos caminhos para o seu processo criativo, de modo a poder reproduzir a sua imaginação nas telas. Este caminho leva-o à loucura da morte, da escuridão, da alteração completa da sua personalidade, deambulando entre génio e louco. A investigação inteligentemente conduzida pelo comissário De Vitalis, sempre em aproximação gradual ao assassino, é mais outro ponto forte do argumento. Numa altura em que os métodos científicos davam os primeiros passos na investigação criminal, De Vitalis tenta interpretar as atitudes do assassino, as suas motivações e os seus objectivos. No fundo, tanto Alessandro como De Vitalis surgem como intérpretes da alma humana. O jovem pintor logra manietar e iludir, enquanto o comissário interpreta as acções do criminoso, extraindo daqui uma coerente e racional explicação.

Gli occhi e il buioNão é apenas a temática que distingue a qualidade da obra, é sobretudo a narração fluida e moderna, sem pontos mortos, com diálogos bem construídos que, ao mesmo tempo, retratam a época. Todas as personagens são importantes ao desenrolar da acção, todas superiormente construídas, psicologicamente evoluídas, uma diversidade que contribui para uma dinâmica sempre em crescendo da trama. Exemplar o retrato dos dois protagonistas, cada um cerebral a seu modo e obcecados pelos seus objectivos. Alessandro vive atormentado pelo desejo de dar o salto criativo até outros patamares e outros horizontes, até ao ponto que permita a vanguarda artística. De Vitalis, a seu modo, também procura outros patamares, o da modernidade que representava a investigação por métodos científicos. Ambos lutavam contra o que estava estabelecido e será curioso salientar que é a morte de Luísa que vai permitir que ambos desenvolvam essa vertente.

A obra vale também muito pelo desenho detalhado, elegante e expressivo de Gigi Simeoni, um autor que já em 1996 recebera o prestigiado prémio “Fumo di China”para o melhor autor realístico ou ainda o prémio da crítica para a série “Hammer”. Sime não é portanto um desconhecido, os seus trabalhos também se estendem para séries como Lazarus Ledd, Nathan Never, Brandon ou Gregory Hunter. Graficamente “Gli Occhi e il Buio” constitui um trabalho maduro e de grande qualidade, com um traço a interpretar superiormente toda uma época, mas também a compulsiva loucura de um artista em busca de inspiração para novos rumos.
Numa verdadeira atmosfera de terror e crime, mas ao mesmo tempo fascinante, a obra é uma agradável surpresa que, como já alguém disse, é para ler como um romance mas para guardar como um filme.

Textos de Mário João Marques

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