O traço sintético em Tex

Por Sandro Palmas [1]

Os irmãos CESTARO

O Tex dos irmãos CestaroNos últimos anos temos assistido a uma proliferação de desenhadores da linha “suja” ou de traço extremamente sintético à “Giraud”. Dos cerca de 27 artistas que compõem actualmente a equipa de Tex,  são pelo menos seis os que assinalamos nesta arte que divide muitos defensores do traço clássico e “limpo” que pontualmente criticam, por vezes ferozmente, esta abordagem na concepção da sua personagem favorita. Um dos casos mais marcantes é aquele dos talentosos irmãos Cestaro, que em nome de uma originalidade finalmente conseguida, encontraram no fim de contas o seu Tex dando-lhe um traço rico e essencial ao mesmo tempo, quase mordaz, que muito difere das linhas harmónicas e limpas, que tinham caracterizado as suas primeiras provas texianas.

Alfonso FONT

O Tex de Alfonso FontFont é talvez o autor que melhor exemplifica a extremização representada pelo sintético. O seu é um traço deliberadamente impreciso e ao mesmo tempo vibrante e espaçoso, quase espontâneo. Os defensores olham com razão para o virtuosismo das suas páginas, a originalidade dos seus temas, a capacidade inata de controlar o espaço em branco do papel , à notável  veia criativa na representação dos ambientes e das pessoas. Os críticos não escondem a sua aversão pelo seu modo de desenhar Tex e os seus pards: nenhum cuidado especial aos detalhes, escassa aderência ao modelo clássico, traços somáticos quase apresenta quase simiescos ou de todo improváveis na iconografia texiana!

Corrado MASTANTUONO

O Tex de Corrado Mastantuono“Filho” artisticamente de Font, Mastantuono Tex fez a sua estreia em Tex com uma edição especial que arrancou muitos aplausos e confirmou o seu talento com a recente história sobre os guerrilheiros do Missouri, escrita para ele por Mauro Boselli. Traço muito sintético, como pode ser visto também na vinheta aqui ao lado, mas no todo muito mais ordenado do que a linha hispânica representada por Font e Bernet, e por isto muito mais agradável. Uma ideia de moderno que não quer ser em suma uma clara ruptura com o passado: é o mesmo discurso que a meu parecer pode ser feito para os irmãos Cestaro. Na definição das formas Mastantuono nunca é lapidar, distingue-se por um equilíbrio figurativo que o faz defender-se bem dos detractores desta arte.

Giovanni TICCI

O Tex de Giovanni TicciParece quase desrespeitoso incluir Ticci no nome dos autores desta linha. O seu traço quente e acolhedor, amado por gerações, foi durante longos anos o “cânone”. Infelizmente, nos últimos anos, no que muitos consideram ser uma evolução natural do seu traço, levou-o para longe daquele desenho realista, que tinha caracterizado as suas primeiras histórias. O mestre não está vinculado a qualquer um, é um autor completo, livre…  e afinal de contas, há trinta anos atrás “inovava”! As suas páginas actuais mostram para os profissionais, um sincretismo sem igual, uma linha expressionista-sintética, no melhor sentido da palavra. As páginas em antestreia do número 600, intitulado “I demoni del Nord” (“Os demónios do Norte“), que chega às bancas italiano em Outubro próximo, mostram um ulterior passo em frente, infelizmente com uma exasperação do claro-escuro que poderá resultar em última instância, e eu espero estar enganado, somente confuso. Uma “simplificação” que faz ter saudades da solidez das figuras do passado.

José ORTIZ

O Tex de José OrtizO traço de Ortiz não é mais aquele de há vinte anos atrás. Vamos ser claros, o que está errado com este autor que soube fazer-se bem querer há muitos anos atrás com o seu belíssimo Tex Gigante, são as quarenta páginas que desenha a cada mês e isso, obviamente, em detrimento de uma qualidade nas páginas de Tex que nunca deve faltar . Sei bem que esta minha crítica não será bem aceite por muitos leitores do blogue do Tex. Também conta muito, como com Ticci, a idade. Mas não pode e não deve ser uma desculpa. O desenho sintético parece assim uma natural consequência, mais do que um estilo “hispânico” querido e exportado para todo o mundo. Na sua arte ilustrativa e modeladora de outrora reconhecida a nível mundial, constatamos hoje o choque do trabalho que não é debitado à sua longa experiência e habilidade. Que não engane a imagem inserida ao lado, uma das melhores do último Maxi Tex, cuidadosamente escolhida a partir de uma ampla gama de vinhetas literalmente absurdas. Esperamo-lo no próximo mês com a história “Oltre il fiume” que trará o regresso de Cão Amarelo esperando que não nos obrigue a esconder o nosso embaraço ao compará-la com a obra-prima Bonelliana/Ticciana “Gli eroi di Devil Pass“. Cúmplices também os textos do último Claudio Nizzi…

[1] (Texto publicado originalmente no Tex Willer Forum, em 1 de Maio de 2010)
Tradução e adaptação a cargo de José Carlos Francisco

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

10 Comentários

  1. Beleza de post! Gosto mesmo desses desenhistas, são os que melhor, no meu entender, traduzem a proposta de Tex, um homem duro e implacável que não se seduz pela vida fácil, que não desiste diante das injustiças…
    Mas acho que há um mal entendido no texto. Giraud (e nenhum deles) é o que podemos chamar de “sintético” de síntesis, aqueles que dizem muito com pouco. Para ilustrar, sintéticos são, para mim, Milazzo, Parlov…
    Os desenhistas aqui citados,todos de traço “sujo”, que tem tudo a ver com um oeste rude, incivilizado, estão mais para a linha “expressionista”.

  2. Em minha opinião estes da lista são os melhores desenhistas de Tex. O traço “sujo”, hachurado e sintético combina melhor com o caráter das histórias do ranger.

    No que se refere às feições dos personagens, divido a lista do post em duas “escolas”: Font e Ortiz puxam mais para o lado do Tex “bronco” de Ticci, enquanto os Cestaro fazem um Tex mais apolíneo a la Villa. Mastantuono fica no caminho do meio.

    Vale lembrar, também, a arte elegante do Venturi. Em “O Matador de Índios” (sua primeira BD de Tex em 96) seu traço lembrava um pouco o atual dos Cestaro. Em “Florestas do Oregon” (2003), no entanto, ele apresenta um trabalho bem mais original, sintético mas sem o “caos” das hachuras de um Font ou Ortiz. Suas pinceladas são vigorosas e precisas, como as de um Darwyn Cooke (“Parker: the Hunter“) ou Bruce Timm, mas sem a aparência de cartoon.

  3. Um artista que eu tenho dificuldade em definir é Civitelli. A resolução que ele tem para o Tex é limpa, com poucos traços. São seus ambientes que são carregados, muito trabalhados, densos. Mas não “sujos”. Grande artista esse Civitelli…

  4. Civitelli é um cara meticuloso, rsrs. E paciente! Admiro o trabalho dele, mas nessa linha mais realista minha preferência é por artistas como Frisenda (um dos melhores que já vi!) e Villa.

  5. Para mim Villa só é artista de capas. Suas histórias carecem de uma ambientação autêntica. Dê uma olhada, caro pard, nas ruas que ele desenha e suas personagens parecerão estar à toa, como bonecos, ninguém fazendo coisa com coisa, uma vida cotidiana. Frisenda nesse aspecto é muito melhor, um Milazzo revigorado, embora mais sujo…

  6. O que??? “Villa só é artista de capas” ?
    Então devemos privar Villa de fazer as capas de Tex, pois em muitas delas aparecem pessoas como “bonecos” fazendo nada com nada ou coisa com coisa.
    E também de ilustrar histórias maravilhosas como as que ele já fez?
    Quando vc cita “bonecos” deveria olhar então nas histórias de Letteri, apesar desse artista não ter à ver com o assunto acima, este sim desenhava verdadeiros bonecos.
    Villa é e vc sabe disso amigo Mário um desenhador genial e digno de ilustrar centenas de histórias de Tex, com ou sem bonecos nas ruas.
    Agora, Frisenda é como disse o amigo Henrique, um dos melhores que já vi, um desenhador fabuloso tal qual o seu mestre Milazzo.
    Quanto ao traço sintético de Tex, desde que o artista tenha o talento de Alberto Giolitti, o mestre dos mestres, Ticci, Villa, tá valendo.

    Nei campos
    Um abraço.

  7. Nei, no Fórum Tex BR o Giolitti recebeu votos numa enquete de pior desenhista de Tex, rsrs. Nunca li uma história dele, mas, pelo que já vi na Internet, ele realmente capricha na feiura do ranger!

    Já gostei muito do trabalho do Letteri também, mas a arte dele “escorrega” horrivelmente em certas histórias. Comprei recentemente, por exemplo, um Tex Ouro com a história “O Estripador” e achei que o Letteri errou demais a mão naquela.

    Mário, discordo quanto ao Villa… Dos artistas de Tex mais realistas, considero ele um dos melhores. Não tem o traço “travado” como Civitelli e seus personagens parecem melhor integrados ao cenário no que se refere à quantidade de detalhes. E os ambientes que cria, como na primeira história do Tigre Negro, por exemplo, são fascinantes! Também gosto muito das capas do Villa, acho bem mais dinâmicas e interessantes do que as do Galep.

    Mas concordo com você quanto ao Frisenda: o cara está um nivel acima de todos.

  8. Caros,
    Em breve vou postar um texto, com imagens, de um trabalho do Letteri que com certeza vai mostrar que este fabuloso autor foi mais que um simples desenhador de “bonecos”!
    Sempre gostei do trabalho do Giolitti (mesmo quando não sabia que era ele a desenhar e pensava que era o Ticci) mais ainda quando descobri que ele foi mestre do Grande Ticci!
    Sou fã incondicional de Villa depois de ter lido a fantástica aventura chamada Um Homem Sem Passado! Um Villa em estado de perfeição com um domínio do claro/escuro inesperado e surpreendente!

    Jesus Ferreira

  9. Henrique vc terá a oportunidade agora em setembro de ler uma história de Giolitti em Tex Ouro n.56, Caçadores de Lobos e poderá observar melhor todo o seu talento.
    Quanto à “feiura” do ranger, realmente ele fazia um Tex “bronco”, eu acho interessante, Tex não deve ser “bonitinho” até porque já tem uma certa idade, rsrsrs
    A enquete eu não vi, gostaria de ver, vc pode me passar como encontrá-la no fórum?
    Me desculpe o amigo Jesus Ferreira, mas quanto à Letteri na minha opinião não é um bom desenhador, pelo menos para o gênero western.
    Aproveito para lhe pedir um favor Jesus, é possível vc postar também imagens do Giolitti? Assim quem não conhece seu trabalho poderá tirar suas conclusões.
    Vc lembrou bem, Giolitti foi o grande mestre do genial Ticci, à propósito na sua opinião quem é melhor Giolitti ou Letteri?

    Nei campos.
    Um abraço à todos os texianos!

  10. Olá amigo Nei. Eu vou postar umas imagens do Giolitti também retiradas da coleção storica a colori para os amigos que ainda não conhecem o trabalho deste grande artista apreciarem.
    Falando na história “Caçadores de Lobos” ou “O Massacre de Red Hill“, esta aventura é marcante pois representa o ultimo trabalho de Giolitti com o Ranger. Infelizmente ele nos deixou enquanto trabalhava em esta história e a mesma foi concluída por seu discípulo Ticci.
    Quanto a quem é melhor: Giolitti ou Letteri, não há como fazer estas comparações, pard, pois são estilos diferentes. Posso dizer que gosto muito de ambos. Reconheço que Giolitti tem mais recursos que o Letteri, mas mesmo assim não posso deixar de admirar o trabalho que Letteri que ajudou a levar adiante a lenda do Ranger.
    Abraço, pard.
    Jesus Ferreira

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