Entrevista exclusiva: CLAUDIO VILLA

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco, com a colaboração de Carlos Rico e Mário João Marques na formulação das perguntas e de Gianni Petino e Paulo Guanaes (tradutor de Tex para o Brasil) na tradução e revisão.

Claudio VillaClaudio, que lugar teve a Banda Desenhada, especialmente a BD “Bonelli” na sua infância?
Claudio Villa: Muito importante: quando eu era criança, meu pai, como grande aficionado, trazia muitas revistas de banda desenhada para casa: Tex, Zagor, Batman, Super-Homem… uma colecção que na Itália se chamava I classici dell’Audacia e continha as histórias de Michel Vaillant, Ric Roland, e o melhor da banda desenhada europeia da época.
No início, eu senti-me atraído por Zagor e por seu traje de super-herói. A história da qual mais gostei foi O Rei das Águias (Zagor 30 – Editora Vecchi), junto com a de Moloch (desenhada por aquele que se viria a tornar o meu mestre: Franco Bignotti). Mais tarde descobri Tex e o seu mundo, e também os super-heróis americanos (um Batman ainda com o traje vermelho e um Super-Homem que se chamava Nembo Kid, sem a letra esse no peito).*
* Quando o Super-Homem foi publicado pela primeira vez na Itália, em 1939, foi baptizado de Ciclone. E assim ficou até 1954, quando mudou de editora e passou a ser conhecido como Nembo Kid. Só em 1971 é que a personagem foi denominada como na  origem: Superman. Até essa data, o Super-Homem italiano usava o emblema do uniforme alterado, sem o “S” e todo amarelo.

Como chegou a desenhador de BD? Por vocação ou por acaso?
Claudio Villa: Nada acontece por acaso…
Ao olhar para trás, vejo a “estrada” com as incríveis “encruzilhadas” que me trouxeram até aqui. De minha parte, esforcei-me muito para fazer a coisa certa e responder à responsabilidade e ao dom que Deus me deu.

Claudio Villa desenhandoQuais são as suas influências?
Claudio Villa: Muitas: Curt Swan (Super-Homem), Neal Adams (Batman) Galep, Ferri, Ticci, Bignotti, Diso, Civitelli… continuo a “olhar as figuras”, como as crianças, e sempre me sinto fascinado por um “belo desenho”.
Actualmente, acompanho o trabalho de Alex Ross e encontro novos estímulos.

Quais são as suas fontes? Dedica muito do seu tempo a documentar-se?
Claudio Villa: São múltiplas: desde os filmes às bandas desenhadas de faroeste, que uso para a documentação dos ambientes. Quanto aos cavalos, “saqueei” quiosques em busca de revistas adequadas e acabei reunindo um arquivo importante.
Leva tempo, é verdade, mas o arquivo e o conhecimento são duas coisas importantíssimas para o meu trabalho.

Águia da NoiteComo foi o seu encontro com Tex e o que é que ele representa para si?
Claudio Villa: Como leitor, por volta dos 13/14 anos, fiquei fascinado com a história “Sulle piste del nord” (no Brasil: Flechas Pretas Assassinas – Tex 50 a 52, Editora Vecchi), que ainda hoje releio com prazer, como se fosse a primeira vez. Foi ali que conheci o verdadeiro Tex: determinado, com valores sólidos no coração, cercado por parceiros que dariam a vida um pelo outro e que não se detêm diante de nada. Uma companhia de heróis.
Hoje, Tex representa o mito.

O que representa para si, ser o desenhador oficial das capas de Tex, mais a mais substituindo o seu criador gráfico Galleppini?
Claudio Villa: Uma grande honra, mas também uma grande responsabilidade.
Em relação a quem trabalhou antes de mim e em relação aos leitores que têm o direito de “reconhecer” o “seu” Tex nas bancas…

José Carlos Francisco, Tex e Claudio VillaPode-nos dizer como é todo o processo de criação de uma capa de Tex. Que critérios são utilizados para escolher o desenho de uma capa? Quem escolhe a cena que serve de capa? Há algum cuidado em escolher uma cena importante ou que represente o climax da história ou, pelo contrário, escolhe-se outra cena qualquer de modo a não revelar ao leitor o final da história?
Claudio Villa: Tudo nasce na editora, onde Sergio Bonelli examina pessoalmente a história em questão. Procura uma cena “de capa” entre as vinhetas desenhadas, elabora um esboço veloz que me é enviado por fax, junto às cópias das páginas correspondentes (em geral, duas ou três).
A partir daí, começo a trabalhar, preparando a cena “de capa”.
Em síntese, é preciso cuidar do enquadramento, da luz e do movimento das personagens: a capa deve contar sem revelar, deve ser legível e imediata, deve interessar e ser suficientemente dinâmica.
Às vezes, falta uma cena significativa e então ela é “construída” com os elementos extraídos da história.

Moreno Burattini, José Carlos Francisco, Claudio Villa e DorivalQuantas maquetes faz, em média, para o desenho de uma capa? E quanto tempo leva em média a fazer uma capa de Tex?
Claudio Villa: Depende da dificuldade da cena. Algumas vezes, para conseguir o melhor, cheguei a seis, sete esboços. É incrível de quantas maneiras se pode contar, em igualdade de situação, uma cena. E cada vez descobrir uma “temperatura” diferente, só deslocando o ponto de vista, a luz ou a disposição das personagens.

Se houver necessidade de alguma modificação depois de concluída, como é que a editora procede?
Claudio Villa: Avisa-me e o trabalho é executado pelos competentes artistas gráficos internos.

OriginaisÉ o responsável pela cor dos desenhos das capas ou esse trabalho é feito por outro artista?
Claudio Villa: Eu dou uma “indicação” de cor: faço uma fotocópia em A4 a preto e branco e passo a colori-la com tintas líquidas, pintando-a como gostaria de vê-la impressa, pois é o impressor que deve, com os seus instrumentos, aproximar-se daquilo que fiz…

De entre as inúmeras capas que já realizou para Tex, houve alguma que lhe tenha dado especial trabalho? Recorda-se de algum pormenor, alguma situação, algum personagem que tenha sido especialmente difícil de desenhar numa capa de Tex?
Claudio Villa: São todas difíceis, quanto mais não fosse pelo número de capas existentes e haver o risco contínuo de se assemelharem.
Não me recordo de particulares dificuldades, porque o grau de dificuldade é sempre bastante elevado…

Claudio Villa autografandoComo está a ser a experiência de realizar capas de Tex para a “Collezione Storica a Colori”, já que é posta em prática uma técnica totalmente diferente daquela usada por si nas capas da série inédita e nos “pósteres” incluídos em Tex Nuova Ristampa? É que as capas recordam as primeiras vinhetas executadas por Galep nos anos cinquenta…
Claudio Villa: As capas lembram as primeiríssimas vinhetas executadas por Galep nos anos cinquenta.
A ideia era mesmo aquela: restituir a atmosfera de Galep daqueles anos, respeitando “o olho” de 2007. Não foi fácil, porque eu tinha de modificar o meu estilo e o tormento de não conseguir “agarrar” o “modo” de Galep era grande…

Está ciente que você é um dos melhores desenhadores de sempre da série e que os leitores guardam sempre grandes expectativas perante os seus trabalhos?
Claudio Villa: Bondade deles… eu sei apenas que a cada dia aguarda-me um trabalho novo para o mito de Tex.

Os 4 pardsComo se processa o seu relacionamento e  o trabalho com os argumentistas que escreveram aventuras texianas para si?
Claudio Villa: Lentamente…

Os roteiros que recebe são em geral muito ou pouco detalhados no que diz respeito à arte?
Claudio Villa: Detalhados na medida certa, para deixar a imaginação trabalhar.

Qual foi para si o melhor trabalho para Tex? E o mais difícil?
Claudio Villa: Espero sempre que seja o próximo. O mais difícil? Mefisto.

Claudio Villa e seus fãsComo é que lida com o constante assédio dos leitores a pedirem mais aventuras de Tex?
Claudio Villa: Armando o cão do colt.

Ainda vamos ver uma aventura de Tex também escrita por si?
Claudio Villa: Duvido…

O que nos pode dizer da história de Mauro Boselli que está a desenhar?
Claudio Villa: É belíssima.

Prancha de Claudio VillaComo é o seu processo de criação? Faz uma página completa e depois passa a outra? E que materiais utiliza?
Claudio Villa: Procuro fazer uma página completa, com lápis e acabamento. Os materiais são os clássicos: lápis, nanquim, pincel fino e caneta de ponta porosa…

De que modo é que o Claudio Villa consegue trazer novos leitores para Tex?
Claudio Villa: Não sei se consigo, mas procuro fazê-lo cuidando da “montra” de Tex: a capa.

No Brasil, “Tex Edição Histórica” sempre teve capas tuas, extraídas dos teus pósteres em Tex Nuova Ristampa, mas hoje em dia a Mythos Editora também os usa para a capa das séries “Grandes Clássicos do Tex“, “Tex Férias” e “Tex Ouro“, devido aos inúmeros elogios dos leitores. O que sente ao saber que a editora brasileira está a apostar forte nesses seus desenhos?
Claudio Villa: Enche-me de satisfação e preocupa-me pela responsabilidade…

Tex Willer por Claudio VillaEm Portugal tivemos em 2007 uma antestreia mundial de quinze novos desenhadores de Tex. Como vê esta entrada de tantos novos desenhadores para o staff de Tex? Será que isto pode marcar uma nova fase na vida da série?
Claudio Villa: É inevitável que aconteça. Espero que aconteça sempre, quer dizer que Tex terá continuidade…

O facto de Tex ser desenhado por vários autores (de estilos bem diferentes) é, na sua opinião, mais ou menos vantajoso para a série? E porquê?
Claudio Villa: É, sem dúvida, uma vantagem, mas Tex deve permanecer Tex.

Acha que também deverá haver entrada de novos argumentistas?
Claudio Villa: Já está ocorrendo.

Dorival Vitor Lopes e Claudio VillaQual será o futuro de Tex?
Claudio Villa: Enquanto houver leitores, ele estará nos quiosques a esperá-los.

E qual o futuro de Claudio Villa?
Claudio Villa: Enquanto houver Tex…

Dentro da BD, os fumetti da SBE foram sempre o seu objectivo ou teria preferido fazer “BD de autor” como Pratt, Battaglia, Toppi ou Manara?
Claudio Villa: Gosto de desenhar e não vejo distinção entre BD de autor e não de autor. A diferença que vejo é entre uma história bem feita e uma história não bem feita. Procuro criar histórias que sejam bem feitas…

O Demolidor do VillaPode nos contar como foi a sua recente experiência em desenhar os heróis da Marvel? Será uma experiência a repetir no futuro?
Claudio Villa: Foi como dar um mergulho em um outro oceano.
Belo e agradável, não muito longo e, quando voltei, estava mais motivado com Tex, embora eu nunca o tenha abandonado…
Não sei se haverá uma outra experiência…

Quais são as bandas desenhadas que lê actualmente ou com que mais se identifica?
Claudio Villa: Olho as figuras. E as que olho com mais prazer são as de Alex Ross.

Para além de banda desenhada, que tipo de livros lê? E a nível de cinema e de música, quais são as suas preferências?
Sob a ameaça de TexClaudio Villa: Li e reli o livro de Zanardi (um piloto de corridas, campeão de Kart em 1997 e 1998) porque sou apaixonado por corridas… gosto um pouco de toda a música “tranquila”, da clássica aos cantores-autores italianos (Baglioni) e, quanto aos filmes, não tenho autor ou género preferido. Gostei muito de Matrix.

Claudio, em nome dos Texianos portugueses, muito obrigado pela entrevista que gentilmente nos concedeu.
Claudio Villa: Saúdo calorosamente os leitores portugueses!

Fotografias de José Carlos Francisco e Omar “Stimeex”
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

25 Comentários

  1. Zeca, Parabéns!!!

    Excelente entrevista, que nos mostrou mais detalhes da carreira deste excelente artista. Quase tão bom quanto o Civitelli. 🙂

    Que venham outras ótimas entrevistas, como esta.

    Aliás, como ficou aquela outra, com uma grande figura do mundo Bonelli brasileiro, que você estava preparando no ano passado?

    Abraços

    Alvarez

  2. Em nome do blogue, gostaria de agradecer o trabalho de todos os que colaboraram para mais uma entrevista a um grande autor. Sem fazer excepções, obrigado José Carlos, obrigado Carlos Rico, um grande obrigado ao Gianni por mais um trabalho de grande envergadura e obrigado ao Paulo Guanaes.
    Mário João Marques

  3. Mais uma fenomenal e emocionante entrevista! E as fotos foram muito bem escolhidas para acompanhar o texto. Parabéns.
    Orlando Santos Silva

  4. Alvarez, grande pard e Amigo,
    Obrigado em nome do blogue, pelas suas palavras quanto à entrevista com o Claudio Villa, que realmente ficou muito boa.

    Quanto a novas entrevistas deste quilate, com autores do mundo de Tex, em breve contamos ter mais algumas, pois já estamos a trabalhar com as entrevistas de Mauro Boselli, Gianfranco Manfredi, Tito Faraci e os irmãos Cestaro… depois decerto se seguirão outras para ficarmos todos a saber mais destes artistas que tanto prezamos.

    Também estamos trabalhando em entrevistas com grandes figuras brasileiras do mundo Texiano… pois em breve também teremos entrevistas com Júlio Schneider, Marcos Maldonado e Paulo Guanaes. Quanto à a entrevista com o editor Dorival está para já em stand-by uma vez que está sem tempo disponível no presente para responder às inúmeras questões colocadas pelo blogue do Tex… resta-nos aguardar!

    Um grande abraço de toda a equipa do blogue, abraço extensivo ao pard Orlando!

  5. Como bem diz Claudio Villa nesta entrevista, não há distinção entre BD de autor e BD “sui generis”. A única diferença é entre BD bem feita e BD para consumo fácil, isto é, entre o talento e a mediocridade, ou se quisernos, o comercialismo puro e simples.

    Como é que a Bonelli consegue ter ao seu serviço desenhadores deste calibre, sem perder a sua faceta de editora popular? O segredo está, obviamente, no lugar que dá ao talento, demonstrando assim que respeita os seus leitores e não tenta vender-lhes “gato por lebre”.

    Gosto muito da arte de Claudio Villa e sou da opinião corrente de que ele inaugurou uma nova época na série de TEX, com as suas magníficas capas, sucedendo por direito próprio a Galep. Se este sempre manteve um registo clássico nas capas de TEX, fiel à estética dos cartazes dos “westerns” série B dos anos 40 e 50, Villa é mais moderno, inovando tanto na forma como no conteúdo. Nos seus “quadros” (leia-se capas) há sempre uma tensão oculta, que se manifesta nas linhas de força da composição – a qual procura sempre enquadramentos cimnmatográficos – e se transmite ao leitor, despertando-lhe por si só o desejo absorvente de ler a história.

    Parabéns, Claudio Villa, e que continues a encantar-nos com a tua arte e a tua visão de TEX e do “western” ainda durante muito tempo, pois essas ilustrações já se tornaram uma das mais valiosas “imagens de marca” do nosso Ranger!

    Jorge Magalhães

  6. Grande Jorge Magalhães,
    Mais uma vez uma bela lição de banda desenhada, sobretudo uma lição para muitos intelectuais que por aí proliferam e que mais não fazem senão criar barreiras entre os leitores e afastar muitas vezes o público da banda desenhada. Eu concordo com tudo o que disse e ainda há relativamente pouco tempo estive a ler uma edição especial da revista francesa “Lire” dedicada a Goscinny, onde se salientou esse mesmo facto do ultimato. Para mim, Jean Giraud é um extraordinário desenhador em Blueberry, enquanto que Moebius uma faceta da sua versatilidade que eu aprecio menos. Mas são meras opiniões.
    Já sobre as capas de Tex não me canso de o referir, aliás como o fiz no balanço de 2007, que Villa é um extraordinário desenhador e que elabora verdadeiros quadros com as suas capas. Algumas bem presentes nas minhas paredes.
    Um abraço
    Mário João Marques

  7. Não posso deixar de fazer mais alguns comentários a esta interessante entrevista com Claudio Villa, que durante bastante tempo reterei na memória.

    A designação “BD de autor” é ridícula, sempre foi ridícula, não passa de um chavão de intelectuais que, a partir de meados dos anos 70, quiseram transformar a BD de gosto popular numa arte elistista para jovens universitários.

    Esse movimento começou a impor-se quando, no entusiasmo do Maio de 1968, um grupo de colaboradores da mítica revista “Pilote”, encabeçado por Jean Giraud/Moebius, se “revoltou” contra os seus chefes de redacção, Charlier e Goscinny, impondo-lhes regras “revolucionárias” que transformaram o “Pilote”, durante algum tempo, numa revista completamente diferente, uma espécie de manual político ao gosto dos tais estudantes da Sorbonne que manipulavam a BD sem nunca a terem lido na sua infância.

    Sabe-se que Goscinny ficou profundamente abalado com esse ultimato, considerando-o justamente um acto de ingratidão. Talvez por isso continuo pessoalmente a preferir a primeira fase do “Pilote”, quando os heróis ainda não eram para consumo das minorias.
    Claro que Moebius não precisava desse “rótulo” de intelectual para se afirmar como autor vanguardista e de culto (o que é outra coisa), nem o seu duplo Jean Giraud voltou as costas à BD popular, ficando para sempre ligado a uma das maiores criações do “western”: o incontornável Blueberry, o único grande rival de TEX. No mesmo plano, para que precisa Claudio Villa da consagração intelectual para ser considerado também um “autor de culto”?

    Há artistas que ficam no coração dos leitores e outros que são rapidamente esquecidos…

    Jorge Magalhães

  8. Obrigado, amigo Mário, pelo seu amável comentário, mas não pretendi dar uma lição a ninguém, apenas salientar a resposta do Claudio Villa a uma questão recorrente e que se presta a muitas confusões: a chamada “BD de autor”!

    Nos anos 70, como sabe, começaram a proliferar os álbuns e isso contribuiu, de certa forma, para aumentar o fosso entre BD popular e BD elitista (ou BD para adultos, como eufemisticamente passou também a chamar-se), pois muitos autores não conseguiram alcançar esse estatuto, permanecendo esquecidos e quase incógnitos nas páginas das revistas. Estou a lembrar-me, por exemplo, de dois desenhadores de grande prestígio nos anos 50, Noel Gloesner e Christian Mathelot, ambos com um traço admirável, que deixaram muitas criações excepcionais nas páginas do “Coq Hardi”, da “Mireille” e de outras revistas francesas (e por cá no saudoso “Cavaleiro Andante”) e que hoje, por terem publicado poucos álbuns, raramente merecem mais do que duas ou três linhas nas mais reputadas Enciclopédias de BD. E como eles há muitos mais!…

    Quanto a Giraud, apesar daquele lamentável episódio do ultimato a Goscinny, continua a ser um dos desenhadores franco-belgas que mais admiro actualmente, tanto numa como noutra identidade, pois foi um dos poucos que demonstrou verdadeiro talento numa altura em que era fácil mistificar os editores e o público com a aparência de um falso experimentalismo.

    E acrescento, sem imodéstia, que me orgulho de ter conseguido que “O Mosquito” da Editorial Futura fosse a primeira revista a publicar histórias de Moebius em Portugal.

    Um grande abraço e parabéns pelos seus excelentes artigos.
    Jorge Magalhães

  9. Meu caro Jorge Magalhães
    Eu sei que não pretendeu dar nenhuma lição a ninguém, e peço desculpa se isso ficou inadvertidamente legível no meu comentário. Mas quando leio as suas linhas sinto que estou em presença de um profundo conhecedor da banda desenhada, alguém que sabe o que ela representa e como ela deve ser apreciada, sem cair em fossos que a dividam seja no que fôr. Infelizmente, muitos querem tornar a banda desenhada em algo elitista e depreciar a banda desenhada popular. E é contra isso que eu estou e sempre estarei. Sou um amante da banda desenhada no seu geral. Leio um pouco de tudo, mas tenho, como em tudo na vida, as minhas preferências. E desculpem alguns se Tex é uma delas.
    Fico feliz quando vejo um autor como Claudio Villa ser hoje apreciado por muitos, mesmo por aqueles que não estão habituados a acompanhar Tex. É que o homem é um notável autor e queiram os astros que eu um dia possa estar com ele e poder agradecer o que tem feito por Tex.

  10. Pelos vistos, e apesar da nossa diferença de idades, militamos os dois nas mesmas fileiras, embora eu esteja longe de possuir os seus conhecimentos sobre tudo o que se relaciona com o extraordinário mundo de Tex.

    Creio que só pode amar a banda desenhada em todas as suas vertentes, e particularmente a BD popular, quem a consumiu desde que aprendeu as primeiras letras, como foi o meu caso. Ao ler “O Mosquito”, o “Diabrete”, o “Cavaleiro Andante” e o “Mundo de Aventuras” descobri um maravilhoso mundo de fantasia e emoção que me acompanhou pela vida fora, às vezes com bastante prejuizo da bolsa (risos…). Por isso, não faço distinções entre a BD no sentido lato e outras formas de cultura elitista que pretendem encerrá-la num “ghetto”, condenando-a às prateleiras das livrarias e das Fnac’s, quando ela devia era estar exposta nas bancas dos jornais, como antigamente, e chegar a todas as camadas de público, sobretudo as mais jovens.

    Como já tive ocasião de dizer, os álbuns foram apenas mais uma etapa nessa consagração ilusória da BD como fenómeno artístico, aumentando o seu circuito de difusão e o seu sucesso comercial, mas ao mesmo tempo contribuindo para o fim das revistas periódicas e para a perda potencial dos leitores mais novos, que como sabemos lêem cada vez menos livros. Com características idênticas, os álbuns, por serem mais caros e pelas suas temáticas, destinam-se cada vez mais a um público adulto ou maioritariamente acima dos 20 anos, que é volúvel por natureza e não tem os hábitos compulsivos de leitura da minha geração, quando as revistas de quadradinhos nos batiam à porta todas as semanas, com o inefável “continua” no rodapé de cada página.

    Bons tempos… mas a vida continua e, como tudo é um eterno ciclo, chegarão de certeza melhores dias para a BD popular, como felizmente acontece em Itália com o nosso Tex e outros heróis bonelianos. Aliás, há outras editoras, ou melhor uma série de pequenos faneditores que também alimentam a chama, fazendo sucessivas reedições dos “fumeti” da época de ouro. Basta ler o extenso noticiário da revista especializada “Il Fumetto” para ficarmos espantados com a vitalidade desse movimento, que prova que a BD popular continua de vento em popa nesse maravilhoso país, reino da arte e da cultura, que é a Itália.
    Muito mais haveria dizer sobre este assunto, mas não quero que o meu comentário se transforme numa dissertação.

    Abraços do
    Jorge Magalhães

  11. Os seus comentários são muito bem vindos, nunca me canso de dizer e sublinhar os profundos conhecimentos que o Jorge tem, para mim verdadeiras lições da chamada 9ª Arte, uma arte que aprendi a amar desde tenra idade. Uma idade que não me permitiu conhecer a fundo revistas míticas como o Cavaleiro Andante, o Diabrete ou o Mosquito de que fala, mas que permitiu-me ir a tempo de ler compulsivamente tudo o que o Mundo de Aventuras publicou nos seus cerca de 600 últimos números. Permitiu-me ler o Jornal do Cuto, de coleccionar religiosamente o Tintim que a minha mãe me prometeu comprar se eu dormisse a sesta. Desde essa altura nunca mais larguei a banda desenhada e posso dizer que nela colhi muitos dos valores que hoje me norteiam.
    Todos os dias corria apressadamente até às bancas para comprar uma revista, porque havia sempre alguma e isso permitiu-me poder apreciar os bons clássicos americanos, os bons autores sul-americanos, a pujante escola franco-belga e o Tex, esse célebre ranger que tantas alegrias me tem dado. Hoje, para além das suas aventuras e do seu universo, Tex ajudou-me a descobrir amizades e pessoas com valores. Obrigado.

  12. Meus caros Jorge e Mário:
    Permitam-me “meter a colher” neste interessante diálogo e dizer-lhes que as vossas palavras fizeram-me recordar os anos 70 e 80 quando, como dizem, as revistas de BD proliferavam nas bancas de jornais. Recordo-me especialmente de, em 1976, quando estive internado em Stª. Marta, os meus pais me traziam todos os dias uma revista de BD para me ajudar a passar melhor o tempo. Todas essas revistas fazem hoje parte da minha bedeteca particular e, quando as folheio, parece-me que o tempo volta para trás (como dizia a canção) e que me transformo de novo naquela criança de oito anos que consumia, sofregamente, cada página de aventura.

    Recordo, com especial saudade, revistas como “Tarzan” (onde o personagem era desenhado com uma espécie de calções de atleta olímpico e, às costas, trazia sempre uma aljava com flechas e o respectivo arco!), “Korak, o filho de Tarzan” (com desenhos muito fracos mas com aventuras que ainda hoje recordo!), “Condor” (onde os meus personagens favoritos eram o Sargento Jim Canadá, da célebre Polícia Montada, e Caribou, uma espécie de réplica de David Crocket!). Depois havia também o Kalar (uma série que se passava em África, com desenhos maravilhosos de um autor que desconheço) e o Super Boy (um super-herói que, creio, tinha origens europeias, se não estou em erro).

    Um pouco mais tarde, já nos anos 80, recordo-me de, na última fase do Mundo de Aventuras, ter descoberto algumas séries de grande qualidade como por exemplo Jess Long (um policial americano), entre outras.
    Quanto aos álbuns, o primeiro que comprei foi um da série Lucky Luke (por sinal um dos melhores, quanto a mim), numa Feira do Livro: “Jesse James”.

    A pouco e pouco, os álbuns foram tomando o lugar das revistas, com todos os prós e (especialmente) contras que isso acarretou para a BD…
    Mas tenhamos esperança que melhores dias virão…
    Grande abraço a ambos.
    Carlos Rico

  13. Carlos,
    Essa retrospectiva que fez também me fez recuar no tempo. De um tempo em que as revistas de BD constituiam uma companhia hoje substituída por outras atracções. Os tempos mudam naturalmente, mas ninguém nos levará a mal um pouco de saudosismo de um tempo em que havia precisamente tempo para disfrutar dessas séries de que fala, mas também do ENE3, do Ogan, do Major Alvega (todos no Falcão), dos Rip Kirby, dos Flash Gordon, dos Mandrake, dos Fantasma, das Modesty Blaise, enfim, uma galeria extensa de heróis que marcaram um tempo.
    Também comigo os álbuns foram substituindo as revistas, porque estas foram acabando, se bem que ainda hoje compre algumas francesas que ainda vão sendo publicadas.
    Um grande abraço
    Mário

  14. Meus caros Mário João Marques e Carlos Rico:
    É sempre com grande satisfação que alguém da “velha guarda” como eu pode partilhar os seus pequenos prazeres com aficcionados mais novos mas não menos entusiásticos e que ainda por cima cultivam o amor das letras e das artes, pondo-o ao serviço da Banda Desenhada de forma tão talentosa como vós.

    É um facto que não podemos nem devemos viver no passado, mas como também se diz que “recordar é viver” não admira que, de vez em quando, evoquemos esse passado ainda tão próximo em que a BD popular florescia nos quiosques e nas bancas de jornais, a preços módicos e com uma enorme variedade de títulos, que apesar de hoje serem quase desprezados -ou seja, raramente se encontram e não são “coleccionáveis” – proporcionaram muitas horas de divertimento e de evasão a milhares de jovens, incutindo-lhes naturalmente o “vício” da leitura.

    Por outro lado, um dos grandes méritos das revistas, mesmo na sua última fase, em plenos anos 70 e 80, era o contacto vivo e permanente que mantinham ocm os leitores através das suas secções de correspondência, contacto esse que, como é óbvio, está ausente dos álbuns, como se estes pertencessem a outro universo, individual e solitário, em que o leitor apenas pode comunicar com si próprio.

    Claro que os álbuns também fazem falta, como veículo de promoção dos autores e de dignificação das suas próprias obras, que, de outra forma, seriam provavelmente relegadas a um estatuto inferior, como acontece com a dita BD popular, a BD dos jornais e das revistas. Mas lembro-me de que os álbuns nasceram como complemento natural das histórias que eram publicadas semanalmente em revistas como o “Tintin” e o “Spirou”, porque alguém como Raimond Leblanc e Charles Dupuis teve a visão suficiente para augurar à BD uma vida mais longa e um sucesso comercial mais proveitoso se ela saltasse das páginas dos jornais para a de álbuns encadernados ou brochados de vistosa apresentação, que se podiam ler(ou reler) de um fôlego.

    É curioso que, quando eu estava na Agência Portuguesa de Revistas, surgiu a ideia, mais ou menos em meados dos anos 70, de publicar também álbuns com séries de grande qualidade como “Os Náufragos do Tempo”, de Paul Gillon, e “Mathai-Dor”, de Vitor de La Fuente, além de outras personagens como o “Tarzan” de Russ Manning e o próprio “Príncipe Valente” de Harold Foster. Mas a Agência sempre tinha sido uma editora de características essencialmente populares, vocacionada para a distribuição em bancas e quiosques, e falhou por isso no planeamento comercial dos álbuns, vendendo-os a preços muitos baixos fora do circuito das livrarias, ou seja, matando a “galinha dos ovos de ouro” logo à nascença…

    Nos anos 90, já depois do “Mundo de Aventuras”, do “Tintin”, do “Jornal do Cuto” e do “Falcão”, últimos redutos da BD popular, terem desaparecido, provou-se que ainda havia espaço para uma revista periódica com o aparecimento das “Selecções BD”, que na sua 2ª série, que eu coordenei, vendia mais de 7.500 exemplares! Quantos álbuns conseguem hoje em dia alcançar essa tiragem, mesmo em editoras como a ASA?

    As “Selecções” foram para mim a derradeira experiência em termos profissionais e talvez aquela que mais saudades me deixou, apesar dos 13 anos que passei a trabalhar no “Mundo de Aventuras”, pois proporcionou-me o contacto com a geração do fim do século, uma geração que parecia “perdida” para toda a BD que não viesse do Japão ou dos Estados Unidos e afinal acabou por constituir uma bela surpresa, tanto pelo entusiasmo com que apoiou a revista como pelas potencialidades artísticas que revelou, a avaliar pelos inúmeros trabalhos que recebemos na redacção e que excederam todas as minhas expectativas, mesmo comparativamente com a rubrica congénere, os “Novos da BD Portuguesa”, que orientei no “Mundo de Aventuras”.
    Para terminar, quero informar o meu grande Amigo Carlos Rico que o principal desenhador do Kalar era um artista espanhol chamado Marco Nadal, infelizmente já falecido – e que até chegou a vir ao Festival da Amadora – e que o desenhador do Super-Boy era o francês Félix Molinari. Grandes séries, grandes artistas, que alimentaram durante muitos anos a chamada depreciativamente pelos franceses “BD de gare”, mas que deixaram saudades em milhares e milhares de jovens leitores!
    Abraços do
    Jorge Magalhães

  15. Caro Jorge:
    Obrigado pelas indicações que me deu em relação aos desenhadores de Kalar e Super-Boy. Se em relação a este eu tinha uma vaga ideia da origem do autor (europeia, conforme eu suspeitava), já em relação a Kalar eu não fazia a mais pequena ideia de quem era o responsável pela série. Tenho pena de, aquando da deslocação do artista ao Festival da Amadora, não ter podido entrar em contacto com ele: haveria certamente algumas questões que gostaria de lhe ter colocado.
    Grande abraço
    Carlos

  16. Jorge,
    Quando eu e o José Carlos pensámos neste blogue foi no intuito de podermos partilhar junto da comunidade texiana, mas também junto dos amantes da BD, ideias, opiniões, no fundo divulgar. Folgo muito que estejamos a cumprir esse objectivo, é um enorme prazer, imenso mesmo, ter aqui as suas palavras, as suas ideias, os seus conehcimentos, tal como com o Carlos Rico e todos os que têm dado o prazer desta sã convivência.
    Esta sua última intervenção é mais uma lição de bd, sobretudo para mim que, tendo acompanhado com interesse alguns episódios que relata, outros houve que infelizmente não pude. Refiro-me concretamente à fase das “Selecções BD”, cuja publicação coincidiu com os anos em que, por diversos motivos, estive algo afastado da bd. Mas com professores do seu calibre há sempre tempo para recuperar o tempo perdido.
    Abraços
    Mário

  17. Caro Mário,
    Obrigado mais uma vez pelas suas palavras mas eu devo elogiá-lo ainda mais, a si e ao José Carlos, por terem criado este blogue, cujo interesse e actualidade têm sabido manter vivos, e onde efectivamente todos podemos intervir, discutindo, sugerindo, trocando informações, divulgando um pouco do que sabemos e aprendendo também um pouco mais sobre este fascinante mundo da Banda Desenhada em geral e de TEX em particular.

    Além disso, assistimos também aqui a um diálogo entre gerações e até entre bedéfilos texianos de Portugal, de Itália e do Brasil, o que é motivo de regozijo mas também de reflexão, pois há pouco tempo, há menos de uma década, era quase impensável pensar que a BD se projectaria de forma imparável e eficaz, como uma ponte de amizade e de cultura, num meio de comunicação tão poderoso como a Internet, sem o qual hoje não podemos passar.

    Como os tempos evoluiram e, neste caso, para bem melhor!… E quantos serviços não podemos prestar à Banda Desenhada através desse contacto frutuoso entre amadores espalhados por vários quadrantes, que assim continuam a manter acesa a chama de uma paixão recíproca pelo “western”, por Tex, e por todo o mundo bonelliano – leia-se, o mundo da (boa) BD popular – em geral.
    Mais um abraço do
    Jorge Magalhães

  18. Estou em férias mas nao pude deixar de ler o blog do Tex. Vi os comentários do Jorge Magalhães sobre esta entrevista do Claudio Villa e os seus comentários sobre Moebius e banda desenhada que muito me agradaram.
    Fui procurar em minha gibiteca por alguns volumes da coleção HISTÓRIA de LOS COMICS – da editora TOUTAIN EDITOR (Espanha 1982/…) onde eu sabia haver uma foto deste clássico grupo de autores numa matéria sobre um artigo “Maio de 1968″, onde foi contado como se deram os fatos narrados pelo Jorge no seu comentário.

    Gostaria de dizer que concordo com o Jorge nos seus comentários. Por outro lado, entendo que determinadas publicações oferecem a seus autores liberdades criativas (o que nem sempre é sinônimo de qualidade) que títulos ditos “normais” não podem oferecer.
    Há que se lembrar que muitos autores acabam levando para suas obras, influências de sua formação, seja literárias, seja culturais.

    Outro fato é a diminuição das tiragens das revista em bancas! Atento a isto, as editoras forçosamente estão prestigiando o mercado de livros e edições especiais. Edições mais caras, com tiragem menores e com praticamente nada de encalhe. Está sendo a menina dos olhos das editoras. Que isto acaba “eletizando” a banda desenhada, não há duvida!

    Outro fator que acho merecer destaque hoje é a importância que os leitores dão a artistas ditos “HOT”. Hoje, cada vez que um determinado autor assume algum título, dependendo da sua fama, as vendas deste título é catapultada!

    Por fim, infelizmente nunca consegui entender as obras GARAGEM HERMÉTICA, INCAL, do Moebius. Nem os álbuns do DRUILLET, PICHARD… Creio que nesta época (meio pro fim dos anos 80, que foi quando tive acesso a este material) minha influencia ainda era os quadrinhos mais “normais”!
    Mas reconheço o valor destes autores e gosto muito do que alguns deles vieram a fazer depois (Corben, por exemplo).

    Gostei muito do que alguns autores fizerem na Marvel na linha ÉPIC, onde eles puderam experimentar e lhes foi dada maior liberdade do que nos títulos comuns.

    Em suma, acredito que exista espaço para que as linhas mais de “autor” e as séries ditas populares convivam lado a lado. O importante é o conteúdo!

    Jesus Nabor Barbosa Ferreira

  19. Obrigado, Jesus, pelos seus comentários e por se ter lembrado de enviar ao José Carlos aquela página da “Historia de los Comics” com a referência à BD portuguesa, incluindo uma das histórias que eu fiz com o Augusto Trigo, “Excalibur”, publicaca em álbum pela Meribérica. Quantos anos já se passaram, entretanto!…

    Concordo também consigo em muitos pontos, pois nem sempre as liberdades criativas de alguns autores são sinónimo de qualidade, embora a banda desenhada, como qualquer outra Arte, não possa ficar confinada a padrões ditos clássicos ou “normais”, o que seria condená-la à estagnação. Infelizmente, o que se tem observado nos últimos tempos é um acentuado predonímio de certos autores que têm da BD uma noção completamente elitista, mas que são acarinhados pela crítica, nem sempre pelas melhores razões. Muitos acabam por não ter público, fazendo com que os editores que neles apostam cessem a breve prazo a sua actividade, mas há sempre outras áreas onde esses artistas conseguem assegurar a sua sobrevivência, como a ilustração e a publicidade, acabando por esquecer a banda desenhada. São o que eu chamo “outsiders”!

    Quanto ao Moebius, ao Corben, ao Druillet, as suas obras têm de ser encaradas numa perspectiva que transcende o conteúdo e a forma da BD tradicional, pois eles foram, de facto, portadores de estilos e ideias novas, que influenciaram profundamente a BD, numa fase em esta necessitava de evoluir e de se transformar. Aliás, esse movimento renovador foi geral, nos anos 60 e 70, pois os germes das “revoluções” sociais, mesmo pacíficas, transmitiram-se a todos os sectores da Arte, da Cultura e da Moral, ainda hoje fazendo sentir os seus efeitos. Daí que a BD adulta tenha encontrado, desde então, terreno fértil para se desenvolver, atingindo muitas vezes os limites do erotismo. E com grande êxito, diga-se de passagem, como no caso de Manara.

    Mas uma história de Moebius e de Druillet deve ser desfrutada como um poema abstracto cujo sentido nos escapa, mas que nos toca e nos emociona por outras razões: o ritmo, a harmonia, a sonoridade, a beleza, esse algo indefinível que cria uma ponte entre o espírito e as palavras.

    Foi Moebius quem disse, uma vez, que uma história não tem de parecer-se com uma casa, pode até ter a forma de um elefante… Eu também senti alguma estranheza, de início, com o “Incal” e “A Garagem Hermética”, mas pouco a pouco fui-me deixando envolver pelo sortilégio daqueles ambientes estranhos e daquelas personagens que nos convidam a seguir as suas aventuras sem tentarmos questionar a sua lógica.
    Um grande abraço do
    Jorge Magalhães

  20. Magalhães,

    Tenho uma dúvida: Se a segunda série da Selecções BD conseguia estas vendas, o que foi que causou seu cancelamento? Eu acompanhava a revista no Brasil, via importação, e fiquei algo surpreso com seu súbito desaparecimento.

    Quanto à expansão dos álbuns, não há mistérios nisto: A banda desenhada vendida em quiosques está em decadência por todo o mundo (até em seus mais sólidos baluartes, Itália e Japão) e a banda desenhada vendida em livrarias está em expansão por todo o mundo, mesmo em países que desprezam esta forma de arte, como os anglo-saxônicos.

    Em França, maior mercado ocidental da BD, as revistas andam em dificuldades (recentemente a poderosa Soleil parece ter descontinuado sua revista Suprême Dimension) e os álbuns vendidos em livraria têm uma excelente saída. Nos EUA os quiosques estão quase desprovidos de BDs e as livrarias vendem um número crescente de obras. Isto não é uma coincidência!

    Convém lembrar que em finais do século XIX/início do século XX, maior parte da literatura era publicada no formato serial, em folhetins. Relativamente poucas obras eram publicadas no formato livro, mais luxuoso e caro. Os folhetins morreram todos ainda antes de nós nascermos, os livros tornaram-se o formato dominante e nunca se leu tanto no mundo! O mesmo acontecerá à BD, eu prevejo.

    Ainda assim, eu acho que as revistas ainda têm seu lugar. Aqui em Portugal, em particular, com os quiosques completamente vazios de BDs, eu penso que uma nova antologia no estilo Selecções BD poderia ter sucesso. Deveria, porém, ser direccionada a um público infanto-juvenil (como a Tchô francesa ou a Spirou belga), que é o mais propenso a comprar este tipo de material em quiosques. Os números de vendas de revistas de BD por todo o mundo subscrevem esta teoria!

    Um abraço,
    Pedro Bouça

  21. Caro Pedro Bouça,
    As razões que levaram ao cancelamento súbito das “Selecções BD” devem-se exclusivamente aos problemos internos da Meriberica, que já nessa altura mostrava sintomas de crise. Como veio a verificar-se pouco tempo depois, a própria Meribérica desapareceu, embora tivesse ainda um espólio considerável em sobras nos armazéns, que ainda hoje inundam as livrarias.

    Foi um processo de degradação lento, ao contrário do que geralmente se julga, agravado por muitas decisões erradas da Administração.
    Houve ainda um breve período de restabelecimento, em que foram perspectivadas novas decisões, entre elas a de continuar com as “Selecções BD”, o que prova que a revista se vendia bem. Aliás, os números assim o confirmavam…

    Quanto ao problema das revistas, actualmente, também concordo que os álbuns dominaram tudo, para o bem e para o mal, mas a grande volubilidade do mercado faz com que seja possível, num futuro mais ou menos próximo, assistir-se a novas experiências e ao emergir de editores que voltem apostar em publicações periódicas. Embora a aposta seja difícil, porque a distribuição, hoje, complica tudo. Os álbuns podem estar vários meses em exposição nas livrarias, enquanto que as revistas têm um tempo de venda muito mais curto e obrigam a um investimento contínuo, cuja amortização, além de problemática, demora também várias semanas ou meses.

    Talvez houvesse espaço para uma revista no género das “Selecções BD”, mas, de facto, teria de ser orientada para um público mais juvenil, como o do “Tintin”. E põe-se o problema da periodicidade: semanal, o que me parece impraticável, nas circunstâncias actuais, ou mensal?
    No fundo, precisamos de uma nova geração de leitores habituados a apreciar a BD desde tenra idade, ao contrário do que acontece actualmente. Talvez não passe de uma utopia…

    Abraços do
    Jorge Magalhães

  22. Obrigado pelas informações, Magalhães!

    Eu penso que actualmente uma revista deve ao menos começar com periodicidade mensal. SE fizer sucesso, pode-se estudar sua transformação em quinzenal ou, em casos mais extremos, semanal.

    Ainda há muitos leitores a apreciar BD em novos. O sucesso de WITCH prova isso mais do que qualquer coisa! O problema é fazer uma BD que “fale” a este público.

    Um abraço,
    Hunter (Pedro Bouça)

  23. Caro Pedro,
    com respeito ao seu ultimo comentário , acredito que o sucesso deste tipo de publicação, e também ,os MANGÁS, se deve ao apelo forte da TELEVISÃO e o Cinema ( no caso mais específico HARRY POTTER ) junto aos adolescentes.
    É como o Magalhães diz ,que no fundo o que se precisa é uma renovação, tanto de leitores como também de autores, que estejam identificados com as novas carências deste público leitor.
    O desafio é como fazer para que esta nova geração volte-se novamente para a mídea escrita e a arte sequencial ,tendo a sua disposição outras mais ”faceis” como a televisão, o video game e o computador.

    Você tem razão – o problema é fazer uma BD que fale aos jovens leitores! Mas o que exatamente eles querem? Quais seus heróis (ainda terão algum?), o que os atrai? Hoje já não existem lugares inexplorados, cidades escondidas ou mundos subterrâneos misteriosos.
    Do que precisa esta nova geração? Creio que esta é a pergunta de 01 milhão de cópias…

    Um abraço

    Jesus Ferreira

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