As Leituras do Pedro: Tex #468 – A sentinela do passado e Tex #469 – A volta do soldado

As Leituras do Pedro*

Tex #468 – A sentinela do passado
Tex #469 – A volta do soldado
Claudio Nizzi (argumento)
Miguel Repetto (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Outubro e Novembro de 2008)
136 x 176 mm, 114 páginas (cada), preto e branco, capa brochada

Resumo
Fugindo de um bando de índios, procurados por efectuarem assaltos a diligências e fazendas isoladas, Tex Willer e Kit Carson são obrigados a embrenhar-se numa meseta rochosa. Aí, após enfrentarem uma série de perigos naturais – e outros nem tanto -, descobrem um ex-soldado sulista, John Rickfiekld, que não sabe que a guerra acabou há já duas dezenas de anos.

Trazendo-o de volta à civilização, decidem acompanhá-lo a Atlanta, a sua cidade natal, onde acabam por descobrir que a sua família foi assassinada pelo homem forte local, que é também candidato ao cargo de Governador.

Desenvolvimento
Na verdade, não se trata de uma mas sim de duas aventuras de Tex, embora interligadas. Desnecessariamente, diga-se desde já. Da primeira, ressalta a novidade do confronto dos heróis com a natureza, seja nas estreitas beiradas das escarpas rochosas, seja nos canyons transformados em rápidos por um temporal, seja em arriscadas escaladas. E, para mais, sempre ameaçados por um (por mais que um, aliás: John Rickfiekld e os índios) inimigo invisível, que pode surgir a cada momento, nos seus calcanhares ou à sua frente, por detrás de uma pedra ou acima das suas cabeças. Isto dota a história de um clima de suspense pouco habitual e motiva o leitor a seguir preso à leitura para descobrir como tudo se vai resolver.

Até aqui (cerca de 50 páginas), tudo bem. Na continuação, se é verdade que a ideia de um soldado que ignora que a guerra terminou é também interessante, o seu estado (físico, psicológico…) não corresponde à ideia de alguém que passou alguns dos últimos 20 anos sozinho e isolado do mundo exterior (ou quase). Nem o seu uniforme o mostra, aliás… E custa a engolir a forma (quase) imediata como aceita a situação e se dispõe a seguir os heróis, num regresso à civilização, que encerra o primeiro tomo.

Nesta primeira parte, o grande destaque vai, no entanto, para o traço de Repetto, agreste como a montanha pede, pormenorizado, detalhado, capaz de a desenhar sempre diferente, eficaz sob sol intenso como debaixo do temporal.

Mas, ainda nas páginas finais do Tex #468, o ritmo e o clima criado, perdem-se rapidamente, quando, livres do primeiro perigo, Tex e Carson levam o homem que encontraram de volta à civilização, descobrindo que a sua herança tinha sido usurpada. Como é hábito, de imediato dispõem-se a fazer justiça, acompanhando-o à sua cidade natal, episódio que ocupa toda a edição #469.

Uma vez chegados a Atlanta, confirmam que o responsável pelo assassinato da família Rickfiekld foi o tirano local que impõe pela força uma lei de silêncio sobre o passado. No entanto, em pouco tempo e até com relativa facilidade acabam por o derrotar e repor a justiça.

Se o traço de Repetto mantém o alto nível demonstrado, revelando-se igualmente à vontade no tratamento da figura humana ou animal como no das paisagens naturais ou construídas pelo homem, a história esvazia-se rapidamente para cair numa história banal de Tex, algo forçada e bem pouco inspirada até…

A reter
– Não sendo um grande especialista de Tex, li o suficiente para reconhecer que tem havido um esforço para o modernizar, esforço esse patente nas histórias mais recentes, isto sem que se proceda à sua descaracterização. Neste sentido, a primeira parte de “A sentinela do passado”, é mais um (bom) exemplo, mostrando os dois rangers mais em confronto com a natureza (apesar do inimigo invisível) do que com outros seres humanos, o que, pela extensão do episódio, traz uma agradável nota de originalidade.

– O desenho de Repetto, como já deixei suficientemente claro atrás.

Menos conseguido
– Eu sei que as histórias têm número fixo de páginas para cumprir, mas a verdade é que a aventura só tinha ganho se tivesse terminado no ponto em que Tex, Carson e Rickfield chegam ao forte. A coincidência que os leva a descobrir rapidamente como tudo se passou 20 anos antes e, pior, a forma simples e rápida como “despacham” o responsável e todos os seus sequazes e repõem a ordem, é tudo menos credível…

– Eu sei também que, para o bem e para o mal, Tex é um western tradicional e que ele e os seus companheiros têm que vencer sempre no fim, mas será que não era possível arranjar-lhes uns adversários que disparem um pouco melhor? Na primeira parte, no confronto com uma vintena de índios, 18 destes (se não me enganei a contar) são atingidos, enquanto que Tex, Carson e John Rickfield não sofrem nem sequer um tiro de raspão. E depois, na segunda parte, contra os homens de Jean Russard, o mesmo se passa. Isto, sejam os confrontos em campo aberto, com ambos os contendores protegidos ou sendo os heróis emboscados…

Curiosidade
Na segunda vinheta da página 43 do Tex #469, Willer diz a Carson: “No cruzamento, vamos virar à direita!”. Na vinheta seguinte, chegados ao tal cruzamento, viram de imediato… à esquerda! Erro de tradução, como me confirmou o amigo José Carlos, pois “no original italiano, Tex diz a Carson para virarem à “sinistra” (esquerda) no cruzamento”.

*Pedro Cleto, Porto, Portugal, 1964; engenheiro químico de formação, leitor, crítico, divulgador (também no Jornal de Notícias e na revista In’ – distribuída as sábados com o JN e o DN), coleccionador (de figuras) de BD por vocação e também autor do blogue As Leituras do Pedro.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

2 Comentários

  1. Mais uma crítica muito interessante, que valoriza a aventura em alguns aspectos, e chama a atenção para os erros cometidos na sua produção. Pedro Cleto está de parabens pelo excelente senso crítico.
    E houve ainda um detalhe que chamou em especial minha atenção: o fato de Tex e Carson nunca se ferirem nos tiroteios, mesmo que de raspão, quando enfrentam adversários superiores em número. Isso é um fato constante nas aventuras de Tex (em especial as de Nizzi) que considero negativo, pois leva o leitor a pensar que a morte dos bandidos e a vitória ilesa de Tex será sempre algo banal.

    Agradeço pela atenção.

    Renan Caieiras.

  2. Como disse um Pard, eles são imortais. Mas concordo que de vez em quando poderia se ferir. Li uma no sábado que o Tex leva um tiro de raspão na cabeça e em seguida sai a galopar com o Kit Carson. Nenhum humano teria essa resistência, mas como é ficção, tudo é possível.

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