As críticas do Marinho: Furia Comanche – (Tex italiano 645 e 646)

Por Mário João Marques


Wasape é um terrível guerreiro comanche que semeia o caos e o terror junto de colonos e rancheiros. Capturado por Tex, Wasape é julgado e condenado à morte por enforcamento, mas contra toda a lógica consegue sobreviver e fugir. Wasape torna-se assim num guerreiro imortal aos olhos de muitos, sobretudo junto dos seus, acreditando que ele possa conduzir os comanches na senda da glória. No entanto, Tex acha que Wasape só conseguiu sobreviver ao enforcamento e fugir graças à ajuda de alguém e por isso rapidamente se dirige a Fort Worth para, juntamente com Carson, investigar o sucedido.

Para o bem ou para o mal muitos julgarão que os fins justificam os meios. Ruju parece acreditar nesta ideia e assina aqui uma aventura que é uma prova eloquente do maquiavelismo que muitas vezes domina a política e os jogos de poder. Furia Comanche baseia-se num complot político maquiavélico e tem um enredo bem elaborado: possibilitar que um guerreiro comanche, sedento de ódio pelos brancos, sobreviva a um enforcamento e possa fugir, de modo a espalhar o caos e a violência e, desta forma, justificar um casus belli e um novo tratado político, o qual visará permitir aos brancos apoderarem-se das terras dos índios, confinando-os a meras reservas.

Wasape é na realidade um guerreiro fanático, um criminoso sanguinário, nunca hesitando em dizimar os brancos do modo e da forma mais cruel. No fundo, é a personagem ideal para poder ser utilizada por políticos corruptos e negociantes sem escrúpulos a seu bel-prazer e em proveito dos seus próprios intentos. Neste sentido, a aventura assume um cariz marcadamente bonelliano, porque foca no essencial um ponto fulcral que o autor trouxe para a série: a luta contra o poder corrupto, a luta contra tudo o que de alguma forma possa ser aproveitado de forma ilícita para prejudicar os mais fracos, reduzindo-os a um papel secundário.

Por si só, Wasape representará os comanches? Terá esse poder e essa capacidade? A verdade é que quando Tex afirma que os índios não são todos iguais, está a deixar uma mensagem de tolerância, considerando ser um erro acreditar que as acções fanáticas e de ódio de uns (poucos) possam ser interpretadas como sendo de todos os índios. Trata-se, no entanto, de uma postura difícil de compreender e mesmo de aceitar por todos os que perderam entes queridos, amigos e familiares na mão e por obra de fanáticos.

Apesar da luta entre Tex e Wasape dominar toda a aventura, numa espiral de crescente violência e confronto psicológico, a verdade é que essa luta nasce e é fomentada pelo conflito que os brancos urdiram com o intuito único de favorecer os seus interesses. Terá Ruju pretendido colocar Tex apenas, e uma vez mais, em confronto com o poder instituído corrupto, ou terá querido ampliar o âmbito e o alcance do enredo, assumindo aqui a sua própria crítica a todos os poderes políticos, sobretudo aos actuais, quando confrontados com um conflito presente de religiões e civilizações?


Ruju tem vindo a provar ser um valor seguro na série, não só por estas ideias fortes que consegue transmitir nos seus argumentos, mas também pelo equilíbrio com que articula e organiza as aventuras ou pela capacidade de alternância da acção entre diferentes ambientes e personagens. Creio, no entanto, que um dos melhores atributos do autor residirá no modo e na forma como consegue construir personagens fortemente caracterizadas para enfrentar Tex, sendo a personagem de Wasape mais uma prova desta habilidade do autor, uma vez que, ao tornar-se num guerreiro imortal, pelo menos aos olhos de alguns, a personagem de Wasape assume contornos fantásticos e uma força que vai para além do racional.

Por seu lado, Garcia Seijas parece ter cimentado o seu lugar na série, sendo esta a sua sexta aventura, mantendo um ritmo de publicação que apraz registar. O autor parece ter abandonado em definitivo a caracterização de um Tex muito sorridente. Quando do seu primeiro trabalho sublinhámos esse ponto que nos parecia de menor qualidade, já que a composição do ranger não se coadunava com a imagem mais dura, incisiva e cínica do ranger bonelliano. Aquele Tex assemelhava-se muito aos cowboys dos velhos seriados clássicos americanos, onde os heróis adoptavam sempre uma postura mais romântica. Seijas vai definindo e aperfeiçoando o seu Tex, compreendendo da melhor forma os genes do herói, desenhando-o mais de acordo com as características que lhe deram fama.

No resto, Seijas está à vontade e o seu desenho, isento de falhas, assume mesmo contornos épicos em cenas onde o fanatismo de Wasape se torna mais presente e intenso: os ataques aos rancheiros, mas principalmente toda a cena do ataque nocturno a Sootsville, dominada pelas presenças de Tex e Wasape no meio de toda a violência, de tanta pólvora e de tanto tiroteio, cada um preparando a melhor forma de atacar o adversário.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

Um comentário

  1. Um dos membros do Fórum TexBR comentou que virada de cabeça feita pelo cavalo de Tex, na capa do álbum “Furia Comanche“, faz parecer que o animal fita o leitor. Mais uma curiosidade sobre o trabalho de Claudio Villa nas capas texianas.
    Eu destaco a troca de olhares antagônicos entre Tex e Wasape nas imagens expostas pelo Mário João Marques, que escreveu outra estupenda crítica sobre mais uma aventura do Ranger do Texas.
    Saudações texianas desde o Amazonas.

Responder a Afrânio Braga Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *