“Os Predadores do Deserto” – Tex Romance Gráfico (da Polvo Editora) na análise de Rui Cunha

Por Rui Cunha (texto) e Margarida Cunha (fotografias)

Os Predadores do Deserto, da Polvo Editora, na análise de Rui Cunha

Apesar da palavra deserto nos causar algum arrepio quando pronunciada seja em que circunstância for, o mais que não seja pelo próprio significado a ela ligado: um completo vazio seja do que for. Mas ela também nos transporta para um território onde se dão acontecimentos que, de uma forma ou de outra, marcaram continentes e as vidas dos povos que os habitam.

Vem esta dissertação a propósito do lançamento do sexto volume da colecção “Tex Romance Gráfico”,em Abril passado, por ocasião da 6ª Mostra do Clube Tex Portugal, que, mais uma vez aconteceu na Anadia. O título do volume em questão é precisamente “Os Predadores do Deserto” e foi editado pela Polvo Editora de Rui Brito.

I Predatori del Deserto”, no seu título original, tem argumento de ClaudioNizzi e desenho de Bruno Brindisi e foi editado em Itália em Junho de 2002 pela Editora Bonelli na colecção “Tex Albo Speciale 16” e no Brasil na colecção “Tex Gigante nº 11”, em Maio de 2003, pela Editora Mythos.

No deserto do Arizona acontecem alguns assaltos a caravanas levados a cabo por bandidos disfarçados de soldados da Cavalaria, chefiados por uma misteriosa personagem que se intitula “O Pregador”, que matam os seus ocupantes para ficarem com os seus pertences. Tex Willer e Kit Carson são encarregados de descobrir o bando de ladrões e assassinos. Para isso vão encontrar-se com Jack Tigre e Kit Willer, só que Kit foi encontrado inconsciente no deserto e levado pelos homens do Pregador.

Claudio Nizzi, um dos nomes grandes da banda desenhada italiana, na qual conta já com uma carreira de mais de 50 anos e onde deixou a sua marca em várias séries, criando diversas personagens inesquecíveis para as quais escreveu inúmeros argumentos, foi recrutado para Tex em 1983 onde escreveu mais de 150 aventuras. Nos seus argumentos, Tex é figura central à volta da qual gira toda a aventura, é o protagonista principal, a base de praticamente toda a acção e isso mesmo é visível também em “Os Predadores do Deserto”. Este seu argumento, com personagens bem delineadas e interessantes (como a rapariga Liza, cuja beleza  motiva o confronto entre Kirby, um dos assassinos e Monkey, o braço-direito do “Pregador”que está obcecado com ela) e  mantendo todo o mistério em torno da figura do “Pregador” (o qual só surge em pessoa já a aventura vai a meio), de quem apenas se fala quase em sussurro e deixa-nos a ideia de que é alguém a evitar, alguém com um passado misterioso, quase até ao final, apesar de bem escrito, torna-se muito evidente a partir do momento em que “O Pregador” se encontra frente a frente com Liza e percebe-se que existe alguma ligação entre as duas personagens.

Sobre Bruno Brindisi caiu a responsabilidade de dar corpo ao texto de Nizzi. Desenhador profissional desde 1986, Brindisi entrou na Editora Bonelli em 1990, começando a desenhar histórias para “Nick Raider” e “DylanDog”, personagens do catálogo da editora.  Chega a Tex em 2002, precisamente para desenhar “I Predatori del Deserto” e, diga-se em abono da verdade, não poderia ter começado melhor!

Os Predadores do Deserto” começa com uma imagem poderosa de um corpo caído no deserto do Arizona e com uns abutres ameaçadores a sobrevoá-lo. Esta sucessão de quadros logo no início da história, trouxe-me à memória, salvo as respectivas diferenças e enquadramento, o início do filme “Paris, Texas”, que o realizador alemão Wim Wenders filmou em 1984, onde sobre uma paisagem desértica (que até pode ser o deserto do Arizona), um homem solitário caminha, vigiado por um abutre, ao som da magnifica banda sonora de Ry Cooder enquanto decorre  genérico do mesmo. A cena é tão poderosa quanto a imagem com que Brindisi nos brinda (quem sabe se não se terá inspirado nessa cena para começar o livro?).

No prólogo violento que se segue a este início, Brindisi e Nizzi presenteiam-nos com algumas personagens que serão importantes no desenrolar da aventura: a jovem Liza, única sobrevivente do massacre da caravana; Monkey, o louco que quer Liza só para si e ambiciona tornar-se ele próprio o chefe do bando; e Kirby, o bandido romântico que reconhece o corpo caído como sendo Kit Willer e que quer ajudar Liza a livrar-se de Monkey. Os bandidos massacram toda uma caravana, apropriam-se de todos os seus bens e ainda fazem dois prisioneiros, um deles considerado valioso.

Logo de seguida vamos encontrar Tex e Carson a receberem as instruções do comandante do Forte Defiance para investigarem estes estranhos roubos levados a cabo por bandidos vestidos com uniformes de Cavalaria. Os dois rangers são encarregues de ir até à cidade de Gallup para ouvir o testemunho do único sobrevivente dos ataques desse bando, um condutor de diligências que foi supostamente dado como morto, mas que estava apenas ferido. É a partir deste momento que começa a aventura propriamente dita.

Apesar de alguma simplicidade no argumento, Claudio Nizzi, consegue manter o leitor sempre atento sem nunca perder o interesse nem mesmo quanto já se percebe qual vai ser o desfecho da aventura. Já Bruno Brindisi, através da sua arte, consegue colmatar as fraquezas do argumento.  Com um desenho muito próximo dos criadores do Ranger, Gian Luigi Bonelli e Aurelio “Galep” Galleppini, aplica todo esse conhecimento ao longo de toda a narrativa, no desenho das personagens e das suas acções (apesar de, na minha modesta opinião de quem pouco percebe destas coisas, achar que o “Pregador”, se assemelha muito com  Mefisto), dando especial ênfase às cenas nocturnas e de acção tornando-as algo realistas conferindo assim uma dimensão maior à aventura.

A capa, também da autoria de Bruno Brindisi, com Tex em primeiro plano está bem conseguida, apesar da pouca (ou nenhuma) importância dada ao bando do “Pregador” que merecia talvez algum destaque nela e não os índios “Yavapais” que na aventura não passam de secundários (surgem apenas em duas breves sequências). Em termos de cor ou paisagem nada a assinalar.

TEX – Os Predadores do Deserto

No que diz respeito à edição da Polvo editora somos, uma vez mais (e isto já se tornou um hábito nas suas edições), presenteados com uma obra pensada ao pormenor pelas partes envolvidas: desde o editor Rui Brito que se encarregou de fazer a revisão do texto traduzido do italiano pelo José Carlos Francisco (o culpado disto tudo!), passando pelas notas biográficas dos autores, pelo texto introdutório até à legendagem cuidada levada a cabo por Hugo Jesus. Tudo junto resulta numa obra, e digo-o sem qualquer dúvida, de qualidade superior capaz de fazer inveja a muitas outras que invadem o nosso quotidiano.

Apenas uma pequena ressalva que é também uma pergunta: porque é que, ao contrário das outras obras desta colecção, “Os Predadores do Deserto” não tem numeração nas páginas? Foi propositado? Foi esquecimento? Esta lacuna, se foi uma, torna, na minha opinião, mais difícil exemplificar e/ou opinar sobre qualquer quadro ou qualquer cena na obra, sendo apenas o único senão numa obra com esta qualidade.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

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