As críticas do Marinho: “O posto da infâmia” (Tex Anual #16)

Por Mário João Marques

Um grupo de soldados, chefiado pelo capitão Spencer, assassina a sangue frio alguns dos próprios colegas quando juntos escoltavam um carro blindado que transportava os salários do exército. Para não deixar pistas, o grupo refugia-se durante uns dias num velho forte abandonado situado em pleno território dos índios Utes. Contactados pelo exército, Tex e Jack Tigre partem em busca dos desertores assassinos, mas deparam-se com uma tribo de Utes em pé de guerra, uma situação que se torna ainda mais explosiva quando cresce a fome e a ansiedade junto do grupo de soldados, chefiado por um oficial atormentado pelo peso do seu passado.

Esta aventura marca o regresso da dupla Pasquale Ruju e Roberto Diso, autores que já tinham trabalhado juntos em Nella terra dei Klamath, publicada no Almanacco del West 2004. Marca ainda a estreia de Ruju num Maxi Tex e também é a primeira vez que o autor escreve uma aventura onde intervêm os quatro pards, se bem que Kit Carson e Kit Willer intervenham apenas na segunda parte da história e não desempenhem um papel essencial na acção. A sua presença poderá ter sido apenas uma forma de Ruju, de algum modo, começar a preparar futuras participações em conjunto dos pards, sabendo quanto difícil é coordenar o seu papel na mesma aventura.

A história traz elementos clássicos com índios em pé de guerra, colonos, o exército e soldados desertores, resultando daqui uma aventura honesta, mas pouco entusiasmante, por força da ausência de algumas das características mais identificativas de Ruju, mas sobretudo pelo desenho de Diso, muito longe da tradição gráfica da série.

Ao contrário do que Ruju nos tem vindo a habituar nos seus últimos trabalhos, desta vez a aventura não contrapõe Tex a um adversário bem definido e caracterizado que seja capaz de o enfrentar com sucesso. Em Furia comanche Ruju foi capaz de confrontar o ranger com Wasape, um índio fanático, visto pelos seus seguidores como um guerreiro imortal, tal como em L’orda del tramonto apresentou Vladar, uma personagem inquietante com capacidade para ver na escuridão. Em O posto da infâmia, tanto Zampa d’Orso como o capitão Spencer surgem como meros opositores a Tex, guiados pelas circunstâncias da acção. O índio é um guerreiro que se alimenta do ódio ao branco e aos navajos para chegar ao poder da sua tribo, enquanto Spencer vive constantemente atormentado pelo seu passado sangrento, que teima em não o abandonar, alternando momentos de lucidez com outros de absoluta paranóia, que o vão impedir de liderar o seu grupo de modo eficaz. O argumento mantém a habitual capacidade de alternância da acção que carateriza Ruju, mas sem que tal signifique crescendo dramático, acabando a aventura por se arrastar demasiado em função das suas mais de trezentas páginas.

O veterano Roberto Diso, que teve a sua época de glória quando prestou grandes e leais serviços a Mister No, nunca conseguiu entrar em Tex, sendo esta aventura mais um caso perfeitamente ilustrativo de um desenhador que sempre manifestou dificuldade em embrenhar-se na personagem e nos ambientes da série. Não deixamos aqui qualquer crítica ao seu traço, que já carrega algum peso da idade, certamente, mas onde, por exemplo, sobressai a elevada qualidade com que consegue desenhar os cavalos e os seus movimentos. Em Diso faltará sintonia com Tex, uma certa química que passa do desenhador para o papel, para a personagem e para os ambientes. Diso não consegue interpretar a contento a atmosfera do velho Oeste, transmitir ao leitor a aura, o cheiro da pólvora, o crepitar das balas, as cavalgadas, os intensos “ruídos nocturnos” do western. A sua construção de Tex nunca é conseguida, encontrando-se o herói longe da personagem imponente, dura e sarcástica tão apreciada pelos leitores, longe da tradição gráfica a que a série sempre obedeceu. Diso afirmou a certa altura que nunca adaptou o seu traço a Tex, tendo antes forçado Tex ao seu traço. Nada mais verdade, nada mais evidente nas páginas da aventura, o que não invalida deixarmos aqui a nossa elevada consideração e respeito por um autor com tão relevante carreira no panorama da banda desenhada italiana das últimas décadas.

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4 Comentários

  1. Eu gostei da história. Não senti o roteiro sendo carregado pela demanda de páginas. Gostei sobretudo com a alternância do parceiro de Tex e o surgimento dos outros dois a certa altura da história, fato não tão recorrente assim.

    Mas, tenho que concordar que não é uma história forte, tampouco será lembrada pelos fãs como um clássico.

    Certa vez li que o “Maxi Tex” na Itália serviria de “teste” para os autores, mesmo que não declaradamente (salvo engano, li isso numa entrevista com Repetto). Tendo conhecimento disso, acredito que os autores não têm o mesmo empenho que teriam em Tex Regular ou num “almanacco“, ainda que o Diso tenha uma idade avançada e seus traços tem nada mais a evoluir.

  2. Vendo Mister No, o desenho do Roberto Diso casa perfeitamente. Em Tex eu nunca gostei. Os rostos nunca me agradaram, sempre os achei bem ruins. É como se ficássemos condicionados com alguns estilos de desenho pra cada personagem. Ou o estilo de alguns desenhistas simplesmente não funcionem em determinados personagens. Mas os animais que ele sempre gostou de colocar em primeiros planos são fantásticos.

  3. Esperar o ano todo e cada dois anos essa imundície de desenho para Tex, infelizmente nem tudo é igual ao que a gente gostaria que fosse. Um dos piores e talvez o pior de todos que passou por Tex e olha quanta honra do Diso, só desenha histórias inéditas e pontuais, é lamentável. Desfigura Tex e seus parceiros, muito fraco, mas, gosto é gosto e tem muitos que o apreciam e acham qualidades. É por isso que comento que não gosto. Compro a revista por que sou fã de Tex, mas fico horrorizado com os desenhos.

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