Entrevista exclusiva: ANDREA VENTURI (autor convidado para o 18º Salão Internacional de Banda Desenhada de Viseu)

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco, com a colaboração de Júlio Schneider (tradutor de Tex para o Brasil) e de Gianni Petino na tradução e revisão e de Bira Dantas na caricatura.

O XVIII Salão Internacional de Banda Desenhada de Viseu, a realizar de 9 de Agosto a 22 de Setembro próximo traz pela primeira vez ANDREA VENTURI a Portugal, motivo mais que suficiente para esta nova entrevista do blogue português do Tex com o autor italiano que estará presente em Viseu nos dias 10 e 11 de Agosto.

Para além da presença de ANDREA VENTURI aquando do fim de semana inaugural do Salão, Viseu terá também uma mostra pessoal de Andrea VENTURI com a exposição de várias pranchas do seu recente Tex Gigante “I pioneri” e dela constarão 19 pranchas deste que é  um dos mais conceituados desenhadores do Ranger para além de uma exposição de homenagem a Sergio Bonelli baseada na iniciativa do blogue português do Tex aquando do 1º aniversário do falecimento do carismático editor italiano, em Setembro passado.

Caro Andrea, mais uma vez seja bem-vindo ao blogue português de Tex.
Você será protagonista, em Portugal, de uma exposição no Salão Internacional da BD de Viseu. Pode fazer uma retrospectiva do seu trabalho no próximo Tex Gigante e do que representa para você este evento que contará com a sua presença num País estrangeiro?

Andrea Venturi: Eu fico muito honrado por ser acolhido em terras portuguesas, e tenho realmente muita curiosidade de ver ao vivo lugares e pessoas. A este trabalho com o Tex Gigante eu dediquei cerca de três anos, e durante esse período, em razão de prazos, não pude me permitir muito tempo livre ou viagens. Também por isso é uma grande emoção fazer esta viagem e encontrar tantos novos amigos.

O que convenceu Andrea Venturi, autor de renome mundial, a aceitar um convite para um salão de dimensões médias como o de Viseu, com meios bem menores do que, por exemplo, o Festival de Amadora? Há autores que preferem o ambiente das feiras de BD menores em lugar do espírito comercial dos grandes festivais. É o seu caso?
Andrea Venturi: Por favor… o renome internacional é apanágio de Tex, que sabe conquistá-lo com o passar dos anos, enquanto eu, como desenhador, tenho o privilégio de receber o reflexo da atenção criada pela personagem. Eu já havia ouvido falar positivamente do Salão de Viseu ao ler os relatos da edição anterior que contou com a participação do meu ilustre colega Fabio Civitelli, depois recebi um convite do amigo José Carlos “Zeca”, insuperável, aficionado, competentíssimo fã texiano, promotor de tantas iniciativas que têm por protagonista o nosso Ranger. Não havia como dizer não. Quanto à preferência sobre as várias feiras, eu penso que, pequenas ou grandes que sejam, a qualidade sempre é resultado do esmero com que são organizadas, da atenção aos detalhes e do amor sincero pelos quadradinhos. O mesmo sentimento que leva leitores e autores a sair de suas casas, a fazer uma viagem, grande ou pequena, para se encontrar. É importante que possam fazer isso no modo mais agradável possível, encontrar a melhor das acolhidas.

Quais são as suas expectativas em relação ao Salão de Viseu?
Andrea Venturi: Imagino que o Salão de Viseu reunirá muitos aficionados por Tex e pela BD em geral, creio que não será difícil sentir um certo ar de familiaridade entre todos nós.

Na sua opinião, para que deve servir um Festival de BD?
Andrea Venturi: Talvez seja um modo muito comum de dizer, mas para mim é um ponto de encontro entre leitores e autores que, no fundo, já se conhecem sem jamais se terem encontrado, mas também uma chance para despertar a atenção dos visitantes ocasionais, que conhecem pouco do assunto BD. O ponto principal é favorecer esse contacto inicial que pode vir a ser uma grande paixão pela BD, uma forma de comunicação de infinitas potencialidades. Nós, leitores de quadradinhos, sabemos alguma coisa disso.

Você já teve algum contacto com a BD feita em Portugal? Conhece algum autor como, por exemplo, E. T. Coelho, também porque morou e trabalhou por muito tempo na Itália e que por muitos é considerado o melhor desenhador de quadradinhos portugueses de todos os tempos?
Andrea Venturi: Infelizmente devo reconhecer que uma das minhas grandes lacunas, e que espero preencher, é sobre a BD portuguesa. Mas quando falaram-me desse autor, eu fiz uma pesquisa, e as imagens que encontrei fizeram-me dar um pulo na cadeira! Eu me vi diante de um clássico, como aqueles que tanto apreciei na juventude, autores como Raymond ou Foster. E, ao reconhecer o estilo, eu descobri que havia lido algumas aventuras feitas por si mas sem saber seu nome: eram as de Ragnar, o Viking, nas páginas da minha revista favorita na infância, o Corriere dei Piccoli (Correio dos Miúdos).

Vamos abrir um pouco os horizontes da entrevista: como você analisa a evolução da sua carreira?
Andrea Venturi: Para mim, a grande virada foi a entrada na Bonelli e, a partir daí, já lá se vão mais de vinte anos passados um dia após o outro, dias que às vezes passam rápido demais, a enfrentar meus pequenos desafios quotidianos à prancheta de desenho. Eu tive a sorte de trabalhar com grandes roteiristas em grandes personagens, no início com muita timidez e depois, como é normal, com mais familiaridade mas sempre com o respeito necessário.

Você tem consciência de ser um dos melhores desenhadores da série e que os leitores sempre têm grande expectativa em relação aos seus trabalhos?
Andrea Venturi: Não, não considero-me assim, nesses termos. E a sensação de ter chegado lá, além de na maioria das vezes ser enganadora, creio que é um impedimento a um amadurecimento profissional e também humano. Uma certa dose de humildade, quando não é excessiva, ajuda a sempre colocar-se em discussão e, justamente por isso, a melhorar, a aprender. Os grandes desenhadores ensinaram-me também isso. A expectativa e a atenção dos leitores são essenciais para qualquer desenhador, que busca sempre fazer o melhor para conquistá-las. Estar à altura dessas eventuais expectativas dos leitores, e também das próprias, é o apaixonante desafio quotidiano quando se senta à mesa de desenho. Como diz um famoso provérbio italiano, nós pedimos a bicicleta… agora é melhor pedalar!

O que você sentiu quando recebeu o convite para desenhar o Tex Gigante?
Andrea Venturi: Uma alegria natural acompanhada de uma também natural preocupação de estar à altura. É o que acontece quando se deseja com ardor alguma coisa. E agora eu me recordo daquele momento com uma comoção particular, porque eu estava presente na redacção quando Sergio Bonelli apresentou a proposta.

Em qual desenhador de Tex você se inspirou para criar graficamente o seu Tex?
Andrea Venturi: Eu poderia inspirar-me em todos, e faço isso, inclusive nas mais novas aquisições da equipa texiana, porque todos têm algo a ensinar. Mas devo admitir um fraco por alguns autores cujo estilo sinto mais próximo ao meu, que são Ticci e Villa em primeiro lugar, mas certamente também Civitelli, Nicolò, e depois Mastantuono, Frisenda, os irmãos Cestaro, Andreucci, Leomacs… eu dou-me conta de que a lista seria longa e eu acabaria por citar todos os autores.

Como você definiria graficamente o seu Tex?
Andrea Venturi: Eu diria que é uma tentativa de achar um ponto de encontro entre as interpretações dos autores que mencionei antes, entre os vários rostos, e a forma de actuar dos actores que, no cinema, encarnaram o ideal do herói, na sua essência de homem justo, intimamente forte, fora dos esquemas. Definir se essa tentativa deu ou não resultado cabe, como sempre, aos leitores.

Andrea, conte um segredo: como se forma um desenhador?
Andrea Venturi: Na verdade não há segredos, ou melhor, talvez haja uma coisa misteriosa, que é a origem da paixão pelo desenho, por este trabalho. E essa coisa é o motor de tudo. É a base de apoio para um percurso de aprendizado que pode durar a vida toda, feita de muito exercício, de muita curiosidade, da constante correcção dos próprios erros. Exactamente como acontece em qualquer profissão, não é mesmo?

De que modo você acha que Andrea Venturi pode conseguir trazer novos leitores para Tex?
Andrea Venturi: Eu não tenho a presunção de acreditar que só a minha presença possa trazer novos leitores. A força incrível de Tex está justamente na essência da personagem criada por Gianluigi Bonelli e Galep. Eu creio que todos os colaboradores estão empenhados em mantê-la por meio da própria sensibilidade, e isso é o melhor dos propósitos. Quando eu desenho, sempre pergunto-me se o que faço vai satisfazer o leitor aficionado por Tex, mas não existe um método matemático para isso, é necessário sentir aquela essência com idêntica paixão. Recentemente um ilustre colega e amigo meu teceu um comentário lisonjeiro sobre meu último trabalho ao dizer que “é visível que foi feito com amor“, e isso fez-me um grande prazer, continuo a recordar as suas palavras. É isso, eu espero que essa participação emotiva no momento de desenhar possa ser captada pelos leitores, como eu capto nos desenhadores que mais me agradam, eu creio que é um elemento importante e honesto para comunicar-se com os antigos e, espero, com os novos leitores.

Como você avalia o seu trabalho de hoje em comparação com o de antes?
Andrea Venturi: Eu penso que é normal olhar o próprio trabalho do passado e perceber várias ingenuidades sobre detalhes técnicos como anatomia, perspectiva, a segurança ao repassar os traços com nanquim, coisas que com o tempo espera-se, se não resolver, ao menos melhorar. Depois, de forma quase imperceptível, muda-se o estilo na direcção do que parece melhor. Mas uma coisa importante é manter sempre acesa a chama do entusiasmo, do gosto de desenhar: é um bom guia e em mim existe ainda hoje.

Qual você considera o seu melhor trabalho em Tex? E o mais difícil?
Andrea Venturi: Um autor sempre espera que o melhor trabalho seja o último, mas o julgamento é dos leitores. Quanto às dificuldades, é difícil responder porque cada dia tem o seu pequeno desafio a vencer, e são de vários tipos, grandes e pequenos. Digamos que entre as maiores dificuldades – além daquela inicial, que é de elaborar uma imagem correcta de Tex – esteve aquela de desenhar o Tigre Negro, depois das brilhantes interpretações de Villa e Civitelli. E nesta última história ainda foi a primeira vez que tive de ilustrar uma caravana de pioneiros. Mas são todas valiosas oportunidades de aprendizado.

Para você, o que Tex representa e qual é a importância dele na sua vida?
Andrea Venturi: Tex representa uma presença familiar na minha vida desde criança, quando o meu pai trazia as suas revistas para casa. E não escondo que uma das minhas satisfações mais íntimas foi poder lhe dizer que eu o desenharia. Desnecessário dizer que, a partir daquele momento, a presença do Ranger na minha vida passou a ser tangível, eu sinto-me como se passasse os dias na companhia de alguém da família. É só imaginação, mas a imaginação é muito importante na vida. E Tex também é óptimo para quebrar o gelo na vida social, é surpreendente ver como o rosto de tantas pessoas se ilumina quando, nas conversas, vem à tona o facto de que eu sou um dos desenhadores. Essa é a prova do quanto Tex está profundamente radicado na imaginação de muitas gerações, de quanto afecto ele conquistou.

Tex é, sem dúvida, uma personagem importante na sua carreira: você imagina-se ainda a desenhar a série daqui a 10 ou 20 anos, ou tem intenção de trabalhar com algo novo? Você tem em mente algum projecto futuro?
Andrea Venturi: Eu só posso dizer que espero permanecer na companhia de Tex o maior tempo possível. Não tenho outros projectos e o território a explorar junto com o Ranger é muito vasto, não há qualquer sinal de tédio no horizonte. O meu sonho para o futuro é estar como Ticci que, depois de milhares de páginas desenhadas, continua a desenhar outras com a mesma surpreendente qualidade, e com um frescor desenvolto e juvenil. O enésimo sonho ligado aos quadradinhos. Vamos torcer.

Para concluir, gostaria de deixar uma mensagem aos seus admiradores que se farão presentes em Viseu?
Andrea Venturi: Digo que agradeço antecipadamente pela presença deles, que o motor principal de tudo é sempre Tex e, por isso, não vejo a hora de estarmos todos juntos, entre aficionados texianos. Espero sinceramente que a minha contribuição a esta festa da BD seja de agrado dos presentes.

Andrea, agradecemos muitíssimo pelo tempo que nos dedicou. Se desejar deixar uma mensagem aos nossos leitores, fique à vontade.
Andrea Venturi: Seria muito bom dizer tanta coisa, mas creio que é melhor dizer simplesmente um obrigado sincero pelo tempo que dedicaram a ler esta nossa conversa.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

5 Comentários

  1. Magnífica entrevista com um autor de grandes recursos, um dos melhores, sem dúvida, da equipa actual de Tex, que tem prestigiado a figura do Ranger, sabendo fazer a ponte entre o fundo clássico que lhe estará sempre subjacente e o modernismo que continua na primeira linha da Bonelli Editora, com artistas que, como Venturi, buscam graficamente novas soluções e novas imagens para os seus personagens sem desvirtuarem a herança do passado.
    Parabéns também a Bira Dantas por mais uma fantástica caricatura, que muito deve agradar a Andrea Venturi e que lisonjeia também os texianos portugueses. O traço de Bira está cada vez melhor!

  2. Parabéns pela ótima entrevista, José Carlos. Sempre um prazer ver como se dedicam os desenhistas italianos de Tex. Um exemplo e um estímulo, sempre. E realmente a caricatura do Bira está demais.
    Grande abraço,

  3. Fantástica entrevista e magnífica caricatura.

    Melhor era difícil! Estão todos de parabéns!

  4. Jorge, Gil e Pedro, obrigado pelos elogios, mas o responsável por tudo é o Zeca, Julio e demais responsáveis por pautas e entrevistas tão interessantes, além dos próprios entrevistados que dão ótimas caricaturas. Qualquer caricaturista se daria bem nessa! Abraços

  5. Com esta excelente entrevista ainda fiquei mais entusiasmado em conhecer o Andrea Venturi em Viseu.
    Espetacular caricatura, PARABÉNS Bira.

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