Entrevista com Manuel Espírito Santo – Coordenador do MAB Invicta – Festival Internacional de Multimédia, Artes e BD

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco

Olá, Manuel Espírito Santo, e bem-vindo ao blogue do Tex. Para aqueles que ainda não estão bem identificados, fale um pouco de si, fazendo uma pequena apresentação própria. Onde e quando nasceu? Qual a sua formação? O que faz profissionalmente, etc.
Manuel Espírito Santo: Olá, Francisco, obrigado pela disponibilidade desta entrevista no blogue do Tex, nasci na mui nobre e invicta cidade do Porto em 1973. A minha formação é na área de letras, apesar de não acabar o curso devido a vicissitudes da vida e ter crescido na zona mais pobre do país (Campanhã) numa família bastante humilde e tive que focar-me sempre no trabalho em detrimento dos estudos devido a este mesmo facto; no entanto orgulho-me de ter entrado para a Faculdade de Letras do Porto em 1993 com a melhor nota do país no ano em que me candidatei à mesma. Devido a problemas pessoais não pude terminar os meus estudos, mas sempre fui optimista e acabei por realizar bons trabalhos nas empresas onde trabalhei, efectuando trabalhos que não me “diziam” nada, mas tentei sempre incutir a mim mesmo ambição (apesar de muitas contrariedades na vida). Neste momento faço trabalhos na área da tradução, estou a trabalhar num projecto de um livro e documentário acerca de Stuart de Carvalhais e ainda tento finalizar alguns livros que vou escrevendo para mais tarde editar, mas ambiciono outro tipo de trabalho.

O MAB Invicta – Festival Internacional de Multimédia, Artes e BD, realizado na cidade do Porto, foi o nascimento de um novo Festival português. Pode dizer-nos como tudo isto começou?
Manuel Espírito Santo: Tudo isto começou com uma ideia de um conceito que criei (Invicta Indie Arts), primeiro com uma loja física de banda desenhada e depois através da realização de vários concertos e sessões de autógrafos com a artista Dame Darcy (autora de banda desenhada) em 2010 (mais concretamente no norte do país após a sua vinda ao festival internacional de banda desenhada de Beja desse mesmo ano e durante 4 semanas) e pensei em fazer um festival que englobasse banda desenhada para todos os gostos, animação e cinema e tentei acima de tudo fazer algo pela cidade do Porto com o que eu lhe poderia “dar”(quase como um manifesto).

Quais foram, na sua opinião, os aspectos mais positivos desta primeira edição do MAB Invicta?
Manuel Espírito Santo: Os aspectos mais positivos foram ter conhecido muita gente que acreditou no meu projecto e ter conhecido pessoas fantásticas no mundo da BD e no mundo da animação.

Porquê a sua aposta na banda desenhada?
Manuel Espírito Santo: A minha aposta foi mais na banda desenhada, mas poderia ser mais na animação (que é uma área que ainda gosto mais dado a não ser uma arte tão estática como a banda desenhada) ou outra arte qualquer que privilegie a “criança” que existe em cada adulto. E pensei que poderia reunir um bom leque de autores não somente para estarem a dar autógrafos e conviver com os fãs, mas acima de tudo para terem o privilégio de conhecer melhor a mui nobre e invicta (quase tudo o que me move na vida está interligado à cidade onde nasci e vivo) e penso que foi isso que consegui fazer com os pouquíssimos meios que me colocaram á disposição.

Que dividendo teve nesta aposta?
Manuel Espírito Santo: Tive um enorme gozo pessoal por tentar dinamizar a minha cidade com autores que admiro em artes que me dizem muito e para mim, isso é o suficiente.

E que dividendos teve a cidade do Porto desta sua iniciativa?
Manuel Espírito Santo: Não lhe posso dizer que dividendos teve a cidade onde nasci e vivo com esta iniciativa, mas penso que os autores estrangeiros e alguns nacionais que lá estiveram, poderão ter uma ideia mais clara do que é ter estado na cidade do Porto (na minha óptica as cidades ganham “pujança” não somente com as pessoas do Porto, mas também com as pessoas que a visitam com a ajuda de alguém que viva nesta cidade). Mas foi importante a cidade do Porto voltar a ser falada na RTP devido à BD, nas rádios e em variadíssimos jornais e blogues nacionais e estrangeiros, dando a conhecer não somente um festival de BD e animação mas também esta cidade. A nível promocional como cartão-de-visita para amantes da nona arte calculo que tenha sido muito vantajoso para a cidade do Porto.

Já agora, o Festival teve o apoio da Câmara Municipal?
Manuel Espírito Santo: Este festival não contou com o apoio da Câmara Municipal ou qualquer outra instituição pública, devido ao facto de eu achar que se contasse com estes apoios não os teria neste ano e quase de certeza que iria ser complicado tê-los noutro ano. O Porto basicamente é uma cidade muito forte a nível cultural e na sua esmagadora maioria qualquer evento que se faça no Porto tem de forçosamente ser independente ou privado.

Com que apoios financeiros se realizou então o MAB Invicta? E quais foram os custos reais do evento?
Manuel Espírito Santo: Sem qualquer apoio financeiro (orçamento zero literalmente), somente com parcerias que deu para pagar a vinda e estadia a autores estrangeiros (excluindo Fabio Civitelli que foi um caso à parte e desde já agradeço à comunidade Texiana) e à boa vontade dos autores nacionais estarem presentes nesta iniciativa também (aos quais também agradeço).
Os custos rondaram uns 4.500 euros que só foram possíveis de serem pagos devido ao facto de eu ter trabalhado neste projecto de forma gratuita durante quase um ano (mais de 8 horas por dia) e de ter tido uma equipa que trabalhou também em prole da mesma causa. Estes custos foram suportados em parte pelas parcerias, bilheteira, ficando à minha responsabilidade e da minha namorada parte dos custos que não foram cobertos (e não somos ricos, vivemos com o que temos).

A presença de uma exposição relacionada ao editor Sergio Bonelli assim como uma outra dedicada ao Tex e a visita em pessoa de um dos seus mais consagrados autores, Fabio Civitelli, deve ter contribuído para um aumento de público no fim-de-semana final do Festival. Pareceu-lhe que isso aconteceu?
Manuel Espírito Santo: No que concerne ao Fabio, o meu interesse pessoal (assim como outro autor nacional e estrangeiro) foi o facto de ter tentado mostrar-lhe a visão do festival assim como o que é “sentir” a cidade do Porto e uma das minhas primeiras perguntas pessoais ao Fabio foi nesse sentido, se tinha gostado da cidade do Porto. Não lhe posso assegurar que tenha existido um aumento de público com a presença do Fabio, mas posso assegurar-lhe que me diverti imenso com a sua presença (apesar de praticamente desconhecer o universo Texiano, como disse inúmeras vezes).

E foi possível contabilizar o público? Se sim, como foi feita essa contabilização?
Manuel Espírito Santo: Através da venda dos bilhetes deu para ter uma ideia, mas não sei lhe dizer concretamente se estiveram no MAB 200 ou 250 pessoas nesse fim de semana, mas calculo que tenha ficado entre esse número.

O Festival foi visitado por muita gente e visto pelos habitantes da cidade como uma mais-valia cultural, ou nem por isso?
Manuel Espírito Santo: O Porto neste momento é uma cidade diferente de todas as outras a nível nacional e mesmo internacional (não me esqueço que esta cidade foi promovida como o melhor destino europeu para 2012) e isso em parte deve-se à imensa oferta cultural que existe no Porto com museus como Serralves, Soares dos Reis, Miguel Bombarda, Fantasporto entre muitas iniciativas culturais, logo não tenho a noção do impacto que o festival causou, mas mesmo que só tenha dado para 10 pessoas do Porto saberem que existe uma área cultural tão vasta como a banda desenhada e com autores tão bons no que fazem e tão humildes, para mim é o bastante (assim como os autores internacionais levarem um bocadinho do Porto dentro deles). Penso que na sua esmagadora maioria, isso aconteceu com os autores internacionais que adoraram a cidade do Porto, a região do Douro e viram a cidade do Porto como uma cidade muito forte a nível cultural.

Pensa que a aposta do MAB Invicta na personagem Tex Willer, foi uma aposta ganha, tendo em conta a presença de Fabio Civitelli e das exposições dedicada a Sergio Bonelli e ao Tex Gigante do desenhador italiano?
Manuel Espírito Santo: Tudo o que envolva a personagem Tex Willer é uma aposta ganha (e mais uma vez reconheço a minha ignorância no universo Bonelli). Desde a minha primeira abordagem com José Carlos Francisco que fiquei com a ideia que o que contava para ele era a promoção deste universo em particular e isso agradou-me e muito, logo se Fabio Civitelli inclusive fez um desenho com o Tex num duelo no Porto, isso não é um excelente cartão de visita para os inúmeros Texianos por esse mundo fora? 🙂
De uma forma mais formal adorei a forma como foi tratado o meu projecto através da presença de Fabio Civitelli, a exposição dedicada a Sergio Bonelli assim como a do Tex Gigante e fizeram despertar em mim uma enorme curiosidade no que concerne este universo desconhecido da minha parte (até comprei os dois livros do Tex que estiveram à venda no Mab para a minha colecção pessoal).

Globalmente, qual é a sua opinião sobre a visita de Fabio Civitelli e que dados novos ela introduziu no Festival?
Manuel Espírito Santo: O Fabio foi uma pessoa encantadora; genial, divertido, cavalheiresco. Uma pessoa de incontáveis virtudes. Um dos dados mais importantes introduzidos para este festival em concreto foi a entrevista/colóquio feita por ele para as pessoas presentes assim como a imensa paciência e simpatia a autografar e desenhar tantos Tex Willer para todo o público, já para não falar da importância das exposições dedicadas a Sergio Bonelli e páginas inéditas de TEX que agradeço desde já a disponibilidade das mesmas a José Carlos Francisco e à Bonelli.

Com que impressão ficou do consagrado desenhador italiano?
Manuel Espírito Santo: Não me importo de repetir o que disse anteriormente e acrescentar ainda mais coisas 🙂
O Fabio foi uma pessoa excelente a todos os níveis, simpático, cavalheiresco, humilde, divertido e uma pessoa que acima de tudo gosta do que faz e tem um amor inacreditável por este personagem e isso para mim vale ouro.

Para terminar, se pudesse escolher sozinho um autor/artista de BD para vir ao próximo Festival quem é que escolhia?
Manuel Espírito Santo: Do universo Texiano gostaria imenso de trazer Guido Buzzelli (mas não é possível, pois já faleceu :-() . Ivo Milazzo foi um autor que adorei conhecer em Beja, mas desde que seja um autor que tenha o mesmo amor pelo personagem Tex como tem Fabio Civitelli para mim, isso já é o suficiente. As pessoas não se vêem só no seu talento artístico, mas sim na sua postura na vida e é isso que eu “busco” nos artistas (apesar de me enganar algumas vezes na escolha de alguns). Logo teria que ser alguém que acima de tudo eu teria uma empatia quase automática como com o Fabio (e recordo-lhe que não conhecia quase nada do seu trabalho artístico). Fora do universo Texiano o mesmo acontece, contactei um autor inglês para vir ao Mab: David Hine (do qual desconhecia o seu trabalho também) e foi dos autores que mais me surpreenderam no festival assim como o Fabio. No meu caso particular gosto de descobrir autores mas acima de tudo pessoas com dedicação e amor à sua arte (seja ela qual for).

As perguntas chegaram ao fim, deseja dizer mais alguma coisa antes de terminarmos a entrevista?
Manuel Espírito Santo: Eu só tenho a agradecer a toda a comunidade Texiana que esteve presente no Mab (e mesmo a comunidade nacional e internacional que não puderam estar presentes por diversos motivos), ao José Carlos Francisco por todo o apoio concedido a este meu projecto, assim como ao Fabio e ao editor do Tex: Dorival Vitor Lopes, esperando eu que todos eles levem um bocadinho do Porto dentro deles (conheceram um dos restaurantes com os quais eu mais me identifico, o Abadia).
E fico contente de ter promovido com os meios que estavam ao meu dispor (rádio, tv, blogues, jornais e redes sociais) a vinda de Fabio Civitelli ao Porto, as exposições de Sergio Bonelli e de pranchas inéditas de Fabio Civitelli assim como tentar dar o sentimento do que é uma cidade como o Porto a autores de países como a Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Itália e Portugal. Acima de tudo consegui criar vários projectos e extensões no Mab como as dedicadas a Stuart de Carvalhais (pai da banda desenhada em Portugal e um dos meus ídolos) no Museu Nacional da Imprensa e no palacete visconde Setúbal na praça Carlos Alberto, a realização de um rótulo para a prestigiada marca de vinhos Niepoort com artistas que estiveram presentes no Mab (a anunciar brevemente) aquando da visita dos mesmos à Região do Douro ou mesmo o projecto casa viva com os novos talentos nacionais. Se me contassem há dez anos atrás que iria fazer tudo isto e estar com alguns dos meus ídolos ao vivo e a cores e a fazer tanta coisa pela minha cidade, não me iria acreditar com toda a certeza.
Foi um projecto com muito trabalho e que apanhou uma enorme área da cidade do Porto com todas as extensões criadas à volta do Mab, e fico contente de ter dado o máximo em prole da minha cidade e de artes que eu adoro sem contrapartidas, mas com um ganho espiritual fabuloso, por outro lado fiquei triste por ter de conhecer o lado negro dentro destas artes onde existem pessoas (pessoas do meio da BD) que se aproveitam das mesmas para gáudio pessoal e que tiveram o desplante de tentar sabotar um festival que foi feito nestas condições e com pouquíssimos meios humanos e quase nenhuns financeiros e aos quais inclusive pedi ajuda que me foi recusada. Sempre tive a mesma opinião em todos os campos nesta vida, pode-se não se gostar de esta ou aquela pessoa pelas suas ideias, pela sua presença ou até mesmo pela sua fisionomia, mas ver pessoas dentro desta arte tão menosprezada em Portugal a tentar destruir um festival e uma arte que supostamente “amam” é muito mau, hipocrisia sempre foi o maior defeito que encontrei em qualquer ser humano.  Tenho provas suficientes e eloquentes acerca do que escrevo aqui e guardo-as para “aprender”.

Obrigado, Manuel, pela disponibilidade para esta conversa que gentilmente concedeu ao blogue do Tex.
Manuel Espírito Santo: Obrigado eu, Francisco, e grande abraço a toda a comunidade Texiana.

(Para aproveitar a extensão completa das fotos acima, clique nas mesmas)

2 Comentários

  1. Nós é que agradecemos a iniciativa, gostei muito de ter ido ao Porto e aproveitámos a ocasião para realizar mais um encontro Texiano, passear e reforçar a amizade. Foram dias muito bem passados.

  2. Um dos aspectos mais salientes desta entrevista, na minha opinião, é a grande sinceridade, a humildade e o genuíno entusiasmo do Manuel Espírito Santo, a par da inabalável confiança em si próprio, o que o define como um grande lutador.
    Quanto ao “lado negro” que descobriu neste meio, ele não é exclusivo da BD portuguesa. Com o tempo e a experiência, aprende-se a lidar com esse lado mais negativo e a seguir em frente, fazendo “orelhas moucas” aos críticos, invejosos e maldizentes, que os há em toda a parte.
    Outro aspecto que merece nota especial é o Manuel ter ficado seduzido pelo universo texiano, graças ao contacto com o Fabio Civitelli, o Zé Carlos e outros convivas, e isso lhe ter despertado o interesse por um herói e uma escola artística que ocupam um lugar privilegiado no panorama da BD europeia.
    Nunca é tarde para reconhecer que a BD dita popular (ou comercial) também tem os seus pergaminhos e que pode ser, através dos seus protagonistas, cultural e esteticamente tão rica e atrair tanto público como aquela que em geral tem mais visibilidade nos Salões e Festivais de BD.

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