Entrevista com o fã e coleccionador: Valdair Albring

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco.

Para começar, fale um pouco de si. Onde e quando nasceu? O que faz profissionalmente?
Valdair Albring: Nasci em 1969, então tenho 42 anos. Nasci em Três Passos, Rio Grande do Sul, município vizinho àquele em que nasceu o Gervásio Santana de Freitas (do portal TexBR), Tenente Portela, na fronteira com a Argentina. Nas idas e vindas da vida, a família acabou mudando para Lajeado, também Rio Grande do Sul, em busca de melhores condições de vida. E dali eu saí, depois de mais de vinte anos, para Joinville, Santa Catarina, onde moro actualmente e trabalho como funcionário público do município.

Quando nasceu o seu interesse pela Banda Desenhada?
Valdair Albring: Essa é uma resposta que deve ser buscada bem na infância. Meus pais eram agricultores, então as possibilidades de leitura disponíveis eram mínimas. Minha mãe sempre gostou de ler, mas a prioridade era sustentar a família. A opção mais presente nessa época era mesmo a Bíblia, que eu lia sempre que podia, o que levou meu padrinho, já falecido, a se dispor a pagar minha preparação para padre (nunca sequer iniciada). O que nem eu percebia na época era que o que me atraía mesmo não era o aspecto religioso, mas sim o lado histórico da obra (sempre preferi o Antigo Testamento ao Novo) e, principalmente, a leitura em si! Foi ali que aprendi a viajar com as palavras escritas. Ao mudarmos para a cidade, ainda em Três Passos (em 1980), descobri algo que me deixou maravilhado: a escola pública onde fui estudar tinha uma excelente biblioteca! Então eu descobri os livros antes das revistas em quadradinhos. Claro que não demorou para chegar até elas. Havia colegas que tinham algumas revistas, e eu podia lê-las. Lembro de uma tarde em que as horas passaram sem que eu percebesse, só indo para casa contra a vontade, e isso porque a mãe do garoto insistiu muito (já tinha anoitecido!).

Quando descobriu Tex?
Valdair Albring: Mais ou menos na mesma época, meu tio apareceu com uma revista de Tex, que me apaixonou à primeira vista. Era o número 111 da edição brasileira, Ao Sul de Nogales, ainda hoje de grata lembrança para mim.

Porquê esta paixão por Tex?
Valdair Albring: Tex não exige grandes digressões filosóficas (as quais eu muito aprecio, mas cada coisa em seu momento), não exige muito conhecimento prévio da continuidade da personagem (pode-se ler qualquer história sem problemas) e nunca um caso ficou sem solução até hoje (as histórias tem começo, meio e fim). Resumidamente, Tex é uma leitura agradável, descompromissada, relaxante mesmo, para momentos de lazer.

O que tem Tex de diferente de tantos outros heróis dos quadradinhos?
Valdair Albring: Tex é uma personagem linear: você sabe exactamente O QUE vai acontecer (o problema chega até eles pelas mais variadas vias, mas sempre chega. O tiroteio atrás da próxima colina é uma das mais clássicas). Quanto ao COMO, aí cabe aos autores conseguirem surpreender aos leitores. Nos quadradinhos de super-heróis você nunca sabe o que vai acontecer, mas as personagens têm reviravoltas mirabolantes e, se você não acompanha regularmente as histórias, vai se sentir perdido na continuidade. Tex não tem isso. Não sei se é defeito ou virtude da personagem italiana mas, o que se vê hoje, continuará igual amanhã.

Qual o total de revistas de Tex que você tem na sua colecção? E qual a mais importante para si?
Valdair Albring: Por falta de uma condição financeira mais favorável, não consigo comprar todas as revistas publicadas, então procuro ter todas as HISTÓRIAS já feitas. Tenho aproximadamente 550 revistas, o que significa todos os Tex Gigantes (Texone), as histórias da série Almanacco del West, Anual (Maxi Tex), a série Tex Coleção actualizada, bem como a série regular a partir do começo da série brasileira Tex Ouro (para chegar a ter todas as histórias, basta que a série Coleção alcance o número 289 da série italiana, Cheyenne Club, daqui a uns quatro anos). Não tenho as colecções completas, mas todas as histórias. Mas a mais importante é a edição de Tex, o Grande (Nizzi/Buzzelli), publicada no Brasil em 1988, simultâneo com a edição italiana. Essa eu comprei naquela época mesmo. Por muito tempo foi a única que eu tive.

Colecciona apenas livros ou tudo o que diga respeita à personagem italiana?
Valdair Albring: Como nem sempre querer é poder, contento-me em manter em dia a minha colecção de revistas apenas. Acho que não sou um bom coleccionador, não tenho aquela vontade de ter tudo a respeito de alguma coisa.

Qual o objecto Tex que mais gostava de possuir?
Valdair Albring: Como já disse, não sou um coleccionador contumaz, então acho que não haveria nenhum que eu lembre. Mas, galopando na fantasia, acho que apreciaria ter um desenho feito por um dos desenhadores da série em que EU apareceria num balcão de saloon, com uma caneca de cerveja espumante brindando com Tex e os outros pards em volta. Para alguém abstémio como eu, acho que seria uma imagem engraçada.

Qual o desenhador de Tex que mais aprecia? E o argumentista?
Valdair Albring: Quando se fala em preferências, cada um tem as suas, e sempre serão contestadas por alguém. Mas, enfim, vamos lá. Por algum motivo, gosto mais daquelas histórias com um tom mais melancólico, em que a solução não é exactamente a mais desejada. Lembro bem da primeira que me tocou profundamente, e que foi o final da história O Sinal de Cruzado (Tex italiano 242-245), chamada Caminho sem Regresso (Tex 159 e Tex Coleção 297). Nem toda a capacidade do herói consegue evitar que fique um gosto de derrota no final. A história do apache Santos, publicada no Almanaque Tex 30 (O Preço da Honra) é outra nesse sentido. A frase em que ele justifica para Tex a motivação de seu gesto, “vou me encontrar com meus pais e não vamos mais fugir”, é de deixar qualquer um com um nó na garganta. O desenhador que me pegou no primeiro quadro foi Carlo Rafaelle Marcello, com um traço claro, limpo e detalhado. Quem sabe tenha sido por causa dos roteiros do grande Mauro Boselli, meu favorito por apresentar quase sempre personagens coadjuvantes que pouco ou nada ficam a dever ao herói, tanto em carácter quanto em capacidade de acção. Curiosamente, algumas das minhas Top 10 são de Claudio Nizzi: Chamas de Guerra (Tex italiano 297-299), cheia de reviravoltas até o amargo final; Escolta Armada (Tex italiano 447-448), acção pura; e a citada O Preço da Honra (Tex italiano 548-549), em que nenhum esforço consegue mudar um destino que parece já ter sido escrito.

O que lhe agrada mais em Tex? E o que lhe agrada menos?
Valdair Albring: O que mais me agrada é a linearidade. Se pegar uma edição das mais recentes, ou uma antiga, a personagem é a mesma. Tex vai tomar como seu o problema da vez, vai confrontar sem medo o malvado, garantir que o culpado seja punido e o inocente possa ter tranquilidade. O que menos agrada eu acho que é uma coisa impossível de ser “corrigida”: algumas histórias não mantêm o “padrão de qualidade” (claro que na avaliação individual). Poderíamos dizer que são enredos mais fracos, em comparação com outras. Mas o que eu gosto menos pode agradar em cheio a outros. Também nunca fui muito fã de desenhadores como Ferdinando Fusco ou de Erio Nicolò, em cujos desenhos sempre me pareceu que “faltava alguma coisa”.

Em sua opinião o que faz de Tex o ícone que é?
Valdair Albring: Voltando ao senhor Bonelli, se alguém soubesse essa resposta, poderia criar outra, ou outras, personagens de igual sucesso. Mas as coisas não funcionam assim. Tex tem uma particularidade que vem lá do início da saga, e que é a diversidade de cenários em que ele age. O que, no início, parece que era “atirar para todo o lado”, por parte de G. L. Bonelli, acabou oferecendo uma gama de possibilidades imensa aos argumentistas. Tex é Ranger, chefe-amigo-irmão dos índios, e tem amigos nos mais variados lugares: um chefe dos casacas-azuis, um político mexicano (honesto), um bruxo, policiais no Canadá, San Francisco (com seus chineses), Nova Orleans (com os seguidores do vodu), e vários etcéteras. Um cenário único seria, sem dúvida, muito limitador para a personagem. Outra coisa é o carácter absolutamente inflexível dele. E acho que todos nós gostamos de ver um bandido levar umas esfregadas de vez em quando, já que na ficção podemos esquecer um pouco das leis em nome da justiça.

Costuma encontrar-se com outros coleccionadores?
Valdair Albring: Não. Como nunca tive condição financeira muito folgada, uma viagem que tivesse apenas esse objectivo sempre esteve fora de questão. Também não mantenho contacto com outros coleccionadores, já que só pude “começar” a minha colecção há uns seis ou sete anos. Antes disso eu tinha algumas revistas, mas havia muitos espaços vazios. Quem sabe eu vá na próxima GibiCon em Curitiba, já que é perto de onde eu moro.

Como vê o futuro do Ranger?
Valdair Albring: Infelizmente não consigo ver um futuro muito brilhante. Nada relacionado à produção das histórias, já que os novos argumentistas e desenhadores estão se mostrando bastante eficientes em dar continuidade ao legado dos criadores, mas existem algumas particularidades que certamente influenciarão no futuro da personagem. A principal é que a geração actual está sendo formada com base num mundo digital, fortemente influenciada pelos jogos electrónicos e por filmes e histórias de super-heróis, ao contrário de outras anteriores que frequentavam cinemas em busca de diversão, onde os filmes de faroeste eram opções bem mais abundantes que hoje. O que vejo, então, é que a RENOVAÇÃO do público leitor de Tex será cada vez lenta, infelizmente. Acho que sempre haverá espaço para essas histórias em preto & branco, mas será menor.

Para concluir, quer dizer-nos algo mais?
Valdair Albring: Quando já dava por terminadas as minhas respostas, encontrei neste mesmo blogue a entrevista com o grande Mestre Roberto Diso, em que ele justificava o fim de Mister No. Acho que ele definiu com exactidão o que acabei de colocar na última questão, mas com muito mais precisão e, principalmente, poesia: “…esses episódios estão a se afastar no tempo e, com eles, o mundo de Mister No. Quantos jovens leitores poderiam se sentir a participar emotivamente, como quem tem a nossa idade, do que representaram para nós aqueles acontecimentos? Poucos, eu diria, e insuficientes para permitir a sobrevivência de uma personagem que abriu muitos caminhos mas que hoje quase todas as trilhas são percorridas sem que se lhe dê muita importância, porque já estão consolidadas e têm uma normalidade que não consegue mais emocionar.” Maravilhosamente lindo, imensamente melancólico e, infelizmente, verdadeiro.

Prezado pard Valdair Albring, agradecemos muitíssimo pela entrevista que gentilmente nos concedeu.

(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

3 Comentários

  1. Excelente entrevista, principalmente quanto a visão de Tex e ao seu futuro editorial.
    Parabéns Valdair, pela grande lucidez de seus comentários.

  2. Ótima entrevista, o Valdair mostra-se um leitor atento não só às histórias de Tex, mas continua focado no mundo real. Não é o meu caso. Quando leio Tex, esqueço-me do mundo real.
    Falar nisto, faltam-me agora só os 4 últimos Tex Speciale a Colori (22-23-24-25), logo que os receber vou tentar pagar minha dívida com o Zeca, respondendo, por minha vez, ao questionário dos colecionadores.
    Um abraço a todos.

  3. Mas bah tchê, muy buena a sua entrevista vivente, gostei uma barbaridade dela conterrâneo e irmão de armas (afinal, não é o que os tricolores imortais do pampa são?). Acho que tu é sim um bom colecionador (se fosse contumaz, seria ótimo, eh eh eh eh) e aquilo que tu falou que não saber se é um defeito ou qualidade de Tex, eu concordo contigo que é uma qualidade. Achei lúcida a tua entrevista. Um abraço do tamanho do Rio Grande pra vocês e pros texianos catarinas dai de Joinvile.

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