Entrevista com o fã e coleccionador: José de Matos-Cruz

Entrevista conduzida por José Carlos Francisco.

José Matos-Cruz com BaltazarPara começar, fale um pouco de si. Onde e quando nasceu? O que faz profissionalmente?
José de Matos-Cruz: Nasci em Mortágua, no ano de 1947. Trabalhei na Cinemateca Portuguesa, onde fui responsável pela Filmografia Portuguesa, até me aposentar em finais de 2008. Noutras áreas, desde final dos anos ’60, tenho escrito ficção e poesia, e investigado a história do teatro. Essa actividade vem-se manifestando em jornais e revistas e na publicação de vários livros.

Quando é que teve início esta paixão pela Banda Desenhada, em especial pelo Tex?
José de Matos-Cruz: O início do fascínio pela banda desenhada vem da infância, ainda mal sabia ler. Quando passou a interessar-me a expressão criativa e artística dos quadradinhos, dediquei-me a uma intervenção analítica e crítica na imprensa, fundei fanzines… A paixão por Tex evoluiu desde cedo, sobretudo como leitor.

Tex por Guido BuzzelliPorquê o Tex e não outra personagem?
José de Matos-Cruz: Tex não foi, para mim, uma afeição única ou exclusiva, antes se converteria num fenómeno referencial – pela relevância épica em banda desenhada, pelo recorte da saga no género western, pelas qualidades intrínsecas do herói, pela complexa simbologia humana e social em causa.

O que Tex representa para si?
José de Matos-Cruz: Tex representa a determinação e a coragem ante as adversidades, no enfrentamento dos desafios, mas também a coerência na assunção das fragilidades íntimas e na superação dos demónios pessoais. Não é um herói inequívoco ou linear.

Qual o total de revistas de Tex que você tem na sua colecção? E qual a mais importante para si?
José de Matos-Cruz: Não faço propriamente uma colecção de revistas, sobretudo adquiro e conservo as obras que me parecem mais significativas no historial de uma personagem – e Tex é, nesta perspectiva, uma motivação exemplar. Em especial, importantes são as fases de rotura ou transformação, ficcional ou criativa.

Tex de Fabio CivitelliColecciona apenas livros ou tudo o que diga respeita à personagem?
José de Matos-Cruz: Lateralmente, conservo tudo o que se relacione com o universo da banda desenhada, especialmente quanto às personagens de minha maior afeição – como iconografia, filmes alusivos, manancial informativo e analítico em arquivo. Embora a obra directa seja sempre insubstituível, para fruição ou reflexão.

Qual a sua história favorita? E qual o desenhador de Tex que mais aprecia? E o argumentista?
José de Matos-Cruz: Em absoluto, não tenho uma história definitivamente favorita. Tudo depende da oportunidade de leitura, de um estado de espírito, da motivação por que regresso ao universo de uma personagem. Aliás, quanto a Tex há arcos romanescos de tensão e emoção, mais do que uma simples aventura, que me parecem peculiarmente aliciantes. Numa perspectiva muito própria e afectiva, admiro a dimensão estética de Aurelio Galleppini, a coerência gráfica de Fabio Civitelli… E a inspiração primordial, trágica e anímica, de Gian Luigi Bonelli… Sou, talvez, um leitor tradicional e conservador, contraditório quanto ao observador e crítico.

O que lhe agrada mais em Tex? E o que lhe agrada menos?
José de Matos-Cruz: Volto à coerência global de apreciação: agrada-me muito a fusão mítica e lendária que, sob um historial realista e sagrador, se perfilou na personalidade forte mas afectiva de Tex, e o potencial testemunhador em que se reflectiu através de gerações (seus comparsas, e leitores da saga). Aprecio menos certas obras de passagem, que se destinam a cumprir um percurso editorial, ou que escamoteiam os valores imaginéticos e romanescos que forjam o elã, distinguem e tanto aliciam em Tex.

Tex e Carson por Fernando FuscoEm sua opinião o que faz de Tex o ícone que é?
José de Matos-Cruz: Num fundamento de admiração, creio que deixei espalhada e espelhada uma resposta, na consideração das questões anteriores. Mas, especificando melhor, Tex possui uma personalidade heróica forte e apelativa, logrou modelar o seu percurso virtual e emulativo no essencial universo western, e transferir-se para uma dimensão épica genuinamente universal e intemporal.

Para concluir, como vê o futuro do Ranger?
José de Matos-Cruz: Tex continuará para sempre, para além das transformações vitais e heróicas que assinalarem a continuidade da saga. O que já existe é um extraordinário acervo artístico e cultural, afectivo e ritual, com os muitos admiradores que somos, e que se transferirá para os tantos outros que serão tocados, que se emocionarão e enriquecerão com a inestimável herança de Tex. Admirando os criadores originais, prestigiando todos os sucessores que lhe cederam talento e conferiram densidade, aguardando com expectativa o contributo futuro dos mais devotados argumentistas e ilustradores.

Prezado pard José de Matos-Cruz, agradecemos muitíssimo pela entrevista que gentilmente nos concedeu.
(Para aproveitar a extensão completa das imagens acima, clique nas mesmas)

4 Comentários

  1. Ler esta entrevista com José de Matos-Cruz, indiscutivelmente uma presença referencial da nossa BD (e não só), um homem dedicado às artes e às letras, amante do cinema, da poesia, do teatro, das histórias aos quadradinhos, fez-me, de certa forma, retroceder no tempo… até àquela época saudosa em que convivi de perto com ele, no alvor dos anos 70, primeiro por correspondência, quando ainda vivia em Angola e comecei a colaborar no seu excelente fanzine “Copra”, e mais tarde em inúmeros eventos que sedimentaram as raízes do fenómeno chamado 9ª Arte, entre nós, culminando na fundação do Clube Português de Banda Desenhada, que ainda hoje existe.
    Parece, aliás, que ainda estou a vê-lo (e a ver-me a mim próprio) na redacção da “Plateia”, de que Matos-Cruz foi coordenador principal, e do “Mundo de Aventuras”, no qual criou rubricas como o “Mundo em Quadradinhos”, que muito contribuiram para difundir o conhecimento desse fenómeno popular e mediático sob fundamentais perspectivas históricas e críticas, como já era seu timbre nos fanzines que dirigiu, entre eles “Copra” e “Ploc”.
    Matos-Cruz pertence àquela geração pioneira que lançou um olhar mais transcendente sobre uma arte profundamente amada – às vezes, até, com ingénua e juvenil nostalgia – e, ao mesmo tempo, analisada construtivamente sob um prisma estético, artístico, sociológico e até político.
    Para ele, em nome desses saudosos e inesquecíveis tempos de frutuosa camaradagem, aqui vai o meu abraço.
    Jorge Magalhães

  2. GOSTEI MUITO DA ENTREVISTA
    DE JOSÉ DE MATOS-CRUZ
    COM SUAS RESPOSTA FIRMES,
    MAS QUE À POÉTICA CONDUZ…
    COM A LINGUAGEM REBUSCADA,
    QUE AO SEU OFÍCIO FAZ JUS.

  3. Fui em meados de 1975 no Cartaxo, professor de Educação Visual, onde realizei uma curta-metragem feita pelos meus alunos e por mim, nessa altura existia o festival de cinema de Santarém, onde conheci o José de Matos-Cruz, os anos foram passando e perdi o rasto… do José, estou em Angola a trabalhar, gostava de fazerem chegar estas palavras ao José, e enviarem-me por favor os contactos dele para poder dar-lhe aquele abraço de obrigada pela força que me deu em relação à arte do cinema…
    Recebam e entreguem aquele abraço ao meu posso chamar lhe assim amigo José de Matos-Cruz.
    Professor José Inês -Cartaxo

  4. Me encantaria contactar con el, por circustancias de la vida y siempre vinculada al comic, estuve muy vinculada con el y su familia.
    Un saludo a todos desde España.

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